Eduardo Jorge (à esq.) pediu por diversas vezes que aceitassem a sua demissão da UF Alvega e Concavada, referindo que o têm estado a "prender" no cargo "por interesse". Foto: mediotejo.net

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decretou esta sexta-feira, 31 de março, a perda de mandato de Eduardo Jorge, eleito pelo MIUFAC na União de Freguesias de Alvega e Concavada em eleições intercalares de março de 2022.

Será um caso raro a nível nacional, mas a notícia foi recebida pelo próprio com grande alegria – Eduardo Jorge tentava renunciar ao mandato desde abril do ano passado, sem sucesso. Passado quase um ano, o secretário e vogal do executivo MIUFAC conseguiu “finalmente” libertar-se das “amarras” a que diz ter sido sujeito, sentindo-se ao longo destes meses “refém” do restante executivo liderado por António Moutinho, como explicou em entrevista ao mediotejo.net, em junho do ano passado.

A decisão chega após a participação de um grupo de cidadãos, num processo que deu entrada a 10 de março no Ministério Público, denunciando a situação pendente da renúncia de Eduardo Jorge, bem como o facto de não terem sido comunicadas devidamente as suas faltas, protelando uma situação insustentável.

O Ministério Público intentou uma “ação administrativa urgente para declaração de perda de mandato contra Eduardo Jorge Cristóvão Dias”, membro do executivo da Assembleia de Freguesia de Alvega e Concavada, para o qual foi eleito e investido em funções, tendo como fundamento “faltas voluntárias e não justificadas a seis reuniões consecutivas daquele órgão”.

Na decisão refere-se que no exercício de funções como membro e vogal do Executivo da União das Freguesias de Alvega e Concavada, tendo aceitado o cargo a 12 de Abril de 2022, Eduardo Jorge “não participou nas reuniões ordinárias seguidas que se realizaram em 12/07/2022, 29/08/2022, 07/09/2022, 12/10/2022, 21/11/2022 e 05/12/2022, para as quais foi regularmente convocado, sem que para tal tenha apresentado qualquer justificação, estando assim reunidos os pressupostos para a perda de mandato”.

Como Eduardo Jorge confessou os factos, o Ministério Público entendeu desnecessário realizar diligências instrutórias, nomeadamente a inquirição de testemunhas arroladas ao processo, e determinou perda de mandato, situação que decorre da Lei da Tutela Administrativa.

Eduardo Jorge confirmou ao mediotejo.net ter recebido a confirmação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. “O tribunal já decidiu, a decisão é a meu favor, para que a Junta me liberte. Perdi o meu mandato, agora só aguardo que me chegue a notificação por correio”, deu conta.

ÁUDIO | Entrevista a Eduardo Jorge, vogal renunciante do executivo da UF Alvega e Concavada

“Existiram cidadãos da nossa União de Freguesias, eleitores, que apresentaram uma denúncia ao Ministério Público sabendo da minha exigência e do meu direito à renúncia. É algo que é automático, e não conseguiam entender como é que a Junta de Freguesia não permitia a minha renúncia. Todos sabíamos as razões, porque ao permitirem a minha renúncia deixariam de ter quórum e, obviamente, estavam agarrados ao poder”, diz Eduardo Jorge, referindo que deveria ter sido a Junta de Freguesia a comunicar as faltas dadas pelo vogal ao Ministério Público.

O executivo da Junta de Freguesia eleito pelo MIUFAC, para o mandato 2022-2025: presidente António Moutinho e vogais Clara Diogo Vicente e Eduardo Jorge. Foto: mediotejo.net

“Não cumpriram a lei. Alguém o fez e apresentou a denúncia ao Ministério Público de que me estavam a prender no cargo que eu não queria exercer. O Ministério Público questionou a Junta e exigiu as atas e provas sobre as minhas faltas e através desses documentos conseguiu confirmar que eu não comparecia às reuniões do executivo. Foi a única alternativa que encontrei para não perpetuar [esta situação], para não estar preso eternamente à Junta. A lei assim o diz: ao faltar a seis reuniões ou a três Assembleias, automaticamente perde-se o mandato”, lembrou, afirmando ter confessado ao Ministério Público as suas faltas e dado conta da sua situação.

Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto
LEI DA TUTELA ADMINISTRATIVA
Artigo 8.º
Perda de mandato
1 – Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que:
a) Sem motivo justificativo, não compareçam a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas

Com o terminar deste braço-de-ferro, Eduardo Jorge relembra as várias tentativas para conseguir fazer valer a sua renúncia, lamentando que o Ministério Público em Abrantes não tenha dado seguimento ao seu pedido de ajuda neste âmbito.

Perante a perda de mandato, Eduardo Jorge entra em inelegibilidade, ou seja, não poderá agora candidatar-se quer num cenário de novas eleições intercalares, para completar o atual mandato interrompido, quer em atos eleitorais posteriores que tenham lugar no tempo correspondente a um novo mandato completo. Não pode ainda vir a integrar uma comissão administrativa que venha a gerir a junta de freguesia até novo desfecho eleitoral.

Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto
LEI DA TUTELA ADMINISTRATIVA
Artigo 13.º
Inelegibilidade
A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico.

“Estou muito contente, muito feliz. Felizmente libertam-me. Sinto-me bem, porque não estava a ser respeitada a minha decisão”, desabafa. Apesar de tudo, diz que há algo que o entristece com o encerrar deste capítulo, nomeadamente o facto de o projeto MIUFAC não ter seguido conforme planeado.

“Lamento que tenha sido o tribunal a obrigar as pessoas cumprirem a lei, mais uma vez… Mas estou muito feliz, finalmente libertaram-me”

Eduardo Jorge

“Fico obviamente muito, mas mesmo muito triste que este projeto não tenha tido continuidade e que não tivéssemos conseguido, enquanto equipa, levar o mandato até ao fim e ter harmonia para poder levar avante o nosso programa. Infelizmente…”.

Eduardo Jorge reafirmou não se rever “na maneira de atuar das pessoas que se encontram” à frente da Junta de Freguesia. “Tomei a decisão de sair, não vale a pena estar num espaço onde não podia trabalhar como gostaria e onde não podia pôr em prática as minhas ideias. Estou muito feliz, é um peso enorme que sai de cima de mim.”

“É muito desagradável as pessoas pelo poder fazerem tudo. Manterem-me refém, obrigarem-me a estar num cargo só porque querem continuar a mandar e têm sede de poder”, critica.

Eduardo Jorge (MIUFAC) foi eleito vogal do executivo da junta de freguesia. Foto: mediotejo.net

Sobre os diversos apelos e pedidos de renúncia de Eduardo Jorge, o mediotejo.net solicitou por diversas vezes esclarecimentos ao gabinete da Secretaria da Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (SEALOT), tendo recebido a 3 de março uma resposta às questões colocadas sobre esta matéria.

1. Tendo em conta que o secretário da Junta de freguesia, Eduardo Jorge (MIUFAC), já por diversas vezes apresentou a sua renúncia ao cargo, não tendo esta sido aceite pelo Executivo, quando se torna legalmente efetiva essa renúncia?

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na sua redação atual (que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias), o direito de renúncia que assiste aos titulares dos órgãos das autarquias locais é exercido mediante simples manifestação de vontade, por escrito, dirigida e apresentada, neste caso, ao presidente da junta de freguesia. Nos termos do disposto no artigo 80.º do referido diploma, os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantém-se em funções até serem legalmente substituídos. Uma vez que a substituição dos vogais das juntas de freguesia ocorre, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do mesmo diploma, através de nova eleição pela assembleia de freguesia, os vogais que renunciem ao respetivo mandato mantêm-se em funções até que tal ocorra.

2. Um vogal do executivo de uma junta de freguesia poderá ser obrigado a permanecer em funções mesmo que manifeste intenção de abandonar o cargo?

A lei faz depender, nos termos supra referidos, a cessação do exercício de funções por titular de órgão de autarquia local da respetiva substituição, o titular deverá continuar a assegurar o exercício das suas funções até que tal ocorra, por forma a garantir a continuidade do funcionamento dos órgãos das autarquias locais.

3. O secretário assume ter faltado já a diversas reuniões de executivo e que na próxima sessão de Assembleia de freguesia irá faltar pela terceira vez consecutiva nessa condição. Assim, e mediante a lei, confirmam V. Exas. que incorrerá em perda de mandato? Qual o procedimento neste caso?

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa, aprovado pela Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, na sua redação atual, incorre em perda de mandato o membro de órgão autárquico que, sem motivo justificativo, não compareça a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas. De notar, não obstante, que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 10.º do referido diploma, não há lugar à perda de mandato quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa do agente. As decisões de perda do mandato são da competência dos tribunais administrativos de círculo, tendo legitimidade para interpor as respetivas ações o Ministério Público (que tem o dever funcional de as propor no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respetivos fundamentos), qualquer membro do órgão em questão ou quem tenha interesse direto em demandar, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do mesmo diploma.

4. Caso se confirme perda de mandato, Eduardo Jorge terá de retornar à Assembleia de Freguesia? Se sim, e caso apresente igualmente renúncia a este órgão, terá de ser nomeado um novo secretário/vogal do executivo da junta de freguesia em substituição? Ou poderá o executivo continuar em funções com apenas dois membros?

Conforme previsto no n.º 3 do artigo 75.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na sua redação atual, os vogais da junta de freguesia mantêm o direito a retomar o seu mandato na assembleia de freguesia caso deixem de integrar a respetiva junta de freguesia. Assim, a retoma às funções de membro da assembleia de freguesia apenas ocorre com a cessação de funções enquanto vogal na respetiva junta de freguesia. Caso tenha igualmente renunciado ou venha a renunciar a estas funções, a sua substituição enquanto membro da assembleia de freguesia (autónoma da substituição enquanto vogal da junta de freguesia) é efetuada, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º e do artigo 79.º do mesmo diploma, pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual o membro em questão havia sido proposto.

5. Uma vez que a Assembleia de Freguesia tem funcionado com 5 membros eleitos pelo MIUFAC, havendo lugar a substituição do secretário demissionário isso levará a que seja ultrapassado o limite de substituições, quebrando o quórum legal, e por sua vez, levando à queda da atual governação desta União de Freguesias?

Nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na sua redação atual, apenas há lugar à convocação de eleições intercalares, in casu, caso se encontre esgotada a possibilidade de substituição dos membros da assembleia de freguesia que deixem os respetivos lugares em aberto e não se encontre, simultaneamente, em efetividade de funções a maioria do número legal de membros da assembleia, devendo este facto ser comunicado ao membro do Governo responsável pela tutela das autarquias locais, para que este proceda à marcação, no prazo máximo de 30 dias, de novas eleições.

Face aos factos que foram comunicados e apreciados pelo Gabinete do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, não se encontravam verificados, à data, os necessários pressupostos legais para a marcação de eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Alvega e Concavada. Ademais, não foram, até à presente data [3 de março], comunicados ou conhecidos factos que determinem a verificação dos referidos pressupostos legais e, como tal, a marcação de eleições intercalares.

Esclarecimento enviado pelo Gabinete do SEALOT, a 3 de março de 2023

Recorde-se que durou praticamente um ano o impasse sobre a substituição de Eduardo Jorge no executivo da Junta de Freguesia de Alvega e Concavada, sendo que também foram consideradas inválidas as renúncias dos quatro eleitos do PS na Assembleia de Freguesia, tendo a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território considerado, em ofício datado de outubro de 2022, que estão em funções “a totalidade dos membros” da Assembleia da União das Freguesias de Alvega e Concavada, não se encontrando assim reunidos os requisitos para a convocação de novas eleições intercalares – como as que se realizaram em março [do ano passado], por incapacidade de ser alcançado um acordo para a formação de um executivo.

Os membros do PS na Assembleia de Freguesia apresentaram a renúncia aos mandatos no dia 26 de agosto, tendo as últimas sessões da Assembleia decorrido apenas com a maioria MIUFAC, que atingiu o limite de substituições dos membros eleitos com a eleição de nova mesa de Assembleia e tomada de posse de novos membros, após 11 renúncias no seio do movimento.

Na última sessão de Assembleia de Freguesia de 2022, em dezembro, foi aprovado o orçamento para 2022, que anteriormente havia sido chumbado. Também foi chumbada a proposta de substituição de Eduardo Jorge enquanto vogal da Junta, situação que garantiu o quórum legal no limite. Ou seja, no dia em que a substituição fosse aceite, o MIUFAC perderia um eleito e o quórum, levando à queda da Assembleia de Freguesia, pois foram esgotadas as hipóteses de substituição. Ao que tudo indica, é o que agora irá verificar-se com a perda de mandato decretada pelo tribunal.

* notícia atualizada a 3 de abril

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Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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