Os professores iniciaram a 9 de dezembro aquele que é já o maior protesto dos últimos 20 anos. Para 1 de fevereiro está marcada para o distrito de Santarém a greve da Fenprof e de sete outros sindicatos, prevendo-se uma grande adesão. Para esta segunda e terça-feira existiu também um apelo do STOP para intensificar a luta, “encerrando as escolas de norte a sul do país”. Foi este novo sindicato, que há dois meses tinha pouco mais de mil associados, que mobilizou inesperadamente milhares de docentes sem ligações sindicais ou partidárias e que, regra geral, não se manifestavam nas ruas ou faziam greve.
Fomos ouvir as razões que levam à rua diferentes professores, em diferentes escolas da região – uma série de entrevistas que publicaremos ao longo dos próximos dias.

Cristina Santos tem 58 anos, está contratada em Mação desde 1 de setembro, onde dá aulas às segundas, terças e sextas-feiras, conjugando esse horário com aulas extra numa escola particular do distrito de Leiria, onde reside. É formada em Filosofia, e leciona atualmente Psicologia, Sociologia e Área de Integração em cinco turmas de Mação, no ensino secundário. É docente desde 1994/1995, ou seja, há 29 anos – e sempre sem saber em que escola será colocada no ano seguinte.
É nos gastos (e desgaste) da deslocação, com 240 km de idas e voltas, que se centra a pior dificuldade. Opta por pernoitar uma noite ou duas em Mação, dependendo dos afazeres na escola. À quarta e à quinta-feira dá aulas numa escola particular de Leiria, voltando à sexta-feira a Mação.
Ao dinheiro das viagens, “com muito desgaste físico, por andar de um lado para o outro”, junta-se a despesa do quarto em Mação durante um mês, embora só usufrua dele durante algumas noites. Numa constante azáfama, nota que não lhe sobra tempo para o autocuidado, ficando sempre “para segundo, terceiro e quarto plano.”
As filhas já são autónomas, e daí ter tomado a decisão de voltar a dar aulas no ensino público. “Estive uns anos afastada, a dar formação de nível 2, 3, 4 e 5, noutras áreas em que tenho qualificações”, explica. “Há dias ouvi duas colegas, numa reportagem, que diziam estar a prejudicar-se em termos profissionais porque tinham filhos e não conseguiam deixar as crianças para trás. Comigo aconteceu exactamente a mesma coisa.”
“Há dias ouvi duas colegas, numa reportagem, que diziam estar a prejudicar-se em termos profissionais porque tinham filhos e não conseguiam deixar as crianças para trás. Comigo aconteceu exactamente a mesma coisa.”
Diz que, a partir do momento em que as filhas mais precisaram de si, decidiu “não concorrer para longe” e optou por escolher a área da formação, o que lhe permitia dar aulas à noite, estando mais disponível durante o dia. “Foi a forma que encontrei de dar acompanhamento à família, que eu entendia como necessário.”
O seu percurso passou por Leiria, mas também por Porto de Mós, Mira de Aire, Vieira de Leiria, Marinha Grande… teve sempre de andar de um lado para o outro. “O facto de ter estado todos estes anos afastada do ensino público, de não ter tido uma carreira consistente do princípio ao fim, tudo isso me veio a afetar em termos do tempo de serviço, da progressão na carreira e escalões.”
Ainda assim, sente que o pior é o “desprestígio” da profissão docente e o “perceber que o ensino está cada vez mais desvalorizado, em que se pede cada vez mais facilitismo por parte do Ministério”, resultando na “cada vez pior preparação” dos alunos.
“Pergunto-me para onde caminharemos quando estes jovens, que estão agora no ensino e que têm um nível cultural e bagagem tão fraca, saírem da escola… como é que esta gente vai desempenhar determinadas funções no futuro?”
Os professores, recorda, “são a chave-mestra para todas as profissões” e para o mover da economia. “Apesar de ouvirmos dizer que as gerações mais novas são as melhor preparadas de sempre, não me parece que seja bem assim. Porque muitas vezes, quer em termos da Língua Portuguesa, quer em termos de Matemática, quer em termos de disciplinas de caráter cultural, parece-me tudo muito insipiente e muito básico. E sabemos que a cultura e o conhecimento são fundamentais para a tomada de decisões.”
Apesar de ouvirmos dizer que as gerações mais novas são as melhor preparadas de sempre, não me parece que seja bem assim. Porque muitas vezes, quer em termos da Língua Portuguesa, quer em termos de Matemática, quer em termos de disciplinas de caráter cultural, parece-me tudo muito insipiente e muito básico.
Diz não pensar muito na sua aposentação, mas que conta trabalhar até aos 70 anos. “Entristece-me, sobretudo, não termos condições para exercer a profissão com dignidade. Não falo de condições materiais, até porque as escolas na generalidade já estão apetrechadas com tudo o que é fundamental. Mas a legislação é demasiado permissiva em alguns aspectos, e os alunos acabam por também já ser conhecedores da lei e saber o que podem ou não podem, e tiram muito partido disso. Desde poderem faltar muito, o que resulta em mais trabalho para os professores. Diplomas para eles, sim, mas qualificação efectiva… não me parece que haja correspondência entre uma coisa e outra.”
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