Os professores iniciaram a 9 de dezembro aquele que é já o maior protesto dos últimos 20 anos. Para 1 de fevereiro está marcada para o distrito de Santarém a greve da Fenprof e de sete outros sindicatos, prevendo-se uma grande adesão. Para esta segunda e terça-feira há também um apelo do STOP para intensificar a luta, “encerrando as escolas de norte a sul do país”. Foi este novo sindicato, que há dois meses tinha pouco mais de mil associados, que mobilizou inesperadamente milhares de docentes sem ligações sindicais ou partidárias e que, regra geral, não se manifestavam nas ruas ou faziam greve.
Fomos ouvir as razões que levam à rua diferentes professores, em diferentes escolas da região – uma série de entrevistas que publicaremos ao longo dos próximos dias.
Sou professora de informática há 21 anos. Era muito nova quando comecei, tinha 22 anos. Na altura começávamos sem profissionalização e depois acabei por tirar a licenciatura de informática via ensino, porque queria mesmo ficar no ensino. Naquela época muitos dos professores não eram profissionalizados porque faltavam especialidades, e agora está a acontecer o mesmo, faltam professores em várias áreas: geografia, inglês, história, informática. Não há! Há casos de alunos que não têm uma disciplina durante um ano inteiro porque não há professores.
Os professores estão a reformar-se. E aqueles professores que foram os nossos, que ainda encontramos nas escolas secundárias e básicas, têm uma média de idade de 60 anos. Dentro de dois ou três anos metade dos professores reforma-se. É um dos problemas, não há investimento na escola pública que cative os jovens para a profissão de professor, é cada vez menos atrativa. Leciono nos cursos profissionais de informática e faço essa pergunta aos alunos. Ninguém quer ser professor. Têm consciência das dificuldades. Além de dar muito trabalho, pagam mal.
Quando era criança já queria ser professora. Acho que todos da minha geração tiveram uma fase em que queriam ser professores. No meu livro da terceira classe tenho lá escrito que quero ser professora de matemática… foi um bocadinho ao lado, mas na altura não sabia o que era a informática. Tive ainda mais vontade porque encontrei no meu percurso educativo vários professores que me marcaram muito positivamente.
Nos últimos 15 anos a escola pública tem-se vindo a degradar e há muitos anos que pedimos soluções, mas costumo dizer que temos um aluno que é muito difícil, não nos ouve, não nos entende!
Esta é a minha realidade. Fui 19 anos contratada. Numa empresa privada uma pessoa faz três contratos e a empresa ou a coloca nos quadros ou então não renova contrato. Com o Estado – normalmente são os piores exemplos –, fiz contratos sucessivos durante 19 anos e durante 19 anos tive o mesmo ordenado. Trabalhei com horários incompletos, ora mais longe, ora mais perto de casa. Fiquei sem ser colocada um ano, durante o governo PSD, com o ministro Nuno Crato, quando também houve um desinvestimento na área da informática.
Moro em Tramagal (Abrantes) e o mais longe que estive de casa, dentro do quadro de zona que me interessa, foi em Torres Vedras, mas dei aulas em Lisboa, Cartaxo, Almeirim, Torres Novas, Barquinha, Praia do Ribatejo, Constância, Tramagal. Há dois anos que faço parte dos quadros da zona da Lezíria e Oeste, a qual costumo concorrer. Este é o segundo ano em que estou na Escola Dr. Solano de Abreu, em Abrantes. Entrei para o quadro de zona pedagógica 6 – neste momento são 10 – o que significa que faço parte dos quadros do Ministério da Educação mas posso ser colocada em qualquer escola desta zona que vai desde Abrantes até Torres Vedras.
Entrei para o quadro de zona pedagógica 6 – neste momento são 10 – o que significa que faço parte dos quadros do Ministério da Educação mas posso ser colocada em qualquer escola desta zona que vai desde Abrantes até Torres Vedras.
Os professores contratados podem escolher a zona à qual se candidatam, um professor quando entra num quadro fica afeto àquele quadro de zona e obrigatoriamente só poderá escolher as escolas da sua zona, com concurso de quatro em quatro anos, a não ser que peça mobilidade. Eu escolho as escolas da minha preferência, ou os concelhos, mas se não tiver horário em nenhuma delas, o Ministério pode colocar-me em qualquer uma dentro desta zona 6, mesmo que não a escolha, porque faço parte do quadro.
Um contratado não tem direito a pedir mobilidade de aproximação à residência, não pode fazer permutas com outros professores, mas pode concorrer a nível nacional. Porém, os horários são tão poucos e há zonas onde os quadros estão muito preenchidos, como é o caso do Norte, não há vagas. Portanto, um professor contratado que seja do Norte, onde os quadros estão ocupados, a hipótese é: ou deixa de dar aulas ou concorre para mais longe. Há professores com 60 anos que são contratados, alguns atingem a idade de reforma e nem sequer entram na carreira, é muito injusto!
O ministro diz que vão inserir na carreira 10.500 professores, mas há sempre uma qualquer condição… agora só vão colocar os professores que este ano tiverem horário completo. Ora um professor de 60 anos e com 20 anos de serviço a contrato, se este ano teve o azar de ser colocado em setembro com horário incompleto não vai entrar novamente na carreira. São várias as injustiças.
Um professor quando entra no quadro é que passa a ter uma carreira e a possibilidade de progressão. Temos vários escalões, vários índices de ordenado, e vamos progredindo consoante as condições da lei; formação, avaliação, muito bom ou excelente, se tivermos essas condições e tempo de serviço de quatro anos, subimos para o escalão seguinte, mas não é automático. Tenho 43 anos de idade, 21 anos como professora, estou no segundo escalão, portanto não vou chegar ao topo da carreira, nem lá perto, não vou conseguir. São dez escalões. Para passar do quarto para o quinto há quotas, são muito poucas as vagas. Na melhor das hipóteses vou ficar no quarto escalão.
No passado não havia esta progressão, ia sendo automática e agora há as vagas do quarto para o quinto e do sexto para o sétimo. As vagas são preenchidas pelos excelentes. Mas as escolas têm quotas e não podem dar excelente e bom a todos os professores. Por exemplo, num universo de 200 professores só 10 podem ter excelente, mesmo que 20 mereçam excelentes.
Existe uma comissão de avaliação, e temos avaliação externa, de um professor de outra escola, com aulas assistidas. Para alguns escalões a subida depende da nossa autoavaliação, do professor interno da nossa área que nos avalia e do avaliador externo. Os professores têm evidências do seu trabalho – as plataformas que usamos, os projetos – que é demonstrado à comissão de avaliação. Além disso, existem parâmetros para aquilo que fizemos naqueles quatro anos, e conforme essas evidências é atribuída uma classificação que vai de zero a 10, um excelente vai do 9,5 ao 10. Um professor, mesmo que tenha uma avaliação de excelente pode ficar sem ela –aconteceu-me no ano passado, tive uma avaliação de 9,5, mas as quotas não deram para a minha avaliação ser excelente, e assim reduziram para muito bom. Depois a redução é em cadeia, porque no muito bom também há quotas.
Em causa também a recuperação de tempo de serviço de 6 anos, 6 meses e 23 dias, quando os professores tiveram a sua progressão de carreira congelada, no tempo da troika. Não foram só os professores nessa situação, mais funcionários públicos passaram pelo mesmo. Não descongelaram ainda todo o tempo de serviço das carreiras, mas estão a descongelar gradualmente. Por exemplo, há cerca de três anos os enfermeiros conseguiram que contassem o tempo integral. Os professores não são melhores nem piores que outros funcionários públicos que ainda não descongelaram as carreiras, mas temos de lutar pelos nossos direitos. Se vemos os nossos colegas professores dos Açores e da Madeira que recuperaram na totalidade o tempo congelado, eu não sou diferente de um professor que dá aulas nos Açores ou na Madeira.
Esta questão já podia ter ficado resolvida em 2019 porque estava previsto no Orçamento de Estado a recuperação total integral do tempo de serviço dos professores. O que aconteceu? Primeiramente foi aprovado, entretanto o PSD mudou de ideias, não aprovou o Orçamento e a partir daí nunca mais recuperámos. Entendo que o Governo diga que, por questões orçamentais, não pode dar, de repente, estes seis anos aos professores, mas ao menos encontre uma solução gradual de recuperação. Tem de haver um compromisso, mas o ministro da Educação não fala nisto.
Outra reivindicação tem a ver com a travagem nos escalões e a ultrapassagem dos contratados que entram no quadro, que estão há muitos anos a contrato – que foi o meu caso –, com muito tempo de serviço. Entramos para a carreira e um professor que está com o mesmo tempo de serviço que eu mas já pertence a um quadro e está congelado, se eu como entro agora ultrapasso esse professor, e não é justo.
Tenho 43 anos de idade, 21 anos como professora, estou no segundo escalão, portanto não vou chegar ao topo da carreira, nem lá perto, não vou conseguir. São dez escalões.
Nas progressões também há dificuldade e depende de escola para escola. E há ainda o facto de haver uma plataforma que só abre uma ou duas vezes por ano para reposicionar os professores na carreira. A minha mãe era funcionária numa escola e há 20 anos isto não acontecia. Era automático a nível administrativo, agora não; têm de abrir uma plataforma, a DGAI tem de autorizar, tem de haver autorização para o gabinete de gestão financeira, que tem de concordar e dar a verba… é uma complicação, intensificaram as burocracias.
Falta vontade política para encontrar soluções, pelo menos há 15 anos a esta parte. Lembro-me que no inicio tínhamos tempo para tudo. Tenho uma admiração profunda por colegas que vêm da Covilhã ou de Benquerença para dar aulas aqui, todos os dias, e que não pagam para trabalhar porque arranjam boleias, partilham transportes, mas é um cansaço extremo chegar ao final do dia com 300 quilómetros em cima e ainda terem de preparar as aulas para o dia seguinte. As pessoas têm vida, família… Eu, que estou a 10 minutos de casa, sinto que não tenho tempo para nada – e não era assim.
Aquele tempo que preciso para preparar as coisas para os meus alunos (porque é a eles que tenho de me dedicar, é isso que gosto de fazer porque estou a fazer aquilo que gosto: ser professora), não tenho. Estou todos os dias até à 1 da manhã para responder a e-mails e mais burocracia. A culpa não é das direções porque é obrigatório preencher todos os documentos, há muitas mudanças… há cinco mudanças todos os anos! Nós só queremos é dar aulas, mais nada. Todo o trabalho de direção de turma, de curso, temos tanta coisa para fazer além da preparação de aulas… não tenho tempo.
Tenho uma admiração profunda por colegas que vêm da Covilhã ou de Benquerença para dar aulas aqui, todos os dias, e que não pagam para trabalhar porque arranjam boleias, partilham transportes, mas é um cansaço extremo chegar ao final do dia com 300 quilómetros em cima e ainda terem de preparar as aulas para o dia seguinte. As pessoas têm vida, família… Eu, que estou a 10 minutos de casa, sinto que não tenho tempo para nada – e não era assim.
Sou diretora de turma, o que implica mais este trabalho de acompanhamento dos alunos, dos encarregados de educação, porque é preciso! Os encarregados de educação são parte da comunidade escolar, e é preciso fazer esse acompanhamento. Há situações especificas: por exemplo, temos uma hora para receber os encarregados de educação, a minha hora é à terça-feira às 15h30, os encarregados de educação não estão todos disponíveis àquela hora. Tem de haver bastante flexibilidade. Tenho 11 turmas, já acumulo horas extraordinárias porque uma colega da nossa área está doente desde outubro e não há ninguém para a substituir e o horário foi dividido pelos professores que estão na escola.
É claro que o ministro diz que está tudo bem! Nós vamos fazendo o trabalho e vamos assegurando, mas estamos muito cansados. E não somos só nós: é muito importante olhar também para os assistentes operacionais, que são cada vez menos. Na Escola Dr. Solano de Abreu, que é enorme, deveriam estar dois funcionários em cada piso e está só um. Na Escola D. Miguel de Almeida, chego lá às 8h00 e está a funcionária do bar no portão, até chegar a pessoa que vai entrar às 8h30; à hora de almoço está a funcionária da papelaria no portão, depois vem a da biblioteca… não há pessoas, está mesmo a ficar crítico e difícil!
É claro que o ministro diz que está tudo bem! Nós vamos fazendo o trabalho e vamos assegurando, mas estamos muito cansados. E não somos só nós: é muito importante olhar também para os assistentes operacionais, que são cada vez menos.
Há questões de fundo que estão a prejudicar a qualidade da escola pública embora não acredite que os alunos vão menos preparados do que vão os alunos do ensino privado. Não estão menos preparados porque nós damos o máximo por eles – as direções, os professores, mesmo os pais, a comunidade educativa. Os alunos estão connosco e perguntam se vamos ou não conseguir… e dizem que temos de explicar isto melhor porque as pessoas ainda não entenderam. No geral, acho que os pais estão cansados, principalmente com filhos no primeiro ciclo. Na escola secundária já são autónomos, mantém-se na escola. A greve aos primeiros tempos não tem afetado muito o decorrer das aulas.
Não vou deixar nenhum aluno, mesmo com estas greves, prejudicado. Aliás, dou aulas a um curso profissional e todas as greves que faço, no final do ano terei de dar essas horas e não me vão pagar. Mesmo os professores no ensino geral não vão deixar ninguém para trás, nem de consolidar aprendizagens com estas greves dos primeiros tempos ou com a greve distrital do dia 1 de fevereiro, que provavelmente vai ter impacto no concelho de Abrantes. Gostaríamos de organizar uma marcha, esta união entre agrupamentos é muito saudável, e se conseguirmos e se for possível, vamos fazê-lo.
Foram-nos tirando vários direitos, só lutamos por aquilo que perdemos. Não precisamos de palmas, só precisamos de um compromisso. Apesar de serem vários os sindicatos, espero que desta vez haja união. Embora não seja sindicalizada, já fui – deixei de ser porque na altura em que precisei da ajuda do sindicato não a tive e isso deixou-me muito desiludida. Foi logo no início, em 2005, não fiquei colocada por uma injustiça, na altura por causa do nome do curso ainda estava com habilitação própria – que agora já não existe –, não tinha habilitação para docência, o Ministério da Educação tinha uma lista de cursos que podiam dar vários tipos de disciplinas, e houve uma mudança no meu, de um ‘hífen’ para um ‘da’ e fui retirada da lista. O sindicato pediu-me um montante alto para avançar para tribunal e eu não estava a trabalhar, mas era sindicalizada e com as quotas todas pagas… desisti.
Agora não sou sindicalizada mas estou por todos os profissionais da educação e por toda a comunidade escolar. Também temos os técnicos especializados em precariedade, não entram na carreira, e são precisos; psicólogos, terapeutas da fala. E os assistentes operacionais, reforço, trabalham nas escolas há anos e anos e não têm qualquer tipo de progressão e a precariedade é muita.
Foram-nos tirando vários direitos, só lutamos por aquilo que perdemos. Não precisamos de palmas, só precisamos de um compromisso.
Há escolas com falta de equipamento e condições de trabalho, não é o caso do Agrupamento de Escolas nº1 de Abrantes. Mas não temos licenciamentos de sistemas operativos, nem ferramentas de escritório, vamos conseguindo os sistemas de software gratuitos. Já consigo ter uns robôs para programarem e equipamento que chegou através do financiamento do Programa Operacional Capital Humano (POCH).
Sinto que houve um decréscimo no financiamento para a Educação, os dados do Ministério não sei, mas acho que sim e pelo que ouvi no debate no Parlamento, parece que o investimento em termos de percentagem este ano foi menor do que anos atrás. E depois ficamos a pensar que não têm dinheiro para investir na Educação, que é a base estruturante de um País.
Acho que é desta que os professores não desistem. Passei por muitas escolas e muitos professores não faziam greve mas chegámos a um ponto de ruptura. Estamos mesmo muito cansados. Fico muito orgulhosa de ver colegas meus que se vão reformar daqui a meses e que estão ali, à porta, ao pé de nós. Isto é a luta, a união.
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Eu não compreendo porque é que, se os professores se consideram mal pagos, não arranjam emprego no sector privado? Estamos num país livre e cada um escolhe o que mais lhe convier, não será assim? Depois, se não há mesmo professores, o Governo tem de pagar bem para os ter. Tão simples…