Os professores iniciaram a 9 de dezembro aquele que é já o maior protesto dos últimos 20 anos. Para 1 de fevereiro está marcada para o distrito de Santarém a greve da Fenprof e de sete outros sindicatos, prevendo-se uma grande adesão. Para esta segunda e terça-feira há também um apelo do STOP para intensificar a luta, “encerrando as escolas de norte a sul do país”. Foi este novo sindicato, que há dois meses tinha pouco mais de mil associados, que mobilizou inesperadamente milhares de docentes sem ligações sindicais ou partidárias e que, regra geral, não se manifestavam nas ruas ou faziam greve.
Fomos ouvir as razões que levam à rua diferentes professores, em diferentes escolas da região – uma série de entrevistas que publicaremos ao longo dos próximos dias.

Tem 56 anos e foi no ensino que encontrou o rumo da sua vida. Há cerca de 29 anos, Manuel Leitão deu a primeira aula na Escola Básica de Alvega, freguesia de onde é natural. Considerada uma “carreira aliciante” quando decidiu estudar Desporto, o hoje professor de Educação Física conta que a sua vida profissional começou por desanimá-lo pela falta de estabilidade.
De Alvega passou por Abrantes e Tramagal, mais tarde foi colocado em Beja, a cerca de 250 quilómetros de casa. Ponte de Sor, Montargil e Gavião foram também pontos de paragem da sua rota, até que, oito anos depois ingressou no quadro de zona do Médio Tejo. Deixou de ser contratado ano a ano mas, duas décadas depois, continua sem saber onde vai dar aulas no ano seguinte.
A viver atualmente em Atalaia, Vila Nova da Barquinha, leciona há dois anos no Entroncamento. Apesar do “bom ambiente” que encontra na cidade ferroviária, é notória alguma mágoa por não conseguir ainda estar fixado numa escola. “Sou do quadro de zona pedagógica, ainda não consegui o quadro de escola. Tenho tentado, mas cada vez é mais difícil entrar.”
Especializado em Educação Física do 2º ciclo do ensino básico, Manuel Leitão leciona atualmente aos alunos do 1º ciclo na Escola do Bonito, na Escola António Gedeão e na Escola Básica da Zona Verde, em resultado de um convite para ingressar num “projeto de coadjuvação de Educação Física” no 1º ciclo. “No fundo, é colaborar com as professoras do primeiro ciclo e ajudá-las nesta área”, explicou. “Tem sido um projeto engraçado, embora eu tenha estado sempre ligado à Educação Física no 2º ciclo e é aí que me quero efetivar. Vamos ver no próximo concurso o que é que isto vai dar, mas não tem sido fácil”, lamenta.
Volvidos 29 anos desde o dia em que começou a dar aulas, Manuel Leitão tem agora uma nova visão sobre a carreira que escolheu. “Passados estes anos todos, se me perguntarem se eu voltava a ser professor, diria que sim – mas pelos alunos, não como a carreira está estruturada e como o sistema de ensino está estruturado.”
“Passados estes anos todos, se me perguntarem se eu voltava a ser professor, diria que sim – mas pelos alunos, não como a carreira está estruturada e como o sistema de ensino está estruturado.”
Os professores não são ouvidos, lamenta, “e isso depois reflete-se em muita coisa”. Além disso, “depois meteu-se a questão da carreira, que foi completamente mexida, levando a que os professores ficassem prejudicados. Nós que já estávamos nos escalões mais acima, recuámos”.
As tabelas salariais são também um motivo de descontentamento. O professor de Educação Física, que se encontra atualmente no quinto escalão, lembra que o vencimento nem sequer acompanha a inflação. “Eu comparo o meu recibo de vencimento de 2009 para o atual e vejo que estou com 400 euros a mais de descontos… E quando entrei pensava que iria conseguir chegar ao topo da carreira, mas [com as mudanças], o máximo que poderei chegar é ao oitavo escalão [em 10].”
A precariedade tornou-se “normal” para milhares de professores, durante demasiados anos. “Quem é contratado chega a andar 20 anos a dar aulas e não consegue entrar na carreira. E quando finalmente entra, já está muito longe de conseguir subir mais de metade dos escalões. Segundo os estudos, 70% a 80% dos professores que têm hoje menos de 60 anos não vão conseguir chegar ao topo da carreira.”
“Estar 10 ou 20 anos a contrato, a ganhar o que se ganha, a ficar a 100 ou 200 quilómetros de casa, com as despesas inerentes em termos de habitação, transportes e tudo mais… Não estou a ver um jovem que olhe para isto e tenha a paixão de ir para o ensino. Não é aliciante.”
O envelhecimento da classe docente e as incertezas quanto à profissão vão dar origem a novos problemas a médio e longo prazo, considera. “Os mais velhos vão saindo e quem é novo… acho que já desistiu um bocadinho da ideia de ser professor. Porque veem os colegas mais velhos estarem 10 ou 20 anos a contrato, a ganhar o que se ganha, a ficar muitas vezes a 100 ou 200 quilómetros de casa, com as despesas inerentes em termos de habitação, transportes e tudo mais… Não estou a ver um jovem que olhe para isto e tenha a paixão de ir para o ensino. Não é aliciante.”
O docente lamenta também a crescente desvalorização da carreira. “Muitas vezes não temos a dignidade que deveríamos ter e sentimo-nos um bocadinho em baixo. Não é por acaso que os professores mais velhos, em final de carreira, estão agora nas greves. Porque sentiram que não é a forma mais prestigiante de sair, ao fim de 30 ou 40 anos de ensino… ninguém os valoriza.”
A luta dos docentes tem sido marcada por uma grande união, superando as diferenças políticas entre as estruturas sindicais. “Essa unidade é que tem força. Não nos interessa quem convoca a greve, os professores estão unidos pela causa. Estamos na rua, a fazer-nos ouvir. Resta ver se com este grito de revolta os políticos mudam alguma coisa.”
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