As greves dos professores iniciadas em dezembro têm registado grande adesão no distrito de Santarém, para onde está convocada uma greve unindo todos os sindicatos para 1 de fevereiro. Créditos: mediotejo.net

Os professores iniciaram a 9 de dezembro aquele que é já o maior protesto dos últimos 20 anos. Para 1 de fevereiro está marcada para o distrito de Santarém a greve da Fenprof e de sete outros sindicatos, prevendo-se uma grande adesão. Para esta segunda e terça-feira há também um apelo do STOP para intensificar a luta, “encerrando as escolas de norte a sul do país”. Foi este novo sindicato, que há dois meses tinha pouco mais de mil associados, que mobilizou inesperadamente milhares de docentes sem ligações sindicais ou partidárias e que, regra geral, não se manifestavam nas ruas ou faziam greve.

Fomos ouvir as razões que levam à rua diferentes professores, em diferentes escolas da região – uma série de entrevistas que publicaremos ao longo dos próximos dias.

Alexandra Estevão e Fátima Estevão têm em comum não só o sobrenome, como também o local de residência: o Fundão. São também professoras e partilham o carro, entre as idas e vindas para virem dar aulas ao Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, em Mação, todos os dias da semana.

Alexandra tem 32 anos e é docente de Espanhol desde 2012. Foi colocada em Mação há dois anos e foi aí que conheceu Fátima, sua conterrânea. Apesar do apelido partilhado não são familiares, mas acabam por ser ombro e colo uma da outra nas viagens de 230 km diários – 115 para cada lado.

Alexandra dá aulas a 10 turmas atualmente, com sete níveis de ensino distintos, acrescendo projetos e formações, caso do programa ERASMUS+. Já correu quase todo o Alentejo e Ribatejo. Começou por ficar colocada em Estremoz, depois Almeirim, Pernes, Borba, Cartaxo – onde ficou quatro anos – e agora está há dois anos em Mação.

As deslocações são mais demoradas porque não têm capacidade financeira para usar a auto-estrada. “Acabamos por fazer mais de metade do percurso pelas estradas nacionais… e isso aumenta o nosso tempo de viagem”, explica. Além de que a rede viária nacional, especialmente no Interior do país, nem sempre está em bom estado, implicando também com a segurança de quem nela circula.

“Só nesta colocação de Mação faço viagens de ida e volta. Nas outras era incomportável. Mas é muito difícil, quer a nível de desgaste físico, com três horas de viagem todos os dias, quer no que concerne à área financeira, com os custos, desde portagens, combustível, manutenção dos carros…”

“Eu e a Fátima passamos três horas por dia no carro, e ao fim de uma semana… são muitas horas.” Contudo, agradece a feliz coincidência de encontrar alguém residente no Fundão, permitindo que partilhem carro quando os horários assim o ditam. 

“Quando o horário é coincidente partilhamos carro, e é isso que nos possibilita fazer esta modalidade de ir e vir todos os dias. No meu caso, sou do 1º Escalão e professora do quadro só desde o ano passado. O meu ordenado ainda é o mesmo de há dez anos, enquanto professora contratada, e é muito difícil conseguir suportar todas as despesas. Chego a gastar 350 euros em deslocações, é mais de um terço do meu ordenado.”

Fátima Estevão está colocada em Mação desde 2009, pertencendo desde então ao quadro da escola. Foi arriscando nos distritos da Guarda e Castelo Branco, demorando por isso mais tempo a integrar-se na carreira docente. 

“Naquela altura era de quadro de zona pedagógica, e teria de concorrer para todas as escolas dessa zona. E por isso fiquei efectiva em 2009. Mais tarde fiquei sem horário em Mação, porque éramos quatro professores, e isso permitiu aproximar-me do Fundão, ainda que fizesse viagens a 50 e 30 km de casa. Depois voltei a ter horário em Mação e aqui estou há cinco anos.”

As docentes tiveram a feliz coincidência de se encontrar em Mação, e a partir daí começaram a partilhar carro para poderem suportar os custos de viagem: 300 km de ida e volta. Foto: mediotejo.net

Fátima Estevão é professora de Físico-Química há 25 anos, metade da sua vida tem sido dedicada aos alunos. Em casa, o filho de 14 anos já sabe qual a profissão que não quer, de todo, ter quando for grande: professor.

Mas enquanto Fátima cumpriu, ainda que mais tardiamente, o sonho de ser mãe, Alexandra tem adiado esses planos. “Não tenho filhos porque a profissão me obrigou a adiar os projetos familiares”, assume, desgostosa.

Fátima diz que foi mãe mais tarde pela insegurança na profissão, que não era estável. “Quando a criança era pequena, ficava muito doente, e muitas vezes eu não dormia durante a noite e depois tinha de viajar para aqui. A minha sorte era ter apoio familiar; há muitos colegas que não têm esse apoio. Optei também por fazer as viagens por ter essa base que me apoiava, porque muitas vezes chegávamos tarde, especialmente em dias de reuniões”.

Por isso, diz, muitos professores têm apenas um filho. “Não têm mais porque não conseguem, é difícil conciliar a vida familiar com a vida profissional estando longe de casa. Além disso, temos de fazer opções…”

Nos dias mais preenchidos, sendo que ambas têm 22 horas letivas de carga horária, chegam a sair de Mação às 20h00, para chegar às 21h30/22h00 a casa. Todos os dias se levantam às 6h da manhã, para depois se encontrarem quando partilham boleia, e conseguirem chegar a tempo à escola. “E temos a vantagem de as aulas aqui começarem às 9h… Se fosse como noutras escolas, que iniciam às 8h20 ou 8h30m, seria mesmo muito difícil”, diz Alexandra.

“É muito difícil conseguir suportar todas as despesas. Chego a gastar 350 euros em deslocações, é mais de um terço do meu ordenado”

Fátima reclama pela recuperação do tempo de serviço, entendendo que deveriam existir diferentes regras nos concursos, pela graduação. A avaliação também não é adequada, considera. “Estou no 4º Escalão por isso mesmo… ao longo da minha vida profissional as regras têm mudado, e não são as mesmas de quando entrei para a carreira. Em vez de evoluirmos, estamos sempre a regredir.”

Teme agora que a limitação imposta pelas quotas a vá prejudicar, porque está na fase de transição para o 5º Escalão. Defende que há outros assuntos que devem ter debatidos e repensados, “não só para bem dos professores, mas para o bem da escola, da educação e do futuro dos alunos que está em risco”.

Por seu turno, Alexandra crê que “esta greve resulta de um acumular de anos e anos de descontentamento, que fomos aguentando por altruísmo, porque sabíamos que o país estava em crise, sabemos como foram estas últimas décadas. Mas agora atingimos um limite, que foi despoletado pelas alterações que o Ministro e o Governo querem promover nos concursos. Houve desde logo uma alteração com a qual não concordámos, porque à partida, a ideia inicial era que fôssemos colocados por graduação, mas depois em cada região em que ficaríamos colocados, seríamos já escolhidos de acordo com o nosso perfil por um conselho de diretores. Obviamente nós sabemos como funcionam os cargos públicos, e se deixamos a educação chegar a este ponto, vamos passar a ser escolhidos por conhecimentos, por cores políticas, por filiações. Achamos todos que a educação já está num ponto tão mau, que deixar ir por este caminho, só nos trará mais descontentamento.”

Alexandra Estevão e Fátima Estevão, docentes no Agrupamento de Escolas de Mação, fazem viagens diárias desde o Fundão para dar aulas. Foto: mediotejo.net

Havendo já falta de professores em várias áreas, considera um erro a postura do governo. “Ao invés de tornar a carreira atrativa, a ordem é para apertar o cinto; e se temos falta de professores, vamos pôr os professores que estão fixos nas escolas a circular, para irem colmatar lacunas aqui e ali, e em vez de atrairmos novas pessoas para a carreira.”

Apesar de todos os problemas, sabe que é “um caso raro” nas escolas. “Não há muita gente da minha idade que esteja colocada”, reconhece.

“Estou cá porque sempre quis ser professora, contra até a vontade dos meus pais. Quando eu entrei já estava muito mau. Há 15 anos, quando comecei o curso, havia, supostamente, professores a mais. Portanto as expetativas eram muito más para esta profissão, mas como sempre quis ser professora, a minha teimosia levou-me a continuar.”

Apesar de ter entrado “numa altura má”, diz que nunca se sentiu tão desmotivada como agora. “Estive estes anos todos longe de casa, sou casada há seis anos e deixei o meu marido em casa para ir pagar uma outra renda e estar longe durante toda a semana. Fiz esse esforço no sentido de um dia, mais tarde, poder aproximar-me de casa. Vou para longe para conseguir horários anuais completos, para conseguir que a minha graduação se mantenha o mais alta possível, e assim, de ano para ano vou conseguindo aproximar-me de casa. De repente, se as regras mudam, se começamos a ser escolhidos por perfil… nós sabemos como funcionam, podem ser muito subjectivas. Nunca se sabe a que ponto isto nos pode levar.”

Sentem-se deixadas para trás ao ver outras profissões receberem ajudas de custo ou incentivos para trabalharem no Interior, aplicado a médicos e deputados, mas, no que toca aos professores, o tema “nem sequer é posto em cima da mesa”.

“Provavelmente, da administração pública, os professores são os que mais deslocados estão e que mais esforço económico fazem para ir trabalhar. E, no fundo, é por amor à camisola. Porque eu continuo a ganhar o mesmo que ganhava há dez anos. Tenho imensas despesas, e o que me sobra, no final do mês, às vezes nem chega a ser um ordenado mínimo. Imagino todos os outros professores, que têm anos e anos disto, que já eram professores quando eu ainda era aluna…”

Fátima também considera que “o desgaste é muito”, mas nesta escola de Mação sentem-se bem acolhidas e têm bom ambiente. “Não acontece em todo o lado. Uma pessoa que se desloque como nós, se chega a uma escola com mau ambiente tem um desgaste emocional bem pior. Nós aqui apoiamo-nos uns aos outros, a direção também nos apoia. Conseguimos conciliar, mas não é fácil.”

Fátima é também diretora de turma, de uma turma de 9º ano. Diz que os professores resolvem muitos problemas nas escolas, até no acompanhamento dos alunos em termos emocionais. “Às vezes estou a tentar resolver problemas deles, em minha casa, às 23h00. Já aconteceu. Acabo por ser um pouco mãe dos meus alunos.”

Quando chegou a Mação, recorda Alexandra, os alunos perguntavam de onde ela era, e “ficavam chocados” quando lhes respondia que era do Fundão. “Perguntavam a que horas me levantava… Eles conseguem ter essa noção.”

A jovem professora considera que “também os pais perceberam, durante a pandemia, a falta que a escola faz e o que os professores passam em sala de aula para manter a disciplina e o respeito”. Compreendendo que “precisam deixar os filhos na escola e que seja difícil quando as greves as encerram”, lembra que é um direito de todos. “E estamos a dar a maior aula das nossas vidas. Professores a lutar também estão a ensinar.”

Está em greve, diz, para não desistir da escola pública: “Porque também quero ter filhos, espero conseguir tê-los, e espero que possam usufruir de uma escola pública de qualidade.”

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Patrícia Fonseca

Sou diretora do jornal mediotejo.net e da revista Ponto, e diretora editorial da Médio Tejo Edições / Origami Livros. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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