Este é um processo que se arrasta há um ano e meio, traduzindo-se num mandato pouco pacífico, por vezes até polémico, e que tem suscitado dúvidas sobre o funcionamento legal e gestão da União de Freguesias de Alvega e Concavada, em Abrantes, pelo MIUFAC (movimento independente). Muitas questões continuam por esclarecer, desde a não substituição após renúncia de Eduardo Jorge enquanto vogal e, mais recentemente, a não assunção da perda de mandato do secretário. Tudo isto a juntar a várias situações de confronto e desentendimento, quer entre os eleitos locais, quer no relacionamento com a população em sede de Assembleia de Freguesia.
Uma vez que foi decretada a perda de mandato de Eduardo Jorge em abril deste ano, mas entendendo a Junta de Freguesia ter legitimidade para governar e que este se mantém em funções até ser substituído – o que nunca tem sido possível devido aos sucessivos chumbos de propostas em sede de Assembleia de Freguesia – e depois de vários pedidos de esclarecimento feitos sobre a continuidade em funções e a insistência no pagamento de remunerações a Eduardo Jorge, a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território ( SEALOT) comunicou ao executivo da Junta de Freguesia de Alvega e Concavada, esta sexta-feira, dia 8, que o processo passou para a alçada da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), a fim de verificar a legalidade dos factos ocorridos até ao momento.
A IGF fica agora responsável por analisar, por via de ações inspetivas, o funcionamento e gestão desta autarquia local no atual mandato, e apurar a existência ou não de ilegalidades.

À IGF cabe analisar queixas, denúncias e exposições relacionadas com a atividade das autarquias locais, sendo elaborados relatórios, que depois são apresentados ao membro do Governo competente, que avaliará a necessidade de remeter esses relatórios ao Ministério Público.
Em caso de incumprimento legal ou regulamentar dos órgãos autárquicos ou respetivos serviços, o processo será instruído e remetido ao Ministério Público, ficando sob alçada deste último, podendo ser proposta ação junto dos tribunais se for caso disso. Mas os novos desenvolvimentos não ficam por aqui.
Eduardo Jorge pediu a renúncia de funções desde abril de 2022 mas a sua substituição legal em sede de Assembleia de Freguesia foi sempre chumbada pelos restante membros, para manter o mínimo quórum legal para que a Junta não caísse.
Eduardo Jorge pede desde abril de 2022 que o libertem de um cargo que não queria mais assumir, e de um pedido de renúncia que nunca se consumou à não assunção da perda de mandato do vogal decretada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria passou praticamente um ano.
Ainda assim, a Junta de Freguesia continua a crer que este permanece em funções até ser legalmente substituído, tendo pago até agosto deste ano as compensações financeiras mensais pelas funções de secretário, conforme confirmou ao nosso jornal o presidente de junta António Moutinho. Prática que, conforme indicou, se manteria até ordem em contrário de entidade competente.
Contudo, Eduardo Jorge confirma ao nosso jornal ter recebido um ofício de teor diferente do registo do líder do executivo, datado de 1 de setembro e assinado pela tesoureira Clara Vicente, e do qual o presidente de Junta António Moutinho diz não ter conhecimento, dizendo que não passou por si.
No documento, explica Eduardo Jorge, é pedido que devolva em dez dias os cerca de 1000 euros de compensações pagas após a perda de mandato, mais precisamente desde dia 18 de abril de 2023, altura em que transitou em julgado a decisão do tribunal de Leiria.

“Recebi um documento a dar-me dez dias para devolver o dinheiro e a desfazer-se em desculpas e obviamente a dar as culpas a outros, a transferir culpas para outras entidades. Fala na ANAFRE e pareceres jurídicos e a dar muitas desculpas”, refere, dando conta que a tesoureira terá pedido apoio jurídico à ANAFRE, tendo a junta de freguesia ingressado neste organismo em agosto deste ano, e que aí lhe terão indicado que deveria proceder ao pedido de devolução dos valores de compensação em causa.
Por outro lado, no mesmo ofício, refere-se que falta esclarecer junto da ANAFRE se também as compensações pagas desde o pedido de renúncia efetuado em 2022 e até abril deste ano devem ser devolvidas, reconhecendo, afinal, que Eduardo Jorge não se manteve em funções enquanto secretário do executivo enquanto aguardava a substituição legal em sede de Assembleia de Freguesia – algo que nunca veio a ocorrer por chumbo contínuo de propostas por parte dos membros, de forma a manter-se o mínimo quórum legal, para que a Junta não caísse.
Posto isto, Eduardo Jorge avançou ao mediotejo.net que irá devolver todo o dinheiro transferido pela Junta para pagamento das compensações que sempre negou. “Já os tinha alertado e pedido para não realizarem transferências”, explica. “Nunca se dignaram a responder e ignoraram-me completamente, agora também sinto que não tenho obrigação nenhuma de lhes responder durante o prazo que me estipularam. Vou devolver o dinheiro, mas terá que ser o tribunal ou quem quer que seja de entidades competentes a tomar a decisão. Até porque ninguém os obrigou a pagar-me, eu pedi muitas vezes para suspenderem os pagamentos”, diz, confirmando que após decretada a perda de mandato o seu nome foi imediatamente retirado da conta bancária da Junta de freguesia, onde estão associados os membros do executivo, algo que tentava solucionar há largos meses.
A Junta de Freguesia continua a defender que Eduardo Jorge permanece em funções até ser legalmente substituído, tendo pago até agosto deste ano as compensações financeiras mensais pelas funções de secretário, conforme confirmou ao nosso jornal o presidente de junta António Moutinho.
“O que eu vou questionar é: Então, e sendo assim, já me substituíram? Já não estou a exercer funções? Então onde fica a teoria de que só a partir do momento em que seja substituído é que deixo de exercer funções? Eu, para todos os efeitos, estava a receber as compensações porque eles assim o entendiam. Quanto a mim, a partir do momento que o tribunal decretou a perda de mandato eu já não faço parte daquele executivo. Ponto. Não têm que me atribuir compensação nenhuma, porque não estou a exercer funções. Então como ficamos? Interpretam a lei de duas maneiras?”, questiona o ex-vogal.
Eduardo Jorge diz que a sua preocupação apenas se prende com a sua libertação do cargo, querendo afastar-se dos órgãos autárquicos da freguesia em definitivo.
“Comuniquei ao gabinete do SEALOT que a minha preocupação não são as eleições intercalares, não me interessa absolutamente nada esse tema. O que me interessa é saber as razões porque me foram mantendo em funções e porque não me substituíam. Essas sim, são as grandes preocupações, e foi a isso que sempre quis que respondessem.”
Chegou até a enviar o comprovativo do último pagamento feito pela Junta de freguesia, no mês de agosto, dando conta de que por diversas vezes solicitou por escrito ao executivo para não procederem ao pagamento, e continuaram a fazê-lo. Até ao momento diz não ter recebido qualquer resposta por parte do SEALOT sobre este tema.
“A minha preocupação não são as eleições intercalares, não me interessa absolutamente nada esse tema. O que me interessa é saber as razões porque me foram mantendo em funções e porque não me substituíam”, diz Eduardo Jorge
Continuando a existir diferentes interpretações da lei, Eduardo Jorge permanece em busca de respostas sobre se ficou automaticamente liberto de funções com a perda de mandato decretada ou se, por outro lado, permanece em funções, como defende o executivo MIUFAC liderado por António Moutinho, até que seja legalmente substituído – e podendo as tentativas de substituição prosseguirem ad aeternum.
Certo é que, ao verificar-se uma situação de incumprimento da decisão transitada em julgado pelo tribunal, caso não exista causa legítima de inexecução, poderá a Junta de freguesia estar a incorrer em ilegalidade e tal poderá levar à dissolução deste órgão autárquico, conforme dita o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, bem como o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Diz o CPTA, nos nº1 e 2 do artigo 158º que “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas” e que “A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte“.

Perante este impasse, também o mediotejo.net contactou o Gabinete da Secretaria de Estado das Autarquias Locais e Ordenamento do Território (SEALOT), onde é indicado que não cabe ao Governo ordenar a execução de decisões dos tribunais, como as de perda de mandato, devido à autonomia do poder local. Ainda assim, o SEALOT confirma ao nosso jornal terem sido pedidas informações por ofício, a 25 de julho, à UF Alvega e Concavada.
“No passado dia 25 de julho foi remetido Ofício ao Senhor Presidente da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Alvega e Concavada, solicitando a prestação de informações quanto ao alegado não cumprimento de decisão, transitada em julgado, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que determinou a perda de mandato de Eduardo Jorge Cristóvão Dias enquanto membro da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Alvega e Concavada”, refere o gabinete, indicando ter sido informado pelos cidadãos Eduardo Jorge e Vera Catarino que “não estaria a ser dado cumprimento à referida decisão”.
Ainda assim, é indicado que apesar de o Governo ou a Secretaria de Estado não ser “titular de competência para ordenar a execução, por parte das autarquias locais, de decisões dos tribunais a eles respeitantes, como as de perda de mandato, por força do princípio da autonomia do poder local” compete “ao membro do Governo da área governativa da Coesão Territorial exercer tutela de mera legalidade sobre as autarquias locais, através da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), a qual resulta na elaboração de relatórios e respetiva remessa ao representante do Ministério Público competente, se for caso disso, a quem compete intentar as correspondentes ações em caso de ilegalidade”.
Ao não cumprir a decisão transitada em julgado pelo tribunal administrativo (acatando a perda de mandato de Eduardo Jorge), a Junta de Freguesia pode estar a incorrer numa ilegalidade, o que poderá levar à dissolução deste órgão autárquico.
Tendo a Junta de Freguesia remetido a documentação solicitada pela SEALOT, entendeu a tutela remeter os factos para averiguação pela Inspeção-Geral de Finanças, tal como havia explicado ao nosso jornal, para sua “análise, realização de ações inspetivas que se revelem necessárias e instrução do respetivo processo”.
Além disso, o gabinete do SEALOT diz ter questionado ainda a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Alvega e Concavada sobre “a manutenção da falta de verificação dos pressupostos legais para a realização de eleições intercalares”, sendo que se mantém em funções o mesmo número legal de membros que levou a Secretaria de Estado a reconhecer, em 2022, a legitimidade governativa ao MIUFAC – dois no executivo da Junta e cinco na Assembleia.