Azeitona galega da Beira Baixa recebe estatuto de Indicação Geográfica Protegida da UE. Foto: DR

A oliveira, a azeitona e, claro, o azeite, fazem parte da essência do concelho de Vila Nova da Barquinha, ou não tivesse o brasão deste município oliveiras na sua constituição. Mas embora, noutros tempos o número de lagares no concelho barquinhense ascendesse às três dezenas, atualmente este “líquido precioso” já só é produzido no Lagar do Casalinho, em Limeiras, freguesia de Praia do Ribatejo. Talvez por isso, mas não só, decorre o festival “À Mesa com Azeite” até dia 5 de dezembro, que pretende promover, homenagear e colocar este produto nas mesas dos restaurantes do concelho.

Mas antes de chegar ao prato, o azeite é azeitona, pelo que comecemos pelo início e visitemos o único lagar ainda em laboração no concelho de Vila Nova da Barquinha.

Quando chegamos ao Lagar do Casalinho, não se veem filas de produtores à espera, mas não era esse o panorama há uns dias atrás, garante Paulo Alves, atual dirigente do lagar, em conjunto com a esposa. Aliás, o lagar foi fundado por um tio-avô de Maria Vicente, apontando os registos mais antigos, com as respetivas autorizações legais, o ano de 1928, embora seja provável que o lagar já laborasse antes disso. O que é certo e verdade é que desde esse ano, o lagar transformou azeitona em azeite, ano após ano, ininterruptamente. 

Mas o lagar que hoje existe, e onde trabalham também duas pessoas durante este período que se estende por dois meses – um mestre lagareiro e um ajudante – é relativamente recente: foi construído em 1999/2000 pelo próprio Paulo Alves, engenheiro de formação e profissão. O antigo distava apenas cerca de 500 metros da atual localização e já lá não se encontra. É que quando foram construídas as novas instalações e o novo lagar, mais moderno, também o lagar antigo foi trazido e montado, tendo inclusivamente trabalhado até 2014.

“Depois disso deixámos de trabalhar com ele, no entanto se quiséssemos trabalhar com ele, rapidamente o faríamos, pois está preparado para isso, bastava fazer uma revisão”, garante Paulo Alves, ou não fosse o mentor por trás desse antigo lagar um “visionário”, como o apelidou Paulo. Afinal, foi ainda em 1928 que José Vicente, o já referido tio-avô de Maria Vicente, comprou motores Perkins, importados de Inglaterra, para fazer “o trabalho que décadas depois ainda vi mulas a fazer, nos anos 60 e 70”, diz-nos Paulo, engenheiro de profissão.

Até este lagar vêm moer azeitona pessoas do concelho do concelho de Vila Nova da Barquinha e circundantes, como Entroncamento, Torres Novas, Constância, Chamusca, ou Tomar, embora haja também alguns clientes do Alentejo que façam o seu azeite no Lagar do Casalinho como uma tradição. O engarrafamento é todo feito em embalagens novas, já não se praticando o hábito antigo de se usar as embalagens de uns anos para os outros, para não degradar a qualidade do azeite.

Este ano foi um ano de muita azeitona, como já se sabe, o que significa, obviamente, que é também muito o azeite que sai dos lagares, e este lagar situado em território limeirense, não foi exceção: “as expetativas é que este ano a quantidade de azeite produzida seja o dobro de uma safra normal. Foi um bom ano de azeitona, as pessoas colheram a azeitona que havia e o resultado é que a quantidade de azeitona que aqui chegou foi muito maior que o normal, talvez o dobro (…) devemos andar perto de um milhão de quilos, e a produção de azeite, se pensarmos em 10%, andará à volta de 100 mil litros”, esclarece Paulo Alves.

A azeitona é tanta que se deve apanhar até ao fim do ano, diz Paulo Alves, relembrando também o ditado antigo “Quem apanha a azeitona antes do natal, deixa o azeite no olival”. A influência do clima tem, no entanto, influenciado um pouco a apanha e os hábitos, reconhece. Ressalvando que não é especialista no assunto, Paulo explica-nos que a abundância de azeitona este ano também se deve ao comportamento da oliveira, que é uma árvore de safra e contrassafra – ou seja, é uma árvore que tem, naturalmente, um ano em que produz mais azeitona e outro em que produz menos azeitona e mais madeira, repetindo-se ciclicamente.

“O ano passado talvez tenha sido o pior ano de azeitona, talvez dos últimos 20, foi muito mau e não só na nossa região, mas por todo o país foi um ano muito complicado e fraco em azeitona. Este ano foi um ano de grande produção, portanto para o ano deve ser mais fraco”, explica, não descurando no entanto outro fator preponderante para ter chegado tanta azeitona ao lagar. É que houve muita gente a colher a azeitona, algo que nem sempre acontece, “pois já têm havido anos bons de azeitona mas que a azeitona não chega ao lagar, as pessoas deixam-na no olival”, esclarece.

Os motivos são prontamente apontados: os custos inerentes ao suporte de olivais, assim como na própria colheita da azeitona. Muitas das pessoas que têm oliveiras ou são pessoas de idade, ou pessoas que estão fora.

“Além disso, no final de tudo, se formos a ver os custos de manter o olival durante um ano, os custos de apanhar a azeitona, de pagar ao lagar para a fazer e ter o azeite, é muito mais cómodo comprar no supermercado. Principalmente a rapaziada nova prefere essa alternativa”, confidencia Paulo entre sorrisos, acrescentando que entre os clientes novos que chegam até ao lagar a maioria são estrangeiros que vieram viver para a zona e que fazem o processo quase como se fazia antigamente, numa perspetiva de festa em família.

Torna-se também importante relembrar que a maioria da azeitona que chega ao Lagar do Casalinho é de variedades de oliveiras que têm um século, o que significa que tem um custo muito maior para colher, que a produção é menor, e que os índices de gordura são inferiores às das oliveiras modificadas, pelo que “ou se gosta mesmo do azeite e a pessoa sente-se gratificada por produzi-lo e depois poder consumi-lo, ou se vão a fazer contas, é muito mais fácil ir ao supermercado, levantar a mão e trazer uma garrafa”, refere.

É também por esta linha de pensamento que o Casalinho se mantém como o bastião desta prática de moer azeitona no concelho. As pessoas deixaram de colher azeitona, a alternativa da indústria é muito forte, e os lagares foram, consequentemente fechando.

Mas é que o azeite do Casalinho é também o que se pode chamar uma marca de tradição, na medida em que a venda de azeite é feita essencialmente para clientes “antigos” e os seus descendentes. Como o lagar é muito antigo – em 2028 fará cem anos – também alguns dos clientes são antigos, pelo que são já também os filhos, netos e bisnetos aqueles que vão até ao último lagar do concelho barquinhense abastecerem-se de azeite. 

“Os nossos principais clientes são os descendentes dos que já eram clientes”, corrobora Paulo Alves, fazendo a ressalva que não é uma regra rigorosa, mas que existe uma base sólida nessa origem. Base essa que faz com que o azeite do Casalinho seja, além de uma marca de tradição, também uma marca internacional, pois muitos desses clientes e descendentes encontram-se emigrados, o que faz com que na prática seja feita venda de azeite para o Brasil, Áustria ou França.

“É uma ideia excelente para todos porque dá a conhecer o azeite a pessoas que já nasceram sem essa cultura, pessoas da cidade que perderam o contacto com a terra e nomeadamente com este produto, e havendo este evento este mês do azeite conseguem aproximar-se deste mundo”, considera Paulo Alves sobre a iniciativa “À mesa com azeite”, evento realizado pelo 21.º ano consecutivo e que coloca o azeite à mesa em Vila Nova da Barquinha.

“Pota à lagareiro”, um dos pratos onde o azeite é um ingrediente essencial, e que pode ser degustado no café/restaurante “Estrela”, em Praia do Ribatejo. Foto: mediotejo.net

Paulo Alves não esquece também a outra vertente: a importância que esta iniciativa tem para os restaurantes, e João Aranha, dono do café e restaurante “Estrela”, na Praia do Ribatejo, agradece o lembrete e corrobora a importância deste produto “tão tradicional e tão importante para a economia local”, pelo que até perspetiva uma prova de azeite de produtores locais no seu estabelecimento.

A história comprova também a importância do azeite no município barquinhense, como faz questão de lembrar o atual presidente de Câmara, Fernando Freire: “pelo que levantei, desde 1920 existiam 3 dezenas de lagares de azeite no nosso território. Isso é visível nas várias quintas (…) e também nos regulamentos municipais, onde eram proibidos e altamente sancionados os furtos da azeitona e danos causados ao olival”.

“Era o ouro amarelo deste território e por isso, em 1940, foi construído o armazém de azeites nacionais que ainda está presente junto à praça de touros”, relembra o autarca, que não esquece a importância desta iniciativa para a restauração e saúde, com os “excelentes” pratos e iguarias confecionados à base de um produto natural, “fundamental” para a saúde dos portugueses.

O Município da Barquinha promove a iniciativa “À mesa com azeite” – onde é possível degustar o azeite como entrada ou incorporado em pratos como petingas no forno, polvo à lagareiro ou sopa de couve – até ao dia 6 de dezembro, em conjunto com os nove restaurantes concelhios aderentes (Almourol, A Carroça, Café Estrela, O Remo, Ribeirinho, Sabores do Parque, Stop, Tasquinha da Adélia e Trindade).

É igualmente possível marcarem-se visitas ao Lagar do Casalinho, através de agendamento feito pelo telefone 919 929 393.

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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