Não é um doce comestível, mas poder-se-á dizer que seja um doce cultural que, em 2015, assinalou os seus 20 anos de atividade no concelho de Abrantes. É a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural.
Neste ano de 2015, que está prestes a terminar, a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural assinalou os seus 20 anos de atividade, ainda que de uma forma muito tímida, que quase passou despercebida à maioria das pessoas.
A Palha de Abrantes nasceu em junho de 1995 pelas mãos do professor de filosofia José Eduardo Alves Jana numa altura em que, segundo o próprio refere em declarações à revista Zahara nº 26 (dezembro 2015), “não havia nada em Abrantes, estava tudo morto do ponto de vista cultural. Encontrei um pequeno grupo de pessoas que partilhava esta análise e que pensava que era preciso fazer alguma coisa”. E assim surgiu a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural que teve como responsável máximo o seu fundador, Alves Jana, até ao final de 2001.
É impossível num artigo de jornal descrever todas as atividades, projetos e iniciativas desenvolvidas pela Palha de Abrantes ao longo dos últimos 20 anos, essa será uma tarefa que, um dia, resultará num livro de muitas e muitas páginas.
O mediotejo.net falou com Lurdes Martins, atual presidente da direção da Palha de Abrantes, numa conversa que decorreu em ambiente descontraído no acolhedor espaço do Sr. Chiado, situado no centro histórico de Abrantes, que é, há mais de dois anos, o edifício onde decorre grande parte da atividade cultural desta Associação.

“É muito difícil fazer um apanhado de 20 anos de atividade, temos tantas páginas do currículo que vamos fazendo ao longo do tempo e atualizando todos os meses”, refere Lurdes Martins. “Aquilo que precisaríamos, costumo dizer em tom de brincadeira, era de fazer uma espécie de ano sabático para organizar toda a informação que temos e para fazer um site com toda a informação”, salienta a responsável avançando que daqui a cinco anos, nas comemorações dos 25 anos da Palha de Abrantes, “fazia sentido que fizéssemos uma monografia, um livro porque há muito material com muita relevância até aos dias de hoje”.
Projetos marcantes
E dentro desta Associação há, de facto, muitos projetos marcantes. Lurdes Martins destaca a criação da revista Zahara e do Espalhafitas (cineclube) que têm a mesma idade (13 anos), bem como a Universidade da Terceira Idade, a Escola de Artes Plásticas, o Grupo de Teatro da Palha de Abrantes e o Festival do Imaginário, que se realizou em 1996 e 1999, contando com a presença de grandes nomes do panorama nacional e internacional na cultura. Aliás, a sessão de abertura da primeira edição do Festival do Imaginário, que decorreu de 8 a 17 de novembro de 1996, contou com a presença do ministro da Cultura de então, Manuel Maria Carrilho, e foi um evento que teve um grande impacto e difusão na comunicação social nacional.
“Foi uma pena ter terminado (o Festival do Imaginário), houve duas edições, mas continua a ser uma marca da casa”, refere Lurdes Martins acrescentando que “eu gostaria de o retomar, se tivesse a capacidade de me poder dedicar a esta casa a 100%”.
A abertura da livraria Contracapa, que funcionou no Centro Coordenador de Transportes de Abrantes, mas que viria a fechar anos mais tarde, foi outro dos projetos da Associação Palha de Abrantes e que funcionou como espaço privilegiado de diversos eventos culturais. “Sempre achei que era um projeto a prazo, tendo em conta o sítio onde estava localizada, se estivesse no centro da cidade talvez hoje ainda vivesse”, lamenta Lurdes Martins, apontando para a prateleira cheia de livros que restam da livraria Contracapa e que agora se encontram no espaço do Sr. Chiado.

O grupo de História, com a criação do Centro de Estudos de História Local de Abrantes (CEHLA), coordenado pelo professor José Martinho Gaspar, e a revista Zahara, em novembro de 2002, são outros dois grandes projetos que ainda hoje, passados 13 anos, se mantêm e estão em grande forma e que marcam a história da Palha de Abrantes.
“Quando apareceu o grupo de História, ele veio preencher uma parte que não existia em Abrantes e que era importante, é um projeto válido e que não tem paralelo”, salienta Lurdes Martins fazendo referência ao trabalho que todos os anos é desenvolvido por um grupo de voluntários apaixonados por este tema e que colocam de pé, de seis em seis meses, a revista Zahara (que já vai no número 26) e, anualmente, as Jornadas de História Local que, este ano, tiveram a sua 13ª edição.
O Espalhafitas
O cinema é outra imagem de marca da Palha de Abrantes, não só com a criação do Espalhafitas (cineclube) mas também com todos os projetos que se têm vindo a desenvolver ao longo dos anos em torno desta temática. A realização e documentários, o cinema de animação, o trabalho desenvolvido nas escolas nesta área, festas (da Ucrânia, do Cinema Italiano, da Cultura Cigana), ciclos e eventos de onde se destaca o ANIMAIO, entre outras, são exemplo do que a Palha de Abrantes tem feito no âmbito da temática do cinema. E é de salientar que, em novembro de 2015, no Cinanima, o filme de animação realizado no âmbito do Espalhafitas, sob a orientação de Ícaro e Tânia Duarte, foi premiado com uma menção honrosa.

Mas a atividade do Espalhafitas é atingida, no final de 2014, pela notícia do final do protocolo de cedência do Cine-Teatro São Pedro, por parte da Câmara Municipal de Abrantes, que coloca um ponto final na exibição das sessões regulares do cineclube, às quartas-feiras, naquele espaço cultural que passam depois a ser feitas no espaço do Sr. Chiado. A este respeito, Lurdes Martins refere que “foi um erro político e estratégico” porque, defende, “temos a melhor sala de cinema do distrito e porque o Cine-Teatro São Pedro não é um palco que tenha a possibilidade de ter um grande bailado. É um palco com capacidade para espetáculos minimalistas, é um cine-teatro, e foi essa vertente que lhe foi retirada”.
Ao falar da história de 20 anos da Palha de Abrantes, não se pode também deixar de mencionar o papel que teve na existência da Feira da Ladra e, mais tarde, da Feira Franca em Abrantes cujo principal objetivo era de fazer regressar às praças do centro histórico da cidade um comércio ocasional de divulgação de produtos regionais e ligados à agricultura biológica e sustentável.


“A Associação tem sido o ninho de muitas coisas que depois se desenvolvem e este é um valor que muitas vezes não lhe é reconhecido e até é, muitas vezes, negado”, diz, com mágoa, Lurdes Martins.
Outro, entre os muitos que não se conseguem enumerar neste artigo, dos projetos desenvolvidos pela Palha de Abrantes de grande valor para a comunidade foi o ensino do português aos imigrantes do leste europeu que começaram a chegar ao concelho no início de 2000.
Excesso de burocracia
Quando questionada sobre quais as principais dificuldades da Palha de Abrantes, Lurdes Martins não hesita em responder que é a “burocratização das coisas”. “As pessoas que estão envolvidas no movimento associativo já não são assim tantas e é impossível uma pessoa fazer tudo porque a burocracia que hoje é imposta a uma associação é muita, tão grande como se fosse uma empresa”, diz Lurdes Martins referindo-se aos relatórios finais e intercalares que são exigidos às associações no âmbito do Finabrantes (programa de apoio financeiro da Câmara Municipal de Abrantes às instituições concelhias).

“As associações não têm criada uma máquina interna para responder a todas estas solicitações e depois o destinatário duvido que tenha uma máquina interna que leia tudo o que está nos relatórios”, refere. “As coisas têm de ser simplificadas”, salienta Lurdes Martins acrescentando que “cada vez que pensamos que vamos organizar um evento ou atividade e temos de despender tempo em questões burocráticas, quase que perdemos a vontade de fazer as coisas”. “Cabeça para novos projetos existe, o que não existe é muito tempo para dividir com uma teia burocrática tão grande”, conclui a responsável pela Palha de Abrantes.
Associação elitista? Não!
Segundo Lurdes Martins, “às vezes dizem que sempre fomos uma associação elitista, mas não é verdade”. “Não é uma associação que cria massas, mas dirige-se a vários públicos que são específicos”, esclarece dizendo que “se temos uma revista de história, ela interessa a quem gosta de história; temos um ensino de aguarela e há pessoas que estão a aprender. São pequenos públicos que se criam e que se relacionam entre si”. “É preciso que estas pequenas coisas vão acontecendo, mesmo que com um público reduzido, porque são estes eventos que fazem a diferença, é aqui que está a formação de públicos”, refere.
Lurdes Martins recusa que a Associação Palha de Abrantes seja vista como um grupo de elite: “é um grupo de pessoas que gosta de sair e que gosta de falar e contrariar-se em conjunto”.

Sobre os projetos futuros da Palha de Abrantes, sem querer levantar muito a ponta do véu, Lurdes Martins refere que “estamos a fazer um trabalho de recolha da história oral do concelho de Abrantes” e que deverá apresentar novidades no decorrer do ano de 2016.
E porque estamos quase a entrar no ano de 2016, em que se assinala o Centenário da elevação de Abrantes a Cidade, Lurdes Martins refere que “a meio do ano vamos pensar nas celebrações da cidade, sobre o que vamos editar e escrever, já temos ideias mas corremos o risco de estarmos a fazer coisas em duplicado, mas isso não nos vai parar”. A este propósito, Lurdes Martins lamenta o facto de a Associação Palha de Abrantes “que tem 20 anos, com um trabalho inigualável no país, não tenha sido chamada para a tarefa de fazer e pensar um programa de comemorações do centenário da Cidade”.
E explica que os 20 anos da Associação Palha de Abrantes não tiveram “atividades mais corpolentas” porque “é uma forma de estar, queremos dar importância a todos os dias e não a um ano específico e uma data específica”, acrescentando ainda que “termos feito os 20 anos e no próximo ano ser o Centenário da Cidade, estas duas datas poderiam ter casado e eu preferiria ter comemorado os 21 anos no Centenário de Abrantes”.