Numa altura em que a solidariedade se multiplica e em que surgem por todo o lado diversos pontos de recolha de bens para as vítimas da invasão da Ucrânia, há quem tenha, a título individual, arregaçado as mangas sem hesitar e assumido as rédeas desta missão de entreajuda. O mediotejo.net conversou com Patrícia Lopes e Sara Cunha, duas mulheres que provam que é possível tornar a vontade de cada um num objetivo de todos, e que a união faz, efetivamente, a diferença.
“No domingo à noite, eu achava que ia levar para Batalha dois, três carros normais. Neste momento, tenho uma carrinha industrial para sair daqui no sábado… e não sei se vai chegar”, admite estupefacta ao mediotejo.net Patrícia Lopes.
Era dia 27 de fevereiro, três dias após a invasão da Rússia à Ucrânia, e a jovem abrantina passara o dia à procura de sítios perto da sua zona de residência onde pudesse deixar donativos mas “não se encontrava nada”. “Cheguei a fazer uma publicação nas redes sociais a perguntar se alguém sabia, ninguém sabia de nada também”, lembra.
Entre a chegada de mensagens de pessoas com a mesma vontade de ajudar, Patrícia tomou uma decisão. “No domingo à noite, estava a falar com uma rapariga que também queria fazer donativos, e eu disse-lhe ‘não há nada, eu vou avançar’ ”, lembra, com um riso nervoso na voz.

Foi então que começou a pesquisa. O objetivo era um: encontrar algum local fora da zona de Abrantes, mas não muito longe, para onde fosse possível enviar ajuda.
“O mais perto que tínhamos era na Batalha e em Leiria. Liguei primeiro para Leiria, mas não obtive resposta. Entretanto, liguei para o Centro Paroquial da Batalha, falei com a senhora de lá, disse-me tudo o que estavam a precisar. Perguntei se havia problema de eu fazer uma recolha durante uma semana e ir levar no final da semana e disseram-me que era completamente à vontade”, conta-nos a jovem abrantina.
“Vamos avançar com isto, seja o que for!”, disse, numa mensagem enviada à rapariga que a tinha contactado e que se tinha, desde logo, disponibilizado para ser ponto de recolha. E assim foi.
“Eu fiz a primeira publicação no domingo à noite, na segunda-feira de manhã quando acordei tinha mais de 100 mensagens, de pessoas a quererem ajudar, de pessoas que tinham estabelecimentos a oferecerem-se como pontos de recolha, a oferecerem transportes e a oferecerem-se para me pagar o combustível para eu ir à Batalha”, confessa ao nosso jornal.
Desde então, são atualmente quase duas dezenas de pontos espalhados não só pelo concelho de Abrantes mas também em concelhos vizinhos como Mação e Vila de Rei, através dos quais cada cidadão pode dar o seu contributo para tentar dar um pouco de alento aos que se viram obrigados a fugir do seu país sem nada.
“O desespero daquelas pessoas, as crianças. Eles já estão numa situação tão má que acho que o mínimo dos mínimos que podíamos fazer era agarrar onde podíamos”, revela-nos Patrícia, assumindo que foi o pensar na situação de pais que não têm comida para dar aos filhos que a sensibilizou e a encorajou a arregaçar as mangas.
O mesmo sentimento é partilhado por Sara Cunha, que cancelou uma viagem de férias à Dinamarca e mudou o destino de Copenhaga para a fronteira da Polónia com a Ucrânia.
“Ia com o meu marido passar quatro dias de fim-de-semana prolongado. Entretanto, começou-se a desenrolar esta guerra e comecei a pensar ‘eu não consigo ir descansada para uma capital europeia sabendo que ao mesmo tempo noutra capital europeia aqui tão perto está a morrer gente’. Não tinha vontade nem tinha coragem de ir de férias nestas condições”, confessa.
“Então pensei ‘tenho os dias de férias vamos aproveitá-los para fazer alguma coisa’. E surgiu-me a ideia de, porque não, nós angariarmos coisas e irmos lá. Assim sem pensar muito bem, falei com o meu marido e ele disse que por ele tudo bem, desde que arranjássemos lá quem nos recebesse as coisas”, acrescenta.
“Vamos a isso!”, foram as palavras que ecoaram no pensamento de ambos. Neste caso, a pesquisa começou por tentar encontrar pessoas que estivessem na zona de fronteira com a Ucrânia.
“Encontrámos uma portuguesa que vive perto de Cracóvia e que foi o nosso primeiro contacto. Depois, através de um médico do hospital de Torres Novas – o doutor Dmytro Nagirnyak – , que é ucraniano e tem família na Ucrânia, nomeadamente, primos que são médicos e que estão lá a trabalhar, conseguimos perceber quais eram as carências que estavam neste momento a sentir, e a nossa ideia passou a ser ir entregar diretamente aos primos do doutor que se encontravam na Ucrânia, e foi nesse sentido que começámos a fazer a angariação”, recorda Sara.
Desde 1 de março, dia em que começaram oficialmente a campanha de recolha de bens, neste caso concretamente de material hospitalar, todos os dias surge alguma informação nova e agora o objetivo de Sara e do marido passa por conseguir chegar até ao local onde está a ser montado um hospital de campanha, na Polónia, e para o qual foi na sexta-feira um médico português com o qual conseguiram entrar em contacto.
“Vai ser um contacto nosso porque sabemos que está a ser difícil chegar mesmo à fronteira, mas se conseguirmos chegar a ele já é um bom objetivo”, admite.
Para isso, os voos já estão marcados. De Vila Nova da Barquinha, terra de Sara Cunha, até à Polónia, com 120 kg de bagagem – uma vez que o limite máximo é de 60 kg por pessoa – as redes sociais potenciaram a solidariedade e o risco de não conseguir levar tudo já está a ser precavido, através do contacto de uma empresa de Anadia que vai levar um camião de bens até à Polónia e que mostrou disponibilidade para levar o que o casal não conseguir.
Isto porque até ao dia 9 de março – dia até ao qual a iniciativa de Sara Cunha está a aceitar bens – espera-se conseguir arrecadar muita ajuda.
“Estamos a conseguir que isto seja uma coisa muito maior do que aquilo que estávamos à espera e tem sido muito rápido a ganhar esta dimensão, mas é normal porque há muita gente a conseguir ajudar. O nosso povo gosta muito de ajudar e esta é mais uma vez em que estamos unidos para fazer aquilo que é possível aqui deste lado”, admite, lembrando-se de mais uma alternativa: um senhor ucraniano que vai de carrinha no mesmo dia que o casal para a Ucrânia e que se disponibilizou para levar material.
Em contacto permanente com a embaixada da Ucrânia em Portugal no sentido de perceber quais as necessidades mais urgentes, Sara começa aos poucos a juntar os donativos e a ver crescer o número de pontos de recolha. Já Patrícia está numa azáfama para embalar tudo a tempo, para fazer chegar à Batalha os bens que seguirão caminho também para a Polónia, com destino às diversas associações que se encontram na fronteira e com a esperança de que “algo chegue também a quem ainda está dentro da Ucrânia”.
“Vamos no sábado de manhã. Assim que consigamos carregar tudo, vamos para a Batalha. Os pontos de recolha começaram [na quinta-feira] a trazer-me as coisas, e como tenho espaço em casa é aqui que vou fazendo a divisão e embalamento”, relata a jovem abrantina ao nosso jornal.
Esta noite será de trabalho árduo, mas Patrícia admite que não vai ficar por aqui. “Sei que a Câmara de Abrantes começou com uma iniciativa, não me importo de continuar, depois desta entrega na Batalha, com os meus pontos de recolha se se quiserem manter e ir depois deixar os donativos nos pontos de recolha [da Câmara]”, expõe.
De Abrantes e de Vila Nova da Barquinha para a Polónia, Patrícia e Sara representam hoje a imagem de uma mão estendida pronta a ajudar, num corajoso exemplo de que concretizar a solidariedade pode e deve partir de cada um de nós. E a partir daí, as mãos começarão a estender-se e a unir-se, em prol de algo maior: a esperança de que a paz prevalecerá sobre a guerra.
INFORMAÇÕES PARA DONATIVOS:
Patrícia Lopes, Abrantes
- Bens (preferencialmente) necessários: materiais para pensos; alimentação para bebés
- Pontos de Recolha: Salão “TD Nails”, no Largo do Chafariz (Abrantes); Audiovida – Aparelhos Auditivos (Abrantes); Power Style (Pego); Farmácia Ferraz Martins (Pego); Loja Amanhecer (Pego); Espaço Rosa Chá (Pego); Mercearia Fernando Oliveira (Água Travessa); Mercearia Filipe Oliveira (Bemposta); Café com C (Vale das Mós); A Casa Dos Meus Avós (Alferrarede-Velha); Tasca Do Ti’Zé (Carreira do Mato); Olga LadiesFirst Abrantes e Euvivo (Abrantes); Escola Dr. Manuela Fernandes (Abrantes); Casa Benfica Vila de Rei (Vila de Rei); Clínica Veterinária do Pego (Pego); Café da Olímpia (Rossio ao Sul do Tejo); Escola B 2,3 / S De Mação (Mação); recolhas pessoalmente ainda efetuadas em Tramagal, Crucifixo, São Miguel, Bicas e Constância.
- Data limite para doações: 4 março (no caso dos bens com destino à Batalha, a 5 de março). As restantes doações serão entregues à Câmara de Abrantes.
Sara Cunha, Vila Nova da Barquinha
- Bens necessários: material de primeiros socorros, compressas, ligaduras, adesivos, garrotes, pensos rápidos, anti-inflamatórios, pomadas cicatrizantes, analgésicos; produtos de higiene
- Pontos de Recolha: Bombeiros V.N Barquinha; Agrupamento de Escolas de V.N. Barquinha; -Escuteiros V.N. Barquinha; Bombeiros Voluntários do Entroncamento; CADE (após as 17h ou em horários de treino); Bombeiros Voluntários de Torres Novas; Associação de Futebol de Torres Novas; Associação de Melhoramento dos Resgais; Loja “Maria Pupitas” (Tomar).
- Data limite para doações: 9 de março (partida a 11 de março para a Polónia)