Foto: mediotejo.net

A ideia, conforme referido na apresentação deste “anteprojeto” passa pela criação de uma “área de acolhimento empresarial, projetos I&D, design e arte, um lugar de network entre empresas e instituições ligadas à investigação, inovação, design e craft, com uma moldura natural única, o polje e a serra, totalmente inspiradora, e integrado num equipamento com uma programação cultural regular e serviço educativo, na vizinhança de residências artísticas e relação com a comunidade local”.

Neste ambicionado empreendimento pretende-se incluir espaços de encontro, um welcome center, um centro interpretativo da natureza, uma casa da memória, uma sala de espetáculos, um área de openspace/cowork, residências artísticas, um conservatório de música, salas multifuncionais para práticas artísticas e espaços de criação, espaços de saber fazer “Fab Lab”, zona de café e restauração, armazenamentos e exteriores.

A ideia é conseguir conjugar várias valências num único espaço, interligando a cultura, a arte, a ciência, a cultura, a memória, a educação, a vertente social, o ambiente ou o turismo, como se de fios se tratassem, fazendo-se uma analogia com a atividade que em tempos se praticou naquela antiga fábrica de fiação e tinturaria.

Na sua intervenção, Rui Anastácio (presidente da Câmara Municipal de Alcanena) disse que contava com os “melhores”, capitaneados por João Aires, para a elaboração do projeto, enaltecendo o papel representado pela criatividade neste projeto, a qual é reconhecida como um “motor fundamental, económico e social, na geração de riqueza e emprego, e no desenvolvimento sustentável, incorporando mudança tecnológica e promovendo a inovação empresarial”.

Foto: mediotejo.net

“Estamos no coração do coração de Portugal”, disse também o autarca, evidenciando a centralidade do concelho e desta pretendida nova funcionalidade cultural e económica, afirmando que “temos tudo para ser mais uma âncora de desenvolvimento, criando valor e constituindo uma das porta de entrada do grande projeto Aire e Candeeiros, que estamos a estruturar entre os sete municípios do parque natural“, deixando ainda uma palavra em defesa da solução aeroportuária de Santarém.

Rui Anastácio, presidente da Câmara Municipal de Alcanena.

Já Marlene Carvalho, vereadora com o pelouro da cultura, disse que a Fábrica de Cultura de Minde será um “lugar de estar, saber e fazer”, e uma fábrica que trará de volta os filhos da terra, até porque “cumprir a fábrica é cumprir quem somos”, disse a edil alcanenense, que evidenciou a função “mais nobre”, que a Fábrica irá desempenhar, que passa pela educação pelas artes, naquela que é uma das bússolas que tem orientado a politica do município, defendeu a autarca.

Marlene Carvalho, vereadora com o pelouro da cultura da Câmara Municipal de Alcanena.

“Muito, muito, muito interessante”, foi como começou Carlos Miguel, Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, por classificar este projeto no final da sua apresentação, apontado alguns aspetos que considerou “essenciais” e deixando algumas notas e avisos.

O elemento governativo – que esteve na sessão em substituição de Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial – referiu que esta é uma fábrica de muitos ofícios, culturais e não culturais e que o desafio passa por alcançar esse entrosamento, sublinhando depois a importância do aspeto patrimonial do projeto e da recuperação de um patrimônio industrial de referência “passada” mas também “futura”, tendo em conta que na apresentação do projeto foi deixado claro, a título de exemplo, que a chaminé identificativa da fábrica será um elemento a manter nas eventuais obras de requalificação.

Carlos Miguel, Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.

Na palavra de Carlos Miguel, revitalizar aquele património menos bem preservado é também preservar a memória dos que ali trabalharam, bem como o património natural que será valorizado e reconhecido com a própria fábrica, aquando da sua revitalização.

Carlos Miguel, Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, deixou alguns avisos na sua intervenção. Foto: mediotejo.net

O Secretário de Estado mencionou também que o referido projeto alia e coloca em convívio a cultura, o artesanato, a indústria e a inovação, deixando também uma palavra concordante com Rui Anastácio quanto à localização “privilegiada” do local, onde se pode aliar de uma forma “perfeita” a área construída e a área ambiental, ambas de “grande riqueza”, sendo que esta é também uma oportunidade de atratividade territorial, para se encontrar novas empresas, novos empregos e consequentemente mais economia, ganhando com isso as pessoas e o território envolvente.

O próximo passo decorre portanto pela execução do projeto, sendo que para isso o município alcanenense pode contar com o apoio do Governo e da CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro), disse Carlos Miguel, que deixou no entanto alguns avisos.

Segundo o Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, não é possível que um projeto que abrange 6500m2 – mesmo sendo em reconstrução – seja feito com seis milhões, referindo que é “enganador” acalentar-se essa ideia e acrescentando que, no mínimo, se tem de contar com um financiamento acrescido em 50% ou mesmo 100% sobre esse valor “irrealista” – ou seja, nove ou 12 milhões de euros.

Embora concedendo que aquele não é um projeto dirigido só às pessoas de Alcanena mas sim para se conquistaram outras pessoas, Carlos Miguel afirmou ser importante que os projetos sejam adequados à dimensão dos municípios, acrescentando têm de ser feitas opções e que é precisamente esse o grande desafio dos autarcas.

O elemento do governo deixou ainda o aviso de que o programa de financiamento PT2030 não aplicará “um euro” em projetos que não sejam sustentáveis e justificados ambientalmente:

“Não vai haver investimento do PT2030 de um euro que não se justifique que esse um euro é sustentável em termos ambientais, é sustentável em termos da redução da pegada de carbono, e por isso muita atenção a estes projetos, porque se eles não forem justificados ambientalmente, eles pura e simplesmente não serão apreciados pela CCDR, e por isso fazer apostas certas, e estamos ainda em fase de estudo prévio, estamos na altura certa de fazer essas apostas certas e fazerem apostas que sejam à nossa medida”, afirmou Carlos Miguel, referindo ainda que é preciso sonhar mas ao mesmo tempo “ter os pés assentes na terra” e partir-se do sonho para a realidade.

Foto: mediotejo.net

Quanto à questão financeira e da perspetiva de investimento, Rui Anastácio já anteriormente em reunião camarária havia indicado que a Fábrica de Cultura de Minde devia representar um investimento de cerca de seis milhões de euros, pelo que defendeu que o empreendimento tem de ser “rigorosamente planeado” e o modelo de gestão bem pensado, para não se “criar elefantes brancos”, referindo ainda que o mesmo só é possível de executar através de fundos comunitários.

Nessa mesma reunião, o líder do município alcanenense defendeu ainda que o projeto a ser levado a cabo para a Fábrica de Cultura de Minde tem de ser sustentável e gerador de receitas, sendo que o objetivo passa por captar os fluxos turísticos que passam na região e não só por ser uma casa para as coletividades, como foi pensada inicialmente, ainda em mandatos anteriores.

Previamente, Pablo Berástegui, produtor cultural e coordenador do Matadero Madrid – projeto semelhante ao que se quer implementar em Minde – foi o responsável por abrir a sessão, referindo desde logo que apesar das boas intenções não é fácil realizar um projeto deste género, e que o tamanho e escala não é bom nem mau, é um facto, e que o que importa é como é usado o espaço e essa escala.

Segundo o produtor cultural, é preciso refletir qual o sentido de cada decisão que se vai tirar, desde arquitetura, produção, climatização e até em retirar o desnecessário, sendo que fez questão de deixar cinco “ideias”, transparecidas em cinco verbos principais: trabalhar, abrir, tecer, relacionar/compartilhar e sustentar.

Um debate interrompido por um artista em revolta

Foi quando se estava prestes a realizar uma mesa redonda entre Pedro Machado (presidente do Turismo do Centro), Américo Rodrigues (diretor-Geral das Artes), Paulo Lima (antropólogo) e Carlos Bernardo (fundador do estúdio Tipo-Grafia, em Abrantes), com moderação de José Pina (diretor do Teatro Aveirense), que a sessão foi interrompida por Rafael Carriço, fundador da Vortice Dance Company, uma companhia de dança sediada em Fátima (ver no vídeo acima a partir dos 00h:26m:31s).

Rafael Carriço acusou as personalidades presentes de “não quererem saber dos artistas”, nem da sua companhia presente na região há 22 anos, apontando que “o Diretor-Geral das Artes, Américo Rodrigues não quer saber do nosso trabalho, o senhor Pina não nos deixa dançar no Teatro Aveirense, o doutor Pedro Machado não quer saber do nosso trabalho enquanto artistas aqui na região, enquanto potenciais promotores do que é o turismo cultural”.

“Acho um estapafúrdio o que vai acontecer aqui com esta situação da Fábrica das Artes, vai ser uma nova roubalheira, é para desbloquear dinheiro do Palácio da Ajuda para uma série de construtores, arquitetos, virem para aqui fazer projetos megalómanos numa região que não existe, onde o município nem um teatro consegue ter”, criticou ainda o artista.

Rafael Carriço interrompeu a sessão num protesto em defesa dos artistas. Foto: mediotejo.net

“O que acontece no nosso país, anda a acontecer uma falta de democracia e de direito. As artes é a minha profissão, as artes é a minha vida, não é a vossa”, disse apontando para os membros do painel acrescentando que “se vocês acreditam nisto vocês invistam o vosso dinheiro aqui, não invistam o dinheiro público, porque é muito complexo, é muito complexo brincarem com os artistas nacionais, com os bailarinos como no meu caso, vocês não percebem”, acrescentou ainda o fundador da Vortice Dance Company, antes de se retirar para o exterior.

Américo Rodrigues, disse que “foi bom” ouvir Rafael Carriço e que gosta de ouvir outras opiniões, pois é sempre um “estímulo” e uma “forma de alimentar o diálogo”, referindo que a Fábrica de Cultura em Minde vai desempenhar um papel muito importante no apoio aos artistas e produções, desde que se consiga criar uma articulação com a comunidade, com artistas e outras entidades culturais.

Naquela que pareceu uma resposta clara ao artista, no decorrer do debate, Américo Rodrigues apontou que há muitas “invisibilidades” e que é importante que todos façam um esforço para as combater, referindo que a Direção-Geral das Artes só pode apoiar estruturas profissionais, e que para a concessão desses apoios limitados a estruturas estão subjacentes regras, como as inerentes aos concursos públicos, meio através do qual são concedidos os apoios, sublinhou o Diretor-Geral das Artes.

“Às vezes substitui-se o cumprimento e a aceitação dessas regras por um ruído muitas vezes populista e demagógico, como se houvesse possibilidade de apoiar todos os projetos que concorrem aos apoios, nomeadamente aqueles que têm classificação negativa do júri”, declarou ainda.

Numa das suas intervenções, Américo Rodrigues enalteceu também a importância da recente RTCP (Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses), rede que apoia financeiramente equipamentos culturais credenciados (em 2022 concedeu apoio a três equipamentos culturais da região do Médio Tejo), afirmando que o tipo de projetos como a eventual Fábrica de Cultura de Minde vem “complementar na plenitude” o esforço feito pela RTPC, pelo que a Direção-Geral das Artes “vê com muitos bons olhos” estes projetos.

Relacionando esta futura estrutura com o turismo, Pedro Machado relembrou que nem sempre é fácil a relação entre cultura e turismo e que os produtos culturais, como ativos diferenciadores estão a aparecer, deixando a ideia de que Portugal tem 38 mil equipamentos que deve aproveitar para experiências culturais mas que só 4300 desses estão em condições de ser fruídos.

“Temos um problema em trabalhar e qualificar os nossos equipamentos”, referiu o presidente do Turismo do Centro, enaltecendo ainda a ambição do município alcanenense e a sua vontade em requalificar o património.

Carlos Bernardo, por seu turno, enalteceu a importância daquele ambicionado espaço, principalmente para os “criativos”, para quem aquele género de estruturas é “como uma igreja”, onde se podem unir, realçando ainda o papel importante a desempenhar pela comunidade local e acrescentando que está a ser plantada uma grande semente para que mais tarde sirva de âncora para a cultura.

Começando por apontar que é importante fomentar, mais do que a discussão, o diálogo, porque é no diálogo que se podem encontrar as convergências, o antropólogo Paulo Lima afirmou que os edifícios e os espaços são o que as pessoas quiserem que eles sejam, referindo ainda reiteradamente a importância da participação da comunidade local neste processo, para uma profícua criação de laços.

O vereador Luís Pires (PS) também interveio, no final do debate, pedindo para que haja uma preocupação relacionada com a sustentabilidade da Fábrica de Cultura, caso o projeto seja concretizado, referindo que é “fácil” fazer obras por meio de fundos comunitários mas que é preciso assegurar a sua sustentabilidade.

Rafael Ascensão

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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