Ribeira do Serradinho, junto a Meia Via, é o canal principal de poluição que desemboca na ribeira da Boa Água, a qual chega à cidade de Torres Novas Foto: mediotejo.net

A resolução do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação -, de mandar encerrar a exploração industrial da Fabrióleo, fábrica de óleos vegetais localizada em Carreiro da Areia, Torres Novas, tida pela população como a grande poluidora da ribeira do Serradinho e ribeira da Boa Água, foi a única medida visível no último ano dentro do caso “ribeira da Boa Água”. Entretanto veio a chuva e só no final de junho o movimento BASTA tornou a verificar mau cheiro e água tépida a circular pela ribeira. O que foi feito, em termos práticos, um ano depois da discussão na Assembleia da República? Não obstante a discussão política e cívica que se gerou e os esforços dos envolvidos, oficialmente quase nada há a registar. 

A 19 de julho de 2017 a Assembleia da República discutiu uma petição, que reuniu mais de 5 mil assinaturas, pela defesa da ribeira da Boa Água. O curso de água encontrava-se poluído e emitindo mau cheiro, o que retirava qualidade de vida aos moradores e negociantes da envolvente. Os projetos de resolução do PSD, PS, PCP, CDS-PP, PEV e PAN foram aprovados por unanimidade. Apenas o diploma do BE teve uma rejeição, nomeadamente o ponto relacionado com o encerramento e deslocalização da empresa Fabrióleo.

“O parlamento não tem competências para fechar empresas”, foi o comentário deixado pelo deputado do distrito de Santarém, Hugo Costa (PS), numa posição partilhada pelo congénere Duarte Marques (PSD).

A 11 de agosto de 2017 foi publicado em Diário da República a resolução da Assembleia da República de recomendar “ao Governo que tome medidas para garantir a despoluição do Rio Almonda e seus afluentes”.

As medidas indicadas eram o “mapeamento das situações problemáticas, identificando e divulgando todas as fontes poluidoras da rede hidrográfica do Rio Almonda e seus afluentes, bem como ao levantamento de toda a informação necessária”; “tome as medidas necessárias para que as autoridades de saúde pública avaliem os impactos da poluição no Rio Almonda e seus afluentes na saúde das populações do Carreiro da Areia, Meia Via e Nicho de Riachos”; elaboração e implementação de “um plano de atuação, identificando, programando e calendarizando as medidas necessárias com vista à salvaguarda da qualidade de vida das populações afetadas e à despoluição efetiva e total da rede hidrográfica do Rio Almonda”; ponderar “a instalação de mecanismos que possibilitem uma permanente monitorização e intensifique as ações de fiscalização e vigilância junto das empresas identificadas como infratoras pelas entidades fiscalizadoras”.

O documento terminava a recomendar que se “zele pelo cumprimento da lei, assegure a aplicação efetiva das medidas sancionatórias e disciplinadoras aos agentes poluidores e promova as ações necessárias para efetivar as responsabilidades criminais ou contraordenacionais das entidades responsáveis pela prática de infrações legais em matéria ambiental na rede hidrográfica do Rio Almonda”.

A 10 de julho quando o mediotejo.net visitou as ribeiras do Serradinho e da Boa Água sentiu sobretudo um cheiro a lixívia Foto: mediotejo.net

O caso ribeira da Boa Água tem estado desde início associado à empresa de óleos vegetais Fabrióleo, que a população acusa de ser a principal poluidora da ribeira do Serradinho, um curso de água que depois encontra efetivamente a ribeira da Boa Água e, no final, o rio Almonda (e depois o rio Tejo). A empresa foi ilibada de vários processos em que se viu envolvida, em particular por falta de provas, mas não escapou a uma coima de 27 mil euros por incumprimentos, definida pelo Tribunal de Santarém em novembro.

Numa entrevista concedida ao mediotejo.net em meados do ano passado, os responsáveis da Fabrióleo frisavam o esforço que tem sido realizado pela empresa para minorar os impactos da, inevitável, poluição que uma unidade industrial acarreta.

Porém, constataria Pedro Gameiro, “acho completamente absurdo que, em 2017, uma área como esta, onde habitam umas largas centenas de pessoas – e há aqui inúmeras atividades industriais, comerciais, entre outras -, não haja saneamento básico. Isto é ridículo! Isto não é o terceiro mundo. Mas todas as casas do Entroncamento a Torres Novas não têm saneamento básico”. A afirmação veio na sequência da disponibilidade da empresa em apoiar o município no financiamento de um coletor municipal, que eventualmente resolveria alguns dos problemas locais de poluição.

A empresa não tem visto porém adesão à sua perspetiva, com a Declaração de Interesse Público Municipal que legalizaria algumas das instalações a ser repetidamente recusada. O foco do debate acabou por centrar-se na unidade de Carreiro da Areia, afastando-se o nome de outras empresas com algum histórico de queixas sobre mau cheiro que também laboram na região.

Quando em janeiro o Expresso avançou com a notícia de que a Fabrióleo fora notificada a encerrar a exploração industrial, o caso veio associado não à ribeira da Boa Água mas ao rio Tejo, na altura no centro de uma polémica devido à concentração de grandes quantidades de espuma no açude de Abrantes.

A decisão surgiu, porém, na sequência de uma vistoria à fábrica que envolveu o IAPMEI, Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Autoridade para as Condições do Trabalho, Direção-Geral da Alimentação e Veterinária, Agrupamento de Centros de Saúde do Médio Tejo, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Câmara Municipal de Torres Novas e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.

Em março o IAPMEI reiterou, após o período de defesa da Fabrióleo, a decisão de encerramento proferida em janeiro. Nessa mesma altura a Fabrióleo colocou uma providência cautelar ao processo e continua até hoje a laborar.

O mediotejo.net solicitou ao Ministério Público um ponto de situação sobre o caso, não tendo obtido resposta até ao momento. A Comissão da Assembleia Municipal de Acompanhamento do Rio Almonda, formada em outubro de 2015 com representantes de todos os partidos com assento em assembleia, Câmara e juntas de freguesia, para representar politicamente o caso, ficou extinta com o fim do mandato autárquico em outubro último.

Contactado pelo mediotejo.net, o presidente da Assembleia Municipal, José Trincão Marques, não excluiu a necessidade de se voltar a formar comissão semelhante. A realização de uma assembleia municipal dedicada apenas ao ambiente foi inclusive mencionada numa das últimas sessões.

Com a diminuição das temperaturas e a chegada da chuva, que se prolongou até junho, o tema não foi esquecido mas abrandou, com o mau cheiro a diminuir ou quase a desaparecer. O mediotejo.net solicitou à APA um ponto de situação sobre a aplicação das medidas definidas em Assembleia da República há um ano, mas não obteve também resposta até à presente data.

Mau cheiro e poluição parecem estar de regresso

A 29 de junho o movimento cívico BASTA escrevia na sua página de facebook, anexando fotos de água acastanhada em Nicho de Riachos: “Tal como prevíamos, com a chegada do calor há coisas que não se conseguem esconder… Voltaram as descargas e os maus cheiros à Ribeira da Boa Água, desaguando no Rio Almonda”. O tema rapidamente fez eco, com o CDS a questionar o Governo sobre o ponto de situação da resolução do ano anterior.

A ribeira da Boa Água termina por trás do Torreshopping, onde encontra o rio Almonda Foto: mediotejo.net

“Já não cheirava assim há uns tempos”, comentou um dos membros do BASTA, Pedro Triguinho, ao mediotejo.net. “A partir daí o rio tem estado uma miséria”, com água acastanhada a passar por linhas de água que, por esta altura do ano, deveriam estar secas. O movimento continua a aguardar pelo resultado da providência cautelar colocada em março pela Fabrióleo. “É muito tempo, estamos a achar estranho”, observou.

O cheiro que se verifica na ribeira da Boa Água é, de resto, o mesmo de sempre, afirmou o ambientalista. Um odor ácido que a maioria dos transeuntes se apercebe sobretudo em Nicho de Riachos, uma zona comercial onde também se situa o Torreshopping e via principal de acesso para o Entroncamento e Riachos.

Para quem não conhece a zona em causa, será pertinente explicar que as ribeiras de que se fala são sobretudo cursos de água, valas que cortam os campos pela serra, por vezes bastante estreitas e completamente cercadas por mato e fechadas à vista pública pela propriedade privada e uma variedade de indústrias e instituições, para além de comércio e espaços agrícolas.

Noutros tempos, refere quem conhece, só por ali passava água quando chovia. Só há cerca de 20 anos os ribeiros começaram a ter água todo o ano, nem sempre com a cor e o cheiro mais agradáveis.

Assim nos narra Manuela Cavaleiro, proprietária do espaço de turismo rural Casal da Juge, na estrada da Sapeira, cuja extensa propriedade é atravessada pela ribeira do Serradinho.

Na terça-feira, 10 de julho, aquando da nossa visita, a água corria com uma ligeira tonalidade acastanhada, havendo certas zonas com alguma acumulação de espuma e uma cor avermelhada. Aparentemente não se haviam registado descargas. Mas o cheiro, sobretudo quando batia o vento, não enganava: cheirava como que a lixívia.

“O cheiro agravou-se há umas semanas para cá, provavelmente porque há mais calor”, comentou. Os prejuízos não são só para o turismo. Plantar algo em torno do curso de água revela-se inviável, constatou a proprietária, uma vez que a tendência é as plantas morrerem.

No Torreshopping, a responsável, Joaquina Romão, adiantou ao mediotejo.net que até ao momento não se têm verificado os intensos maus cheiros do ano passado, que obrigavam as pessoas, devido às condutas de ventilação, a abandonar as salas de cinema, com prejuízos para a empresa. O cinema encontra-se inclusive a ser monitorizado a esse nível, referiu.

No trajeto que o mediotejo.net empreendeu pela zona da Meia Via e Nicho de Riachos, as duas ribeiras – Serradinho e Boa Água – são praticamente impossíveis de acompanhar, com exceção de pequenas zonas junto às estradas principais que têm sido os pontos de denúncia da poluição. O mato é denso, mas a água parece correr abundante. Depois o curso perde-se pela serra e pinhal e caminhos sem estrada. Serradinho e Boa Água cruzam-se algures, já perto de Torres Novas, mas se existe acesso não é visível.

A Fabrióleo encontra-se em Carreiro da Areia, por onde passa a ribeira do Serradinho, mas há efetivamente muito mais vida económica ribeira abaixo, até chegar a Torres Novas.

O tal “mapeamento das situações problemáticas, identificando e divulgando todas as fontes poluidoras da rede hidrográfica do Rio Almonda e seus afluentes, bem como ao levantamento de toda a informação necessária” recomendado pela Assembleia da República seria um trabalho certamente fundamental para perceber o que se passa afinal na ribeira da Boa Água.

 

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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1 Comentário

  1. É vergonhoso o que se passa Carreiro da Areia, digno de um país de terceiro mundo, entidades que não resolvem nada, onde toda a gente já percebeu que reina a corrupção. Se a fábrica não tem licenças para trabalhar, dá-se ordem de demolição como qualquer outra obra ilegal, mas as leis não são para todos……

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