Paulo Estrada, CEO da Sofalca, à entrada na fábrica situada na Estrada Nacional 2, entre Abrantes e Bemposta. Foto: mediotejo.net

Equiparam o cacilheiro “Trafaria Praia”, criado pela artista Joana Vasconcelos para a Bienal de Veneza em 2013, com mobiliário em cortiça desenvolvido à medida para aquele espaço. Mais recentemente, montaram com cortiça, numa estrutura metálica, o elétrico Prazeres 28, que esteve em exposição em Washington, nos Estados Unidos, e renovaram, interior e exterior, também em cortiça, dois elétricos que hoje circulam com turistas pelas ruas de Lisboa. A cortiça, bem como o trabalho de montagem, é da Sofalca, empresa corticeira sediada na Bemposta, concelho de Abrantes, que em 2016 assinalou 50 anos de atividade.

Quem passa na Estrada Nacional 2, entre Abrantes e a Bemposta, ao quilómetro 413, não se apercebe que ali existe uma empresa que produz aglomerado de cortiça expandida, há mais de 50 anos, e que, nos últimos tempos, trabalha para mostrar ao mundo a cortiça de uma forma nunca antes vista.

Foi ali que o mediotejo.net foi recebido por Paulo Estrada, CEO da Sofalca, que reparte a gerência com os irmãos António e Nuno. Assim que se entra no edifício do escritório, o cheiro natural da cortiça sobrepõe-se a qualquer outro.

A cortiça serve para fazer muito mais que rolhas, como comprova a atividade da Sofalca. Criada em 1966, no local onde ainda hoje se encontra, pelo pai de Paulo Estrada, dois tios e mais alguns sócios, a Sofalca foi logo aí pioneira na indústria corticeira ao introduzir o corte de serragem horizontal ao contrário do que era tradicionalmente utilizado (o corte vertical).

Outro pormenor curioso e que mostra o caráter inovador dos fundadores da Sofalca, foi o facto de ter sido adquirida uma caldeira a biomassa, em 1974, a primeira a ser montada na indústria corticeira em Portugal. “Isto veio-nos conferir uma autonomia energética de 95%, não gastamos gás, nem gasóleo, a não ser eletricidade”, sublinha Paulo Estrada, CEO da Sofalca.

O pai de Paulo Estrada foi o fundador da Sofalca, em 1966, mas em 1936 o ser avô começou com o negócio da cortiça na família (Foto: mediotejo.net)
O pai de Paulo Estrada foi o fundador da Sofalca, em 1966, mas o seu avô começou com o negócio da cortiça na família em 1936. Foto: mediotejo.net

O aglomerado de cortiça expandida é o principal produto que sai da fábrica da Sofalca para o isolamento térmico e acústico no sector da construção, em que mais de 80% da produção é para o mercado internacional (França, Espanha, Bélgica, Áustria, Alemanha, Reino Unido, Itália, Japão e China).

“O Aglomerado Negro de Cortiça Expandida é um ótimo material de isolamento, aliando as características térmica e acústica à sustentabilidade do 100% natural, eterno e permeável ao vapor”, destaca Paulo Estrada.

“Até à década de 60/70, o produto foi rei no mundo porque não existiam derivados do petróleo para isolamento e a cortiça era o forte dos isolamentos. Depois começaram a aparecer os outros e começou-se a perder um pouco os negócios e houve até fábricas que fecharam. A Sofalca manteve-se por um bom controlo dos seus custos, da sua rentabilidade. Temos uma gestão muito próxima, estamos cá sempre, desde a 8h da manhã até às 20h”, salienta Paulo Estrada.

É com paixão que descreve as grandes vantagens da cortiça, um material ecológico: “É permeável ao vapor, o que quer dizer que deixa respirar as nossas casas, evita as condensações; é antivibrático para colocar debaixo de motores e compressores para absorver as vibrações e não as transmitir à estrutura do prédio e ultimamente foi descoberta esta textura maravilhosa, este odor maravilhoso e este toque para decoração/mobiliário/design”.

Com a crise no sector da Construção, o seu principal cliente, a Sofalca começa a voltar-se para o design e nasce a Blackcork, marca de mobiliário em cortiça (Foto: Sofalca)
Com a crise no sector da construção, o seu principal cliente, a Sofalca começou a voltar-se para o design e nasceu a Blackcork, marca de mobiliário em cortiça. Foto: Sofalca

Com a crise financeira que atingiu fortemente o sector da construção, a Sofalca começou a ver desaparecer alguns dos seus clientes e surgiu a necessidade de se encontrarem alternativas para a prossecução do negócio. É por esta altura que a Sofalca começa a apostar no design.

“Vimos na internet uma ou duas peças feitas na Holanda por um designer e despertou-nos o interesse, achámos que seríamos também capazes de fazer peças de mobiliário. Comprámos uma primeira máquina de controlo numérico, uma CNC, na China, um pouco a medo, mas sempre com a ideia de que a máquina não fosse só para design, que fosse também para fazer face a pedidos crescentes em arquitetura. Assim o risco era menor e as outras aplicações suportariam o custo, caso o design não resultasse”, recorda Paulo Estrada.

“Começámos a fazer umas brincadeiras e houve uma aproximação a uma designer portuguesa, a Ana Mestre, que quis desenvolver umas peças. Convidámo-la a vir cá e fizemos uma peça – A Lagarta -, vimos que funcionava e que éramos capazes de produzir uma esfera”, explica o responsável da Sofalca.

“Foi um pouco complicado aprender a trabalhar com a máquina, nós é que aprendemos, o meu irmão Nuno Estrada está muito dentro da parte informática e ele é o executor dos projetos “malucos” que às vezes aceitamos. É também o Nuno Estrada que materializa os outros projectos, tendo sempre a economia de material e mão de obra em cima da mesa. O know-how já adquirido nestes anos permite-nos aceitar com facilidade ideias novas e “complicadas””, descreve Paulo Estrada.

Depois desta primeira peça de design, a Sofalca produziu outras com os arquitetos Pedro Campos Costa e Miguel Arruda, e também com o designer Toni Grilo. “Começámos a ver que era altura de fazer alguma coisa até porque alguns designers começaram a questionar-nos  porque não criávamos uma marca, dado que não havia nada em aglomerado negro”, recorda Paulo Estrada.

Eléctrico 28 forrado a cortiça pela Sofalca que esteve em exposição em Washington, nos Estados Unidos (Foto DR)
Este eléctrico 28 forrado a cortiça pela Sofalca esteve em exposição em Washington, nos Estados Unidos. Foto DR

“Começámos a criar o ‘bichinho’ e, com o Toni Grilo (designer), criámos a BlackCork (marca de mobiliário), que lançámos em 2014 na feira Maison & Object”, explica Paulo Estrada.

“Desde as primeiras peças de design que fizemos até às da BlackCork tivémos de evoluir imenso o produto porque ele esfarelava, cheirava demasiado a queimado, mascarrava as calças brancas e hoje já não acontece nada disso”, destaca Paulo Estrada, sublinhando que ”o odor é uma boa característica” e lembrando que “as peças em cortiça têm de se limpar como as outras cadeiras que têm pó”.

O balanço é positivo? “Tem corrido bem, podemos dizer que o investimento inicial está pago. Se não somar tudo (risos), poderia dizer que pensava que iria vender mais, mas também não queremos vulgarizar as peças e achamos que este deve ser um material mais nobre. Tem corrido bem e tem havido sempre uma boa aceitação. O negócio não é tão grande, é um complemento, também não queremos transformar o isolamento em decoração.”

Numa das parcerias que a Sofalca tem firmado com designers e arquitetos surgiu o CorkWave, pelas mãos do arquiteto Miguel Arruda, que mais não é do que uma placa de cortiça, para isolamento e revestimento de paredes, cortada em ondas, dinamizando espaços ao mesmo tempo que protege dos sons e desenvolve soluções diferentes.

A primeira parede com CorkWave está montada na sala de reuniões do Tagusvalley , em Alferrarede, e “reduziu em 50% o eco dentro da sala, com este revestimento numa só parede, das quatro”, refere Paulo Estrada.

Stand da ISOCOR, marca da Sofalca, decorado com uma peças da marca Corkwave (Foto: Sofalca)
Stand da ISOCOR, marca da Sofalca, decorado com uma peças da marca Corkwave. Foto: Sofalca

Paulo Estrada recorda o dia em que mostrou as peças todas do CorkWave ao arquiteto Miguel Arruda, e que este saiu disparado pela porta da sala de reuniões e voltou com uns ramos de flores a dizer: “Temos de fazer umas fachadas verdes para fazer um corkwave green.” E assim surgiu o Corkwave Green, onde é possível colocar uma planta.

“Depois fizemos outro modelo para fazer uma parede e que permite colocar dois ou três vasos”, explica Paulo Estrada. No Corkwave e Corkwave Green a dinâmica sujacente é o zero waste. Não há desperdícios. De uma placa standard fazemos duas ondas”, explica Paulo Estrada.

O isolamento alia-se assim à decoração e, mais recentemente, criada em 2014 mas apresentada em 2015, durante a Tecktónica, onde recebeu uma menção honrosa, surge a marca GenCork, com direcção artística da Digitalab, que permite que se produzam paredes com padrões em cortiça com efeitos únicos. “Com a Gencork aliamos o low tech ao high tech e produzimos desenhos generativos, contemporâneos, únicos, que aliam a beleza às características também únicas da cortiça”, salienta Paulo Estrada.

A Gencork é a mais recente inovação da Sofalca em soluções de revestimento, isolamento e decoração (Foto: Sofalca)
A Gencork é a mais recente inovação da Sofalca em soluções de revestimento, isolamento e decoração. Foto: Sofalca

Em julho de 2016, a Sofalca viu a sua GenCork ser premiada com o GREEN PRODUCT AWARD 2016, um reconhecimento internacional que premeia o design sustentável e a responsabilidade ambiental. Numa edição que contou com mais de 500 produtos de 35 países, o design da DIGITALAB aliado às propriedades únicas da cortiça da Sofalca convenceram o exigente júri internacional. De igual forma, o Gencork foi nomeado para prémio alemão Design Award 2017.

Em setembro daquele ano, de 2 a 6, foi a vez da apresentação internacional que ocorreu na Maison & Objet, em Paris.

“Uma das coisas que quero, e que os nossos stands nas feiras têm mostrado, é que todas as pessoas, sobretudo os técnicos que procuram desenvolver soluções de interior mais ou menos temporárias ou mais definitivas, vejam a possibilidade que a cortiça tem de desenvolver espaços, sozinha, sem estruturas de ferro ou madeira”, refere Paulo Estrada.

O sentimento que a Gencork produz a quem vê é o do toque imediato (Foto: Sofalca)
As paredes revestidas com Gencork são irresistíveis ao toque. Foto: Sofalca

“Evoluímos de tal maneira que hoje conseguimos fazer tudo: cortar a cortiça fazendo paredes em redondo, processar, montar e aplicar, com a experiência e máquinas que temos. Tudo é feito na Sofalca. Tem sido muito motivador e dinâmico, comparando até com a rotina que tínhamos há seis anos, hoje anda toda a gente animada na fábrica com as coisas novas que se conseguem fazer com a cortiça. Não são baratas, mas não estamos aqui para fazer coisas baratas. Não digo isto porque queremos ganhar dinheiro, mas porque a cortiça é cara, a mão-de-obra é cara e há muitas horas informáticas a desenvolver os produtos”, salienta Paulo Estrada.

Com mais de 50 anos de atividade cumpridos, como serão os próximos 50 da Sofalca? Paulo Estrada responde com alguma preocupação: “Eu já não vou cá estar e uma coisa que me começa a preocupar é a questão da sucessão, quem vem a seguir. Estou aqui há 30 anos e no início havia mais 12 ou 13 fábricas em Portugal e na Europa, e hoje estamos reduzidos a cerca de três fábricas na Europa”.

Duas gerações da família Estrada com o criativo da Gencork (Foto: Sofalca)
Duas gerações da família Estrada com o criativo da Gencork. Foto: Sofalca

No entanto, admite que o caminho dos próximos 50 anos da Sofalca poderá passar pela ligação estreita entre o isolamento e o design.

“Dizer que daqui a 50 anos só estou a fazer design, não sei, dizer que podemos estar a fazer isolamento com design, seja interior seja exterior, acho que será muito por aí, ainda que o produto tenha que, ainda, muito a evoluir, especialmente nas suas capacidades de impermeabilização à água, porque esta passa pelos intervalos dos grãos. Temos que melhorar alguns aspetos técnicos e se a nossa sucessão for capaz de os resolver, que consigamos aliar o isolamento à impermeabilização do produto mantendo sempre as capacidades transpiráveis da cortiça e de respiração, teremos futuro.”

Entrevista publicada em julho de 2016. Republicada em julho de 2018.

Entrou no mundo do jornalismo há cerca de 13 anos pelo gosto de informar o público sobre o que acontece e dar a conhecer histórias e projetos interessantes. Acredita numa sociedade informada e com valores. Tem 35 anos, já plantou uma árvore e tem três filhos. Só lhe falta escrever um livro.

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