A região de Abrantes é de olival extenso, de oliveiras milenares e de mestres lagareiros. Portanto, os segredos são poucos para quem transforma azeitona no tão apreciado ouro vegetal. Mas este é um ano atípico. A campanha regista uma “produção recorde” e os olivicultores esperam e desesperam nas filas para os lagares. O nosso jornal quis comprovar a azáfama e, por isso, visitou a Cooperativa de Olivicultores da Freguesia de Alvega, dando também um salto ao outro lado do Tejo, para ouvir os agricultores que aguardavam em extensa fila em Mouriscas – alguns desde o dia anterior.
“Está a aceitar azeitona?”. Essa é a pergunta que mais se escuta por estes dias nos lagares de azeite no concelho de Abrantes, da Chaminé a Mouriscas, as pessoas esperam horas (ou mesmo dias) por um lugar na moagem. É paciência redobrada ou a azeitona apodrece e o trabalho duro de dias e dias no campo, entre nevoeiros madrugadores e a friagem de novembro, vai por água abaixo.
Na Cooperativa de Olivicultores da Freguesia de Alvega, Joaquim Catarrinho aceita a azeitona. “Mas hoje já não. Só amanhã. A pessoa tem de ganhar vez. E estou a receber a azeitona praticamente só dos sócios”, explica o mestre lagareiro. A senhora que pergunta diz ser “coisa pouca”, até “pode ir para as mãos cheias”, onde o ganho, no que toca a litros de azeite, é menor mas o processo mais acelerado.

Quanto a produtividade ninguém se lembra de um ano como este. As filas de um quilómetro ou mais, as esperas de um dia para o outro, a dormir no carro à porta do lagar ou as presenças marcadas às 4h00 da madrugada para conseguir um cesto ventilado (o nome oficial é tegão), “é inédito!”, afirmam em uníssono os agricultores.
O lagar da Cooperativa “está neste momento na produção máxima”, assegura Joaquim Catarrinho. Esta segunda-feira, 15 de novembro, “das 7h00 às 10h00 recebemos 13 toneladas”, e já contabilizava 19 quando o nosso jornal saiu do lagar. Desde o dia 5 de novembro – embora o lagar tenha iniciado laboração no dia 26 de outubro – recebeu muito para cima de 200 toneladas de azeitona. No ano passado, apenas 26 toneladas durante toda a época da extração do azeite novo.
Em 2020 o trabalho não valeu o esforço, contabilizando a Cooperativa “um prejuízo de 100 mil euros”. Este ano, Joaquim estima que o lagar se mantenha a laborar até dezembro.

Na vizinha Mouriscas, bastando atravessar a ponte sobre o Tejo, a Cooperativa dos Engarnais também não tem mãos a medir. Os olivicultores fazem fila que, segundo os populares, chegou a ultrapassar um quilómetro. Há quem durma dentro do carro, outros conversam para matar o tempo, arruma-se melhor os sacos de azeitona em cima do veículo, outros tecem teorias sobre a razão deste excesso de produção olivícola.
“Não só de azeitona. O ano foi bom” para a agricultura, asseguram. As teorias são várias, algumas vozes opinam que se deve a níveis de poluição mais baixos. “Há dois anos sem aviões no ar…”, atira um agricultor.

Ana Maria está na fila desde as 06h30 da manhã. A espera aumenta ao mesmo ritmo que o sol estende os seus ainda quentes raios, mas não lhe subtrai a boa disposição. “Que remédio! Há que esperar”, diz. Enquanto José Vinagre no seu trator, uns 50 metros mais à frente, conta ao nosso jornal estar na fila desde as 18h00 do dia anterior, referindo não ser a primeira vez que vai descarregar. “Há muita azeitona”, observa, enquanto os lagares são poucos.
Por exemplo, na Barrada, na margem sul do rio, chegou a haver 14 lagares e atualmente nenhum está operacional. Por isso, os agricultores daquela freguesia escolhem o lagar de Alvega (o mais próximo) ou o de Vale das Mós. Outros, que preferem métodos mais mecanizados entregam a sua azeitona ao lagar de Alferrarede. Já preferências por uma extração mais tradicional, ainda com seiras e capachos, leva agricultores até Mouriscas. Há mesmo quem vá mais longe, com a sua azeitona até Coruche.

Mas vamos deter-nos no trabalho da Cooperativa de Alvega, para percebermos a azáfama pela produção de 2021 e o processo desde que os olivicultores entregam as suas azeitonas para serem transformadas no tão apreciado ouro vegetal até à recolha do produto envasilhado e pronto para ser consumido – ou guardado, não vá a natureza ditar que o próximo ano seja fraco.
O lagar da Cooperativa, onde toda a linha de extração é automatizada, começa a laborar às 06h00. Às 07h00 abre ao público ficando por estes dias até à meia-noite a moer o fruto, todos os dias da semana incluindo sábados e domingos. Com este modelo, o azeite acaba por ser extraído das azeitonas, num processo “que não ultrapassa as 24 horas”, garante orgulhoso o mestre, evitando desta forma a deterioração e mantendo as qualidades organolépticas do fruto.

Uma comunicação exposta à entrada do lagar avisa os associados e os não associados que a Cooperativa só aceita azeitona até às 17h00, contudo as vagas esgotam-se ainda o sol mal nasceu. Joaquim Catarrinho pega no seu caderno de anotações e pergunta: “quem chegou primeiro?”. No pátio de receção, os tegões aguardam para se encherem da azeitona do dia. Cada um suporta mais de 600 quilos.
Logo à entrada escuta-se o forte barulho que chega das máquinas em laboração. O fruto, na sua maioria de variedade tradicional Galega, separado por qualidade e etiquetado com o respetivo nome do agricultor, depois de pesado é lavado com um chuveiro e colocado no moinho.
“A pesagem serve para determinar o valor que cada agricultor tem de pagar à Cooperativa pela moagem; os associados pagam 11 cêntimos por quilo e os não sócios pagam 12 cêntimos”, explica Jacinto França, um militar da GNR aposentado que há dez anos se dedica à extração de azeite.

Reconhece tratar-se de um trabalho “um bocadinho cansativo. É preciso muita organização. São muitas horas, 17 por dia, muito tempo em pé”, conta, admitindo admiração por tanto movimento. “Como este ano nunca vi e já tivemos muitos anos de aperto. Mas este ano, nos primeiros quatro dias, moemos tanta azeitona como no ano passado todo”, assevera.
Estes são os primeiros passos de um processo que – desde a pesagem até ao azeite verter para dento das vasilhas – demora cerca de hora e meia, sempre acompanhado pelo mestre Joaquim Catarrinho que conta, então, com a ajuda de Jacinto França e de João Cruz. Jacinto é o responsável pela manutenção das máquinas. “Todos os anos é desmontar, lavar, limpar e reparar completamente as peças”, refere.
Após o moinho de martelos (substituto das antigas mós de pedra), o qual mói a azeitona durante 40 minutos, segue então para a batedeira onde o fruto em textura de pasta é envolvido por pás circulares, numa espécie de espiral, mais 40 minutos.
Dessa máquina, a pasta passa para “a inteligente” como diz Joaquim Catarrinho: o decanter para clarificação, extração, desaguamento e classificação. Em resumo, separa o bagaço, a água (chamadas de russas) e o azeite. Segue-se a centrifugadora para limpar os resíduos, que no lagar da Cooperativa apresenta uma temperatura de 10 graus para “não eliminar as gorduras essenciais” do azeite, explica.

As imposições ambientais obrigam a que as águas sujas sejam recolhidas com regularidade – estávamos em reportagem quando um grande camião vermelho chegou para as recolher, armazenar e levar para tratamento numa ETAR de Abrantes.
Da centrifugadora, o azeite verte para as cubas de 400 litros, identificada com o nome de cada olivicultor, “uma mais valia que o lagar oferece”, consideram os agricultores.
“Cada um leva para casa o azeite na sua própria azeitona”, garante o mestre rodeado de garrafões e vasilhas, umas vazias e outras cheias de azeite, prontas para seguir viagem e desocupar o espaço entretanto diminuto para tanto vasilhame.

Nas traseiras encontramos uma caldeira que alimenta o calor do lagar. E porque tudo se transforma e nada se desperdiça, a fornalha consome o caroço da azeitona, atingindo um aquecimento da água constante e continuo a 40 graus “para se conseguir extrair o azeite” do fruto.
A essa temperatura também é lavado o decanter. “Se por acaso a azeitona chegar menos boa”, para que a moagem seguinte “não tenha qualquer tipo de contacto com o anterior”. O bagaço resultante da moagem segue para uma fábrica em Condeixa. É seco para posterior extração de óleo.
Joaquim Catarrinho tem 73 anos. Dedica-se à extração de azeite há cerca de 20, compatibilizando, na época, com a sua profissão de enfermeiro. O desafio partiu de “um parente” que lhe pediu para tomar conta do lagar. Sem perceber nada de lagares de azeite, recorreu a uma formação em Lisboa. Lembra que, naquela época, a operacionalidade do lagar obrigou a um investimento de 140 mil euros.
Desde então, a Cooperativa de Olivicultores da Freguesia de Alvega não recebe apenas a azeitona do associados mas também de quem confiar na maquinaria e na sabedoria de quem ali trabalha, obtendo um azeite de qualidade, “com três décimas”. E, este ano, diz, “no início consegui com meia décima… É muito bom!”, conta, satisfeito. “A labuta demora 24 horas e se a azeitona não estiver em condições volta para trás”, assegura.

Joaquim explica que em média, por cada 100 quilogramas de azeitona, o lagar da Cooperativa extrai 10 litros de azeite. “Com a azeitona que dá 10% mas pode dar 11%, 12% ou 13%. Este ano já tive azeitona a dar 16% com azeite de três décimas. Uma boa azeitona que chega de Vale de Zebrinho”.
Mas a “grande pressão” começou na semana passada. Com a enorme produção de azeitona resultante da campanha deste ano, as contas da lista de espera são fáceis de fazer: “três sócios, um que não é sócio e por ordem de chegada”. Esta segunda-feira os olivicultores começaram a marcar vez à porta do lagar às 04h00 da madrugada.
Depois é aguardar no pátio do lagar da Cooperativa. Amilcar Alves é um dos agricultores à espera desde as 06h30. Vive em São Facundo. O pai, também de São Facundo, era sócio da cooperativa “e agora sou eu”, explica ao nosso jornal. Por isso, é habitual entregar a sua azeitona nas mãos de Joaquim Catarrinho e da sua equipa.

Cerca de cinco horas depois, não desespera! Manifesta-se confiante que desta vez consegue. Aliás, esta não é a sua estreia anual… Já esteve no lagar na passada quarta-feira e no dia seguinte levou o azeite para casa, para consumo próprio e da família. Por isso, considera que o lagar “funciona bem”. Proprietário de considerável olival confirma que também tem muita azeitona. “Não consigo apanhar toda. É demais! Apanhei duas toneladas e meia mas ficaram por apanhar cinco ou seis toneladas”.
Amilcar, que se dedica à agricultura, distribui gás e ainda é presidente da União de Freguesias de São Facundo e Vale das Mós, espera entregar o fruto a alguém que o queira apanhar, senão “fica na árvore”, particularmente porque “a mão de obra, para trabalhos agrícolas, cada vez é menor”, nota.

Francisco Correia também aguarda a sua vez. Chegou à mesma hora de Amilcar, vindo da Esteveira. É associado da Cooperativa, inscreveu-se este ano mas conta ser a terceira vez que mói a sua azeitona no lagar de Alvega. Diz gostar do serviço e da qualidade do azeite. Sendo certo que este é lagar mais perto. “Não há nenhum lagar na minha freguesia. Só em Vale das Mós”, refere.
Contabiliza três toneladas na atual safra. “Uma semana de trabalho” mas “compensa” porque também como Amilcar, prefere ter azeite da sua azeitona por uma questão de qualidade e confiança. “A minha azeitona não é tratada”, refere, acrescentando que será colhida na totalidade apesar do trabalho ser “duro! Tem de ser por gosto”, afirma.
Além disso, “para o próximo ano pode não haver produção. No ano passado não houve!”, recorda. Portanto, “há que aproveitar os anos bons”.
Portugal é o oitavo maior produtor olivícola do mundo e estima-se que atinja uma “produção recorde” de 150 mil toneladas de azeite na campanha de 2021/2022, revelou a Olivum – Associação de Olivicultores e Lagares do Sul, a maior associação nacional do setor.
Em comunicado explica que para esta previsão contribuíram “uma floração que decorreu sem problemas”, a “pluviosidade em quantidade certa” e a “quase ausência de pragas”.
Adoro esta forma de escrever e descrever a realidade. Parabéns.
Ainda bem para contentamento de todos nós, proveito dos produtores, e da nossa região de Abrantes.
Felizmente estamos num ano de boa safra, mas custa-me ainda ver, muita azeitona ensacada, sem qualquer rigor, desde sacos de ração até aos de adubo. A lei proibe, mas alguns agricultores menos escrupulosos ou por ignorância continuam a fazê-lo, o que é pena.
Vocês são privilegiados
Parabéns , sucesso para todos pela dedicação de fazer as coisas bem feitas e com amor tudo constrói
Sucesso 👏🏻