Morreu o Presidente Bioucas, assim, curta e seca me chegou a notícia da morte do carismático Presidente da Câmara de Abrantes, conhecido pela generalidade das pessoas por Bioucas e, não pelos nomes próprios.

No início da década de oitenta cheguei à fala com ele através do meu excelente amigo José Mingocho de Abreu, andávamos empenhados na constituição do PRD, que a cegueira ambiciosa destruiu numa noite em casa de um socialista curto de vistas. Sendo mais preciso, durante a campanha de reeleição do General Eanes tinha estado em casa dele na companhia do Engenheiro Sacramento Marques e do José Niza após uma jornada política. Na altura apreciei o seu sentido de humor tendo como alvo a Dona Francelina Chambel.

O Engenheiro Bioucas era muito estimado pelo então Presidente Eanes e, por isso mesmo, urgia contactá-lo. A conversa decorreu ágil, alegre, saltitante, no entanto, o devotado eanista teceu fios de amizade mas não cordas de compromisso relativamente ao partido em gestação.

Tendo sido fundador do PSD, eleito na qualidade de independente nas listas do PS, inquestionável admirador de Eanes no referente a compromissos partidários imitou Ulisses fechando os ouvidos à proposta.

A partir daí fomo-nos vendo, vieram as eleições legislativas onde alcançámos um bom resultado, a seguir as autárquicas, aí verificámos quão clarividente tinha sido no tecer a teia do não compromisso connosco pois dividiu opiniões no PRD, levando ao atraso na constituição e apresentação das nossas listas, daí só apresentarmos candidatos em nove freguesias. Voltou a ganhar.

O facto de estarmos em campos opostos não originou melindres, nem os momentos de toada acesa no esgrimir de argumentos contra e a favor acarretaram acrimónia e/ou desvarios pessoais. Mais tarde o pêndulo político agitou-se levando à sua derrota nas eleições seguintes, o PRD contribuiu para tal desfecho e o Engenheiro retirou-se do campo da peleja autárquica passando a dedicar mais tempo à velha e dedicada causa dos Bombeiros e da construção de uma rede de afectos a beneficiar as crianças e adolescentes vítimas de incapacidades de vária natureza.

Sem embargo de podermos criticar estas ou aquelas decisões por ele tomadas, ninguém de boa fé pode ignorar a sua acção na defesa dos interesses do concelho de Abrantes, nem as obras levadas a cabo no período da sua governação, a partir de Dezembro de 1976, data das primeiras eleições municipais.

Encontrei-o pela última vez há pouco tempo, os seus olhos ganharam fulgência ao lhe falar nos automóveis antigos, recordámos peripécias, as mais garridas envolvendo o saudoso Salgueiro Maia durante uma funçanata nocturna que teve lugar na Quinta da Misericórdia, na altura arrendada pelo polivalente José Abreu.

Desviando-me do habitual teor dos meus artigos, entendi escrever sobre um Homem que mereceu e merece o meu respeito para além de convicções políticas ou de outro teor qualquer.

À família as minhas condolências.

Armando Fernandes é um gastrónomo dedicado, estudioso das raízes culturais do que chega à nossa mesa. Já publicou vários livros sobre o tema e o seu "À Mesa em Mação", editado em 2014, ganhou o Prémio Internacional de Literatura Gastronómica ("Prix de la Littérature Gastronomique"), atribuído em Paris.
Escreve no mediotejo.net aos domingos

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