Carlos Saramago, o ‘Pintor de Mação’ morreu hoje, com 50 anos, vítima de um cancro galopante. O artista, nascido a 1 de julho de 1972, iniciou a sua vida profissional nas artes aos 18 anos e popularizou-se com os seus trabalhos surrealistas, tendo participado em várias exposições, individuais e coletivas, um pouco por todo mundo.
Ao longo dos últimos anos, Carlos Saramago (1.7.1972 – 25.2.2023) fez da tela o seu antídoto contra as dores e amarguras, ultrapassando com mestria as rasteiras que a vida lhe foi pregando, deixando-o em circunstâncias de muita debilidade, pela falta de saúde.
Afirmando-se como uma figura de referência do movimento surrealista em Portugal, Carlos Saramago trabalhou com o mestre Giorgio Rotilio na Suíça e fez de Mação a sua casa.
Saramago foi homenageado pela Câmara de Mação no dia 4 de fevereiro, há precisamente 21 dias, tendo o presidente da Câmara, Vasco Estrela, deixado uma palavra em memória do artista que se fez maçanico e elevou o nome da arte e cultura em Mação.
ÁUDIO | VASCO ESTRELA | PRESIDENTE CM MAÇÃO
As cerimónias fúnebres decorrem este domingo, com missa na Capela de São Sebastião, em Mação, às 14h30, seguindo para o crematório do Entroncamento. A toda a família e amigos de Carlos Saramago, a equipa do mediotejo.net endereça as mais sentidas condolências.

Recuperamos a reportagem efetuada no início deste mês da homenagem promovida pela Câmara de Mação ao pintor, numa cerimónia que Carlos Saramago testemunhou. Uma homenagem em vida e devida.
Carlos Saramago designado “Embaixador para a Arte” de Mação em homenagem muito emotiva
Carlos Saramago tem 50 anos. É considerado um artista de referência do surrealismo no país, e até há quem o designe como “o Dalí português”, mas a sua humildade não o deixa assumir-se como tal. Depois de cerca de 20 anos a ser reconhecido como pintor e caricaturista da Nazaré, hoje, admite que o seu maior orgulho é que o reconheçam como “o Pintor de Mação”. E é assim que gostaria de, um dia, ser recordado.
Faz da tela o seu antídoto contra as dores e amarguras, ultrapassando com mestria as rasteiras que a vida lhe tem pregado, deixando-o em circunstâncias de muita debilidade, pela falta de saúde. Mas isso nunca foi impeditivo de se reerguer e fazer da arte a sua vida, pintando-a com a paleta de cores que lhe aprouver e expurgando os seus demónios e delírios para os desenhos que projeta em cada quadro. Ao pegar no pincel, onde não faltam os tons de azul e verde, tudo o resto se desvanece. É a pintura a sua casa. Onde tudo começa e acaba nos dias mais difíceis de suportar. E assim se tornou para todos, ao longo dos anos, um exemplo de resiliência.
VÍDEO
Atualmente a lutar contra um cancro galopante, Carlos Saramago não se rende. E isso sente-se na forma apaixonada como apresenta as suas obras, onde sempre é esboçado um sorriso e é espelhada a sua força de viver. É através desta sua forma de ser e estar que dá, a todos os que o rodeiam ou que consigo se cruzam, uma grande lição de vida.
FOTOGALERIA
Uma moldura humana respeitável encheu a entrada da Galeria do Centro Cultural Elvino Pereira para aplaudir o pintor, com as gentes de Mação e os seus familiares, mas também amigos e conhecidos que fizeram questão de estarem presentes e que vieram dos concelhos vizinhos ou de lugares mais distantes. Houve também quem fizesse centenas de quilómetros para marcar presença nesta exposição do artista maçaense.
Aguardava-se a chegada do artista para a inauguração da sua exposição, uma mostra especial da coleção municipal dos trabalhos adquiridos ao pintor ao longo dos últimos anos. O que a generalidade dos presentes não sabia é que a tarde reservava uma surpresa, preparada em sigilo pela autarquia, amigos e familiares. O Município atribuiu o nome de Carlos Saramago à Galeria do Centro Cultural e condecorou-o como “Embaixador para a Arte no Concelho de Mação”.

Entre os presentes, uma pessoa muito especial e fundamental para o lançamento da sua carreira: o professor Manuel Pina, que foi seu docente de Educação Visual na Escola Secundária de Mação e aquele que mais impulsionou Carlos Saramago a lançar-se no mundo da arte. Viajou de Oliveira de Azeméis, na manhã de sábado, 4 de fevereiro, para estar às 16h em Mação. Foi Duarte Marques, figura política do PSD, quem lhe telefonou nessa manhã, dando conta do que iria acontecer e convidando-o a estar ali e comungar desta homenagem ao aluno a quem reconheceu o talento.


O artista mereceu ainda uma mensagem do Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e uma mensagem escrita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Pedro Adão e Silva começou por dizer que “a cultura é um fator de mobilização de cada um de nós, da energia que há em cada um de nós, do ponto de vista da criação, mas também para todos os outros que podem fruir da criação. É na cultura que nos encontramos connosco, e é na cultura que mobilizamos as nossas energias, a nossa capacidade de resistência, e por isso queria-lhe dar um grande abraço neste dia que, sei, é de grande significado”, ouve-se na mensagem vídeo dirigida ao pintor, que o ministro termina dando os parabéns e deixando uma mensagem de “muita força”.
VÍDEO
Já Marcelo Rebelo de Sousa destacou o facto de Carlos Saramago “dar continuidade à energia surrealista que foi tão decisiva na arte portuguesa do pós-II Guerra”. Referiu ainda o “mérito acrescido” por ser um artista “autodidata, como bem convém ao espírito anti-académico, experimental, genuíno, dos surrealistas”.
O Presidente da República portuguesa sublinhou ainda o “extraordinário exemplo de alguém que, afligido por sucessivas maleitas, algumas delas impeditivas de exercer a sua arte, se adapta, se reinventa, se supera”, associando-se “à homenagem que Mação tão justamente lhe presta”.

Quem é Carlos Saramago, o pintor surrealista de Mação?
Carlos Saramago nasceu em Abrantes em 1972, e reside em Mação. Autodidata, começou a pintar desde muito cedo e nos tempos de escola foi-lhe reconhecido o talento para as artes. Após as primeiras experiências com desenhos, contou com o apoio do professor Manuel Pina, que o incentivou a empenhar-se na pintura.
Há mais de 30 anos, mais propriamente em 1989, começou a expor os seus trabalhos. Em 1990 viveu entre a Suíça e Itália, e por ali permaneceu durante quase 3 anos. Em Ascona tornou-se amigo do pintor Rotilio Giorgio, artista, decorador e professor; foi ali que conheceu também o artista e mestre Otto Bachmann. Com estas duas referências, Carlos Saramago aprendeu as técnicas para pintar a óleo e acrílico. Em Ascona expôs na galeria AAA, com grandes nomes de arte internacionais.
Em 1993 voltou a Portugal e começou a pintar na rua, como caricaturista em praias, nomeadamente na Nazaré. Nos últimos 25 anos, desenvolveu um estilo próprio, com tendência ao surrealismo.

Tem uma história de vida pautada por altos e baixos devido a uma doença rara que afeta principalmente as mãos (epidermólise bolhosa) e com a qual se tem debatido, para poder continuar a pintar. Chegou a sofrer uma amputação de um antebraço, mas nada o demoveu. Mais recentemente, tem lutado contra um cancro.
A arte de Carlos Saramago, também curador independente, prevalece em coleções particulares e públicas, desde fotografia, pintura, vídeo, desenhos ao vivo e instalações, em território nacional e internacional.
A Câmara Municipal de Mação reconhecendo o seu talento e apoiando o artista, ajudando a vencer as vicissitudes causadas pelo seu estado de saúde periclitante, editou o livro “Carlos Saramago… de Mação para o Mundo” e foi adquirindo algumas das suas obras para uma coleção municipal – agora expostas, durante o mês de fevereiro, no Centro Cultural Elvino Pereira, num espaço que passou a ter o seu nome: “Galeria Carlos Saramago”.
Foi uma tarde moldada pelo calor dos abraços, muito emotiva e, acima de tudo, bonita, e onde Carlos Saramago e a família puderam estar envoltos numa bolha de carinho e afeto por parte dos maiores admiradores do trabalho e percurso de vida do artista.
Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, guiou toda a cerimónia de homenagem com muita comoção, não conseguindo inclusive segurar as lágrimas em alguns momentos, uma vez que foi sempre acompanhando de perto a situação de saúde de Carlos Saramago, que sempre (con)viveu com uma doença que lhe afetou as mãos e que nasceu consigo – epidermólise bolhosa distrófica crónica. Foi diagnosticado com um cancro e sofreu uma amputação do antebraço direito, prosseguindo tratamentos agressivos.
O presidente de Câmara notou “a excelência” do trabalho e percurso do pintor, mas também mencionou o “lutador” perante os vários problemas de saúde que tem tido ao longo da vida. “A forma como tem encarado as adversidades, a forma como encara a vida, a forma como não desiste, acho que isso tudo é revelador do enorme caráter da pessoa. A Câmara Municipal de Mação acho que interpretou de forma muito clara o sentir desta população relativamente ao Carlos”, referiu.

“O Carlos é ímpar, é diferente, e nós temos de tratar diferente o que é diferente. O Carlos é uma pessoa que merece perfeitamente este reconhecimento. Acho que o Sr. Elvino [Pereira], outro grande maçaense que Mação teve, esteja ele onde estiver, estará também contente com esta distinção. Porque também era um homem justo e reconhecerá a justeza da nossa decisão”, acrescentou Vasco Estrela.
Quanto às obras da coleção municipal, adquiridas nos últimos anos, Vasco Estrela referiu que as obras estarão na exposição patente até por altura da Páscoa na galeria, mas é intenção expor, repartindo pelos vários espaços municipais, estes trabalhos de Carlos Saramago adquiridos pela Câmara, “para que as pessoas que frequentam os equipamentos possam ir apreciando a sua obra”.
“A forma como tem encarado as adversidades, a forma como encara a vida, a forma como não desiste, acho que isso tudo é revelador do enorme caráter da pessoa.“
Vasco Estrela
Quanto ao artista Carlos Saramago, apesar dos pesares, prossegue igual a si próprio, fintando as dores e os obstáculos, e ficará agora eternizado na Galeria do Centro Cultural Elvino Pereira e em todas as obras que pintou e idealizou, desde a coleção municipal às coleções privadas, em vários locais do país e do mundo, que podem regozijar-se de ter um quadro da sua autoria.

O humilde – mas bem arrojado na tela – “Pintor de Mação”, que muito se orgulha das suas raízes, ficará na História por ter sido o primeiro a ser condecorado com o título de “Embaixador para a Arte” do concelho. Não sabendo ainda o que isso implica, logo assumiu o compromisso de fazer o melhor que souber para honrar a medalha que recebeu.
Numa tarde em que ficou sem palavras, Carlos Saramago também deve ter ficado com a certeza de que a sua arte falou mais alto e que é, como a arte deve ser, agregadora de pessoas – sendo certo que, em cada tela que contenha a sua assinatura, o seu traço continuará a despertar emoções e a levar também um pouco de Mação ao mundo.
FOTOGALERIA
NOTÍCIA RELACIONADA