O ambiente vivido nos últimos tempos no Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes (Lar das Raparigas), em Torres Novas, (instituição da alçada da Santa Casa da Misericórdia), é de “descontrolo, medo e tensão permanente”, relatou ao jornal mediotejo.net fonte próxima da instituição, referindo o cansaço da equipa e o desnorte das crianças e jovens ali institucionalizados.
A PSP tem sido chamada à instituição para responder a episódios de diferentes naturezas – por altercações entre menores e funcionárias, por obrigarem uma menina de 14 anos a ir para a escola de chinelos ou porque três raparigas fugiram durante a noite.
A Santa Casa da Misericórdia (SCM) abriu um inquérito disciplinar interno a uma funcionária do Lar, por alegadas agressões a um menor institucionalizado, ocorridas no dia 21 de fevereiro, conforme noticiou o nosso jornal. E a Segurança Social reforçou a vigilância à instituição.
O mediotejo.net sabe que na última quinta-feira, 16 de março, um dia depois da diretora técnica do Lar, Paula Costa, ter apresentado um pedido de férias “repentino”, a mesa administrativa da SCM esteve reunida com uma equipa da Segurança Social, desde as 17h30 até perto das 20h00, desconhecendo-se até ao momento o teor e o resultado dessa reunião.
Questionado sobre os últimos acontecimentos no Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes (Lar das Raparigas), o provedor da SCM de Torres Novas, António Gouveia da Luz, desvalorizou, dizendo tratar-se de “situações normais” decorrentes do quotidiano de instituições daquela natureza.
“Todas as situações que, eventualmente, tenham ocorrido, foram comunicadas às instâncias competentes, nomeadamente ao Ministério Público, à Segurança Social e à PSP. Temos uma equipa técnica da nossa total confiança, que está a agir estritamente no cumprimento dos seus deveres. A Segurança Social está a par de todas as situações e posso dizer que não há nada de especial”, afirmou o provedor.
“Esses factos foram comunicados à Segurança Social e ao Ministério Público. Internamente, abrimos um inquérito disciplinar, que está a decorrer”, disse ainda António Gouveia sobre o episódio de 21 de fevereiro, justificando com a “presunção da inocência” o facto de a funcionária em questão continuar em funções e em contacto direto com as crianças e jovens ali acolhidos.
Uma semana depois, a 27 de fevereiro, a PSP volta a ser chamada ao Lar. Desta vez, para registar a intenção de saída voluntária de uma jovem de 18 anos, sobre a qual decorre um processo no Tribunal de Família e Menores. A jovem abandonou a instituição nesse mesmo dia, argumentando “não aguentar mais o que se passava lá dentro”, que lhe causava uma “maior instabilidade e o aumento das crises de ansiedade”. Situação que a levou mesmo ao Serviço de Urgências do Hospital de Torres Novas, tendo sido posteriormente encaminhada para a Pedopsiquiatria em Tomar, devido a um quadro de ansiedade.
“Cumprimos de acordo com o estabelecido. A diretora técnica é que trata dessas situações e faz as comunicações que tem de fazer às respetivas entidades. No caso dos jovens com mais de 18 anos, a medida de continuidade no Lar é decidida pelo Tribunal. O Tribunal é que decide se continua a medida ou não. Sendo certo que, qualquer pessoa com mais de 18 anos, pode decidir sair. Foi o que aconteceu”, minimizou António Gouveia.

Entretanto, no dia 10 de março, mais uma chamada para as autoridades. Desta vez, uma menina de 14 anos denunciava o facto de lhe estar a ser negado calçado. De acordo com informação do Comando Distrital da PSP de Santarém “a menor tinha feridas nos pés por não ter sapatos adequados ao seu número” (fora forçada a usar calçado vários números abaixo do seu), tendo sido referida “uma confusão interna relacionada com a cedência de sapatos”, ficando registado que “a instituição só tinha umas botas número 44” para ela calçar. A menina acabaria por sair da instituição nessa manhã, a caminho da escola, de chinelos tipo havaianas. No entanto, o desconforto e a vergonha fizeram com que voltasse para trás e regressasse ao Lar.

Questionado sobre esta situação, o provedor da SCM recusou pronunciar-se: “Sobre esse caso, não digo nada. Deve ter a informação da PSP. Não tenho a dizer mais nada sobre essa situação. Só sei que não foi nada de especial. E não falo sobre situações específicas em relação às meninas e aos meninos do Lar.”
“Isso não corresponde à realidade”, afirmou ainda António Gouveia em relação à informação registada pela PSP.
Quanto às normas da instituição no que diz respeito à atribuição de vestuário e calçado aos jovens institucionalizados, o provedor diz que o processo é “muito simples”: “A diretora técnica diz qual é a necessidade e nós [Mesa Administrativa] damos autorização para se comprar as roupas e tudo aquilo que é necessário.”
Ainda assim, é possível que por alguma razão tenham faltado sapatos para uma menina? “Não, não. Isso é impensável”, afirmou. No entanto, o certo é que naquela manhã, uma menor saiu do Lar de chinelos, precisamente por não ter sapatos que lhe servissem, mesmo tendo alertado a diretora técnica vários dias antes sobre a sua situação. E mesmo apresentando os pés feridos, facto que foi confirmado pela PSP.
Dois dias depois, no domingo, 12 de março, a instituição comunica à PSP o desaparecimento de três menores, com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos. Abandonaram o Lar perto das 19h30, sem autorização e sem que alguém se tivesse apercebido da sua saída. Foram acionadas diligências em Torres Novas, Entroncamento e Santarém, tendo as jovens sido encontradas no dia seguinte, segunda-feira, ao início da noite. Na terça e na quarta feira seguintes voltaram a tentar a fugir.
“É um lar residencial, aberto. Não é nenhuma prisão. As meninas saíram sem dizer nada e quando detetada a sua ausência, foi imediatamente comunicada à PSP, à Segurança Social e ao Ministério Público. Existem regras e horários para cumprir. Como não cumpriram essas regras, foi comunicado”, notou António Gouveia, respondendo que as medidas a tomar “serão decretadas pelo Ministério Público”.
Apesar do incumprimento das jovens e de a instituição estar a aguardar que o Ministério Público se pronuncie sobre a situação e devidas medidas a aplicar, ao que o mediotejo.net conseguiu apurar, após estas tentativas de fuga, apenas uma das jovens terá voltado para a instituição. As outras duas terão sido autorizadas a ficar com as mães. E à data de fecho desta notícia, quinta-feira, 16 de março, assim permaneciam.
Por sua vez, a menina que regressou à instituição também terá ficado acompanhada. A avó pernoitou no Lar, com a neta, de quarta para quinta-feira, autorizada pela equipa técnica da instituição. Situação esta, “estranha” aos procedimentos e normas do Lar, conforme apurámos junto de fonte conhecedora do seu funcionamento.
Equipas técnicas da Segurança Social têm feito visitas quase diárias ao Lar das Raparigas
Perante este cenário, repleto de episódios pouco abonatórios, o mediotejo.net contactou o diretor da Segurança Social de Santarém, Renato Bento, que garantiu estar atento e a acompanhar muito de perto tudo o que se passa no Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes (Lar das Raparigas), em Torres Novas.
“A Segurança Social acompanha esta instituição há muito tempo. Com estas situações todas, passou a acompanhar com maior regularidade. Quando há denúncias, queixas ou reclamações, como é óbvio, nós damos uma especial atenção”, revelou Renato Bento, reforçando: “Estamos presentes e estamos muito atentos. Posso dizer que, quase diariamente, as nossas técnicas têm estado na instituição, para perceber o que está acontecer e que melhorias podem ser feitas. As situações estão a ser trabalhadas e o acompanhamento que estamos a fazer é muito próximo”.
Renato Bento explicou que as técnicas da Segurança Social têm estado a trabalhar em estreita articulação com a equipa técnica e com as funcionárias do Lar, para as ajudar a reorganizar e a encontrar estratégias que permitam responder “com serenidade e eficácia às necessidades das crianças e jovens institucionalizados”, esclarecendo que estão a trabalhar “no sentido da melhoria e da estabilização daquele grupo”, com recomendações ao nível da organização da instituição e do próprio relacionamento da equipa técnica do Lar com as crianças e jovens.
Recorde-se que a 24 de fevereiro o mediotejo.net publicou um artigo que referia a formalização de denúncias, nomeadamente à Segurança Social de Santarém e à CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, sobre situações de negligência, falta de cuidados básicos e de saúde, ou por acompanhamento pouco regular no que diz respeito ao percurso escolar dos jovens à guarda da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas.
Atualmente, o Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes (Lar das Raparigas), em Torres Novas, acolhe 23 jovens com idades entre os quatro e os dezoito anos.
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