Estamos no pico do verão e à lareira. O lume foi-se sumindo aos poucos, as brasas esmoreceram, mas o calor persiste. Mais uns minutos e já está. A grelha assenta agora sobre o que resta da pequena fogueira ateada em pleno verão com o objetivo único de assar as últimas espigas verdes do milheiral dos avós.
Foram colhidas há dias, mimosas como se quer, com o propósito maior de acabarem na barriga dos netos e não na das galinhas, assadas à moda antiga, que é como quem diz do jeito que referi acima: sem azeite, sem sal, sem peneirices, só as maçarocas sobre as brasas.
Há quem diga que estão boas é pelo São João, com os grãos ainda pálidos, macios e doces, muitíssimo saborosos, e não agora. No Brasil, por exemplo, país onde este cereal já era cultivado pelos índios antes mesmo da chegada dos portugueses, o milho é o ingrediente mais importante das festas juninas. Pamonha, cuscuz, polenta, canjica, mungunzá, bolos, pães: vasta é a lista do povo brasileiro de receitas à base de milho.
Mas não é caso único, o Brasil. Na verdade, acredita-se que o milho foi a primeira planta cultivada pelos índios das Américas, e que este já era o alimento básico de astecas, incas e maias muito antes da chegada dos europeus ao outro lado do Atlântico.
Por cá, ao que sei, não existe propriamente aquilo que podemos chamar de culinária de São João, mas temos igualmente um sem fim de pratos tradicionais onde o milho é rei. Haverá algum português que resista à famosa broa de milho, às migas fervidas das Beiras, ao Milho Frito da Madeira ou mesmo às maçarocas assadas? É difícil, bem sei.
No que me toca, posso garantir que as espigas verdes das tardes mornas de julho, ainda que ligeiramente secas, são tão boas como as de junho; e se porventura este presente está fora de tempo é certo que estes serão sempre os dias da minha infância.
Para mim, são tão boas como as dos milheirais de outrora, muitos, fartos e imponentes, medrando sem pressa, nas fazendas ao redor da aldeia; e embora estas sejam ainda fruto de muita labuta e suor, são sobretudo sinónimo de amor, o principal adubo da sementeira.
É certo que já não escondem pobreza nem fome, antes determinação, perseverança, coragem e fé. Já não surram a roupa nem esfiapam chapéus, mas aconchegam a alma e plantam viçosos sonhos.
Tudo isto escuto eu no silêncio dos meus pais quanto lhes peço que trabalhem menos, descansem e passeiem mais, ao invés de andarem ralados com as lides do campo. Semear, sachar, regar, desfolhar, cortar, desencamisar, debulhar, secar. Falo em vão, sei-o bem. Findo o estio, logo fazem planos para salvar a terra das garras das silvas e nela puderem ver nova vida a desabrochar. Chama-se, literalmente, amor à terra.
E se assim não fosse, como haveria eu de me sentar lado a lado com as minhas filhas, todas de maçaroca na mão, neste julho de 2020? Se não posso parar o relógio do tempo, paciência, resta-me agradecer o legado maior do seu exemplo. Talvez a esperança semeada em nós possa um dia ser cumprida.