Carlos Moisés, vocalista dos Quinta do Bill desde 1987, lançou em 2021 o seu primeiro álbum a solo. Apresenta-o em Tomar no dia 18 de fevereiro. Foto: mediotejo.net

Ainda “era pequenino”, vivendo em terras africanas (Moçambique), e já os seus pais lhe diziam que “tinha qualquer coisa”. A música despertava-lhe emoções fortes, tocava em caixas e cantava. Talvez já um prognóstico do “fator vital” que a música viria a constituir na sua vida. Já em Portugal, começou os seus estudos musicais no Conservatório de Tomar e, paralelamente, na Canto Firme, associação em que ingressou logo na fundação.

Viveu o ‘boom’ da música tradicional portuguesa, “encheu-se de coragem”, convidou Paulo Bizarro e Rui Dias para trabalhar as suas ideias e “foi assim que tudo começou”. Daí até o grupo Quinta do Bill conquistar um lugar de destaque no panorama musical português, com nove discos editados e centenas de atuações por terras lusitanas e estrangeiras, foi uma natural sucessão de passos.

Abraçou a causa ambiental muito jovem, numa altura em que esta era ainda “residual” e “marginal”. No que toca à música, considera que atualmente se está a assistir a um período de criatividade incrível. Como influências do seu trabalho enuncia desde logo cantautores como José Mário Branco, Zeca Afonso ou Sérgio Godinho, grupos como Jafumega ou Trovante, mas também bandas como Beatles ou Beach Boys – que ainda hoje o fascinam pelos arranjos vocais – ou outras mais atuais, como Arcade Fire.

“Quinta do Bill”, para si, é tudo. É o seu “grande projeto de vida”. Pelo que este “Moisés – Primeiro Solo” é um “à parte”, um “pequeno desvio”, algo a ser partilhado com os fãs que queiram ir ao Cine-Teatro Paraíso no próximo dia 18 de fevereiro, onde o objetivo final é “Dançar, até que a noite caia” – o título do primeiro single deste álbum especial.

Carlos Moisés, junto ao rio Nabão, em Tomar, cidade que é para si o “berço”. Foto: mediotejo.net

Depois de 35 anos com a Quinta do Bill, porquê um álbum a solo agora?
A ideia de fazer este disco é antiga, só se concretizou agora precisamente por causa das prioridades da Quinta do Bill, dos trabalhos e da agenda dos Quinta do Bill. Mas as canções que fazem parte deste “Primeiro Solo” são, em termos temporais, distantes. Há umas bastante mais antigas e outras mais recentes. E houve realmente a preocupação de, no trabalho de compilar as canções, as tornar minimamente homogéneas na questão formal, estética. Entretanto também surgiu a pandemia, que atrasou um bocadinho o processo, mas no final do ano passado consegui reunir as condições para editar o disco.
Este é um trabalho paralelo à Quinta do Bill, porque a Quinta do Bill é o meu projeto de sempre. Fundei a Quinta do Bill há 35 anos – e este ano vamos com certeza comemorar devidamente essa marca – mas quis mostrar uma outra faceta minha, o meu lado mais pop, e deixar de parte um bocadinho aquele folk-rock muito característico da Quinta do Bill. E portanto – as pessoas quando conhecerem estas canções vão notar isso – não há um distanciamento total na minha forma de compor, mas houve a preocupação de fazer qualquer coisa diferente da Quinta do Bill. Apostei muito na questão das vozes, dos coros, porque é o meu instrumento principal, a voz, e trabalhei muito a questão da harmonia vocal. Quis trazer também alguma modernidade ao discurso, por exemplo, das guitarras. E nisso o André Moinho deu uma contribuição incrível. O álbum foi gravado a três – sou só eu, o André Moinho e o Paulo Bizarro, ambos da Quinta do Bill – e acaba por ser muito orgânico. Tem alguma complexidade em termos de arranjos, mas em termos instrumentais é muito orgânico. E portanto, de certa forma, isso também distanciou este trabalho um bocadinho da sonoridade da Quinta do Bill, que era também o que eu pretendia.

“Quis mostrar uma outra faceta minha, o meu lado mais pop, e deixar de parte um bocadinho aquele folk-rock muito característico da Quinta do Bill.”

A pandemia não esteve, portanto, na origem deste álbum?
Não, porque este projeto já é anterior. As canções estavam todas feitas e a maior parte estavam gravadas antes da pandemia.

Por falar em pandemia, como vê esta crise que afetou os músicos e os artistas, nomeadamente pela falta de proteção social, tendo até em conta o seu caso pessoal e da Quinta do Bill?
Eu acho que a questão da pandemia foi transversal a todos os que se movem na área artística, e na área dos eventos também, porque a área artística tem atrás de si uma série de profissões e de atividades. E isto foi transversal. Tocou a todos, foi muito dramático. Ainda está a ser, porque apesar desta recuperação lenta não estamos a trabalhar em pleno. São dois anos em que atravessámos todos muitas dificuldades, em termos económicos, em termos sociais, em termos familiares – porque há muitas famílias em que todos trabalham neste ramo – e portanto são tempos muito difíceis, que queremos esquecer, que queremos deixar para trás. Queremos acreditar que vamos finalmente retomar este ano em pleno a atividade. E as próprias pessoas também precisam de cultura, precisam da arte, faz parte das suas vidas e estou com muita esperança que seja este ano a grande retoma.

“Nestes dois anos os artistas atravessaram muitas dificuldades, em termos económicos, em termos sociais, em termos familiares – porque há muitas famílias em que todos trabalham neste ramo. São tempos muito difíceis, que queremos esquecer, que queremos deixar para trás.”

O álbum contou com diversas participações, talvez um dos pontos altos seja uma canção com uma letra inédita de José Mário Branco…
Sim, e é das primeiras canções a aparecer para este projeto. Eu sempre acompanhei a obra do José Mário, faz parte da minha formação desde jovem, mas não o conhecia pessoalmente – estivemos juntos uma vez num concerto, mas não tínhamos uma relação pessoal. Um dia enchi-me de coragem e enviei-lhe uma mensagem com uma música que imaginei logo que teria de ter uma letra dele. Disse-lhe que gostaria imenso que ele escrevesse a letra, e ele disse que sim. Aceitou, gostou imenso da canção, e a partir daí começámos a trabalhar, sempre à distância. Ele, como todos sabem, era muito exigente em termos de trabalho, era muito perfeccionista, gostava muito de trabalhar a questão das sílabas, da métrica, e ajudou-me muito nesse aspeto. Infelizmente faleceu e já não tenho o prazer de lhe oferecer um disco, mas ele ouviu a canção já no seu formato final. É um inédito desta figura maior da música portuguesa que é o José Mário Branco, e para mim é uma honra e um privilégio poder contar com uma letra sua, com um original seu, neste trabalho.

“Um dia enchi-me de coragem e enviei ao José Mário Branco uma mensagem com uma música que imaginei logo que teria de ter uma letra dele. (…) E ele disse que sim. Aceitou, gostou imenso da canção, e a partir daí começámos a trabalhar.”

Sobre José Mário Branco, revê-se mais na sua figura como músico, produtor e compositor ou mais como músico de intervenção?
Como o todo. A obra de José Mário Branco é importante em várias vertentes, tanto na questão estritamente musical como social, e toda a mensagem que ele sempre transportou em toda a sua obra. Ele ultimamente estava um bocadinho arredado dos palcos, eu inclusivamente ainda tentei que ele cantasse uma frase, mas ele declinou, disse que já estava afastado das gravações. Sempre gostei muito da sua obra no todo, integral, que encerra em si mensagens muito fortes. E mesmo em termos musicais e de produção, não podemos esquecer que ele foi o grande responsável pela grande produção de Zeca Afonso, por exemplo do “Cantigas do Maio”, que é uma produção já naquela altura, penso eu, muito à frente. Para mim as suas canções sempre me acompanharam e foi realmente um privilégio e uma honra poder contar com uma letra dele numa música minha.

O disco de estreia a solo de Carlos Moisés tem 10 canções. Foto: DR

O que pretende transmitir com este álbum a solo?
Todas as canções são diferentes. Aliás, todos os autores das canções são diferentes. Além do José Mário tenho também um poema do grande escritor José Luís Peixoto, que é um processo que tinha sido encetado já com a Quinta do Bill em 2006. Também tenho a honra e o privilégio de poder contar com um poema seu, inclusivamente declamou parte do poema na canção “Tempo de Saber e de Viver”. Além de companheiros com quem já trabalhamos há muito tempo, desde o Sebastião Antunes, o Tim dos Xutos [& Pontapés] escreveu uma letra, o Moz Carrapa e também o jornalista e escritor Joaquim Franco. Portanto, eu fiz as canções e enviei para estas pessoas, e deixei completamente ao seu critério, com toda a liberdade, manifestarem aquilo que queriam dizer na canção. Daí que não exista propriamente um processo homogéneo em termos de mensagem. Talvez a única questão homogénea que existe aqui, ou o fio condutor, seja na parte mais estritamente musical. Em termos de canções, todas elas são canções soltas que revelam o universo dos autores do texto, mas que depois se congregam e reúnem num conjunto físico e digital.

“Também tenho a honra e o privilégio de poder contar com uma letra do José Luís Peixoto, que inclusivamente declamou parte do poema na canção ‘Tempo de Saber e de Viver'”.

Vai apresentar o álbum em Tomar no dia 18 de fevereiro. Como vai ser voltar a casa, desta vez para atuar a solo?
É um solo em que não vou estar a solo… vou estar muito bem acompanhado [risos]. Vão estar em palco os músicos que gravaram comigo este disco, o Paulo Bizarro e o André Moinho, e também se vai juntar a nós o baterista José Carlos Duarte. Vou ter um convidado especial, porque também faz parte deste processo, mas gostaria que ficasse como surpresa. Vamos tocar na íntegra as canções do disco, pela ordem do disco, e vamos tocar também um extra, que é uma canção que esteve para fazer parte do disco mas que depois, por uma boa causa, acabou por ser cedida: tornou-se num hino em prol das vítimas do Idai [ciclone que atingiu Moçambique em 2019] e eu e o autor da letra [Joaquim Franco] pensámos que seria uma ótima canção para ajudar e fazer parte da campanha da SIC Esperança. Mas é uma canção que estava dentro do processo, e por isso a tocamos também, apesar de não estar no disco. Chama-se “Terra Mãe que Fala”.

É sempre especial tocar em Tomar?
Bem, Tomar é o berço, não é? Foi aqui que tudo começou. Eu sinto, claro, um enorme carinho pelas pessoas em Tomar, e espero que venha o maior número de pessoas fazer a festa comigo. Sinto sempre, constantemente, que gostam de acompanhar, tanto a solo como com a Quinta do Bill, o meu processo artístico.

Como olha para a cidade de Tomar a nível cultural?
Eu acho que nos últimos tempos se tem feito um esforço enorme para mexer e para implementar aqui uma dinâmica cultural que não seja só pontual, que seja regular, e isso está a acontecer. E sinto que as pessoas agradecem, porque a própria cidade, toda ela, vive muito do seu património, da sua cultura, e são fatores muito importantes na dinâmica destas cidades com um peso histórico muito grande. Finalmente as pessoas perceberam que a parte cultural também tem de fazer parte do processo. E estou a sentir que há muita vontade fazer coisas, de mostrar, de dar a conhecer às pessoas, e portanto fico muito feliz por isso acontecer.

Como despertou para a música, como surgiu esta veia musical?
Os meus pais dizem que desde pequenino sentiram logo que eu tinha qualquer coisa… a música despertava em mim vibrações muito fortes, e desde pequenino tocava em caixas, em tudo, e cantava… mas eu nasci em Moçambique, e na terra onde eu vivia não havia propriamente escolas de música, nem havia formação, mas foi lá que assimilei a música tradicional africana, [com a qual] tive contacto direto. Quando vim para Portugal, naquela altura para a Metrópole, e para Tomar, comecei então os meus estudos musicais – já um bocadinho tarde – quando apareceu o Conservatório em Tomar e depois, paralelamente, o Canto Firme. Acabei por fazer também o Conservatório em Lisboa, e portanto a formação académica começou aí. Mas paralelamente fui fazendo coisas muito no âmbito do associativismo, nomeadamente com a Canto Firme. Vivi muito aquele “boom” da música tradicional portuguesa, tive um grupo de música tradicional que se chamava precisamente “Grupo de Música Popular da Canto Firme”, e em 1987 enchi-me de coragem – porque eu também andava a fazer canções, mais no formato pop – e tendo conhecido o Paulo Bizarro e o Rui Dias numa aula de jazz, convidei-os para trabalhar as minhas ideias. Foi assim que tudo começou. Devagarinho, devagarinho, foi entrando mais um músico, o João Coelho na bateria, e começámos a trabalhar as canções que eu estava a fazer. Depois a partir daí foram os concursos da Música Moderna, que na altura eram a grande porta para mostrar aquilo que os jovens faziam, e finalmente conseguimos vencer um concurso em 1990, na RTP, que deu lugar à gravação do primeiro disco, o “Sem Rumo”, que sai dois anos depois, em 1992. Mas o grande salto deu-se em 1994 com o disco “Os Filhos da Nação”, que foi um êxito enorme e que transporta os Quinta do Bill para o primeiro plano do panorama nacional. Foi aí o grande salto. A partir daí conseguimos fazer mais espetáculos, gravar discos e conseguimos consolidar a nossa posição no universo da música portuguesa. 

Carlos Moisés fundou o grupo “Quinta do Bill” em 1987, pelo que a banda já comemora 35 anos de existência. Foto: DR

Quem é Moisés com a Quinta do Bill e quem é Moisés sem a Quinta do Bill?
Acabo por ser a mesma pessoa. Porque a Quinta do Bill para mim é tudo, já faz parte da minha vida. São 35 anos, é uma vida. Portanto a Quinta do Bill é o meu percurso de vida. Este Moisés a solo é um aparte, é um pequeno desvio que acaba também por ter muita coisa em comum, nomeadamente os músicos com quem estou a trabalhar, mas é uma forma de fazer canções diferentes, num formato diferente, paralelamente ao trabalho da Quinta do Bill. Mas, para todos os efeitos, a Quinta do Bill é o meu grande projeto de vida.

É também professor em Mação?
Estive em Mação, sim, mas já saí. Era professor de Educação Musical do segundo ciclo.

Gosta de ensinar?
É gratificante constatar que os jovens gostam de música, gostam de aprender, de praticar, gostam da performance, e é gratificante quando conseguimos, às vezes com muito esforço, montar um repertório. Eles sentem-se também muito realizados quando conseguem por em prática os seus conhecimentos.

Vê muita diferença entre a juventude atual e a sua juventude? Acha que estão agora mais ou menos despertos para causas sociais?
Penso que há de tudo. Às vezes há um bocadinho a tendência de se achar que os mais jovens estão alheados da vontade de conhecer o mundo à sua volta, mas eu penso que não. No fundo eles sabem assimilar, às vezes não exteriorizam, mas assimilam. A própria escola é muito importante na formação integral dos nossos jovens.

Para Carlos Moisés, a música é “um fator vital”. Foto: mediotejo.net

O que está ainda por fazer?
Há sempre muitos projetos, mas muitos deles não saem do papel. Basicamente eu penso que a nossa vida deve ser o mais preenchida possível, assim é que ela faz sentido. E quando iniciamos um projeto novo isso dá-nos muito ânimo, muita vitalidade, e muito trabalho também. É sempre um desafio começar do zero. Mas basicamente o que eu gostaria de continuar a fazer – porque é aquilo que eu mais gosto de fazer –  é canções. Gosto muito de compor canções e depois pô-las em prática. Seja em concertos, seja em trabalhos editados, e gostaria de poder ter condições e saúde para continuar nessa minha aventura de construir canções.

“Basicamente o que eu gostaria de continuar a fazer – porque é aquilo que eu mais gosto de fazer –  é canções.”

Quais as principais marcas na sua carreira, tanto positiva como negativamente?
A negativa, no início – embora agora consiga já contornar de certa forma esse processo – foi em termos sociais e familiares, quando de repente fomos requisitados para estar constantemente na estrada, e houve aqui de certa forma alguma necessidade de contornar isso, mas no meu caso pessoal, com a ajuda da família, conseguimos ultrapassar essa questão. Os positivos são inúmeros e eu costumo enunciar que, para mim, o principal foi realmente conhecer, primeiramente, Portugal, que eu não conhecia, Portugal continental e ilhas, com todas as suas culturas, com todas as suas tradições. Isso enriqueceu-me muito. Tive a oportunidade de fazer muitos amigos ao longo destes anos todos na estrada. E também nas comunidades portuguesas lá fora. Ultimamente não temos viajado, mas já fomos a muitos países ter com as comunidades portuguesas, desde Macau, Moçambique, Canadá, França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, tantos, tantos e tantos… e isso também me enriqueceu muito, toda essa vivência, essa experiência e partilha.
Ultimamente encetámos um projeto que apelidámos de “Sinfónico”, onde trabalhamos com filarmónicas, e constatámos efetivamente que o universo das filarmónicas em Portugal, em termos musicais e em termos sociais, é um processo muito importante na formação dos nossos jovens, além da questão associativa das pessoas que, não sendo estudantes de música, fazem música pelo prazer, e a ela dedicam muito tempo da sua vida. É essa também a grande importância do processo do associativismo. Mas nesse caso particular das filarmónicas temos tido experiências incríveis e temos constatado que elas evoluíram muito no seu nível artístico, precisamente pelo facto de os jovens terem começado a estudar música e praticarem música na filarmónica da sua terra. E a qualidade das filarmónicas deu um pulo enorme, atingiu um patamar de qualidade incrível, e tem sido uma experiência absolutamente marcante, esta partilha com as filarmónicas, com as bandas sinfónicas e com as orquestras também. Este processo, para mim particularmente, tem sido muito rico e tem-me deixado muito realizado.

O que significa para si a música?
A música para mim é um fator vital. Acho que não conseguiria viver sem música. A música para mim é de tal maneira, emocionalmente, uma vibração tão forte que faz inclusivamente com que tenha aprendido ao longo do tempo a superar momentos mais difíceis agarrando-me à música. Isto porquê? Todos nós temos momentos em que ficamos um bocadinho mais prostrados, com menos ânimo, e eu costumo dizer que tenho sempre um grande recurso, uma grande solução, que é pegar no piano ou na guitarra e começar a cantar, a fazer uma música ou um esboço de uma música. Sinto-me numa outra dimensão e consigo descolar das partes negativas da vida e colar-me a essa dimensão artística e estética que me transporta para boas vibrações, para um estado de espírito emocional muito mais positivo. Daí que a música para mim é vital. A música para mim é vida.

Como encara a música atualmente a nível nacional e mundial, fazendo também a comparação de quando se iniciou neste meio?
Penso que houve sempre muita criatividade, dentro dos variadíssimos géneros, das tendências, ao longo dos tempos. Atualmente em Portugal estamos a viver e a assistir a um período de criatividade incrível, dentro dos vários estilos também. A internet acabou por permitir expor e divulgar de outra forma os inúmeros projetos que vão surgindo – talvez com um bocadinho mais de dificuldade nos meios de comunicação tradicionais, seja a televisão, seja a rádio, aí é difícil porque é tudo muito mais filtrado – mas quem queira estar a par do que se vai fazendo e faça uma pequena pesquisa, encontra projetos muito interessantes, com muita qualidade, nos variadíssimos géneros, desde a música mais alternativa à música mais ligeira, ao pop, ao rock, ao clássico, aos grandes compositores clássicos atuais que estão a fazer obras incríveis, à música folk e à música tradicional também. Agora era bom, e o ideal seria haver espaço para divulgar tudo o que se vai fazendo em Portugal, e infelizmente isso não acontece. Só à custa de muito esforço e da carolice de muitos é que se consegue continuar com os projetos. Mas eu, que conheço minimamente o que se vai fazendo, constato que há muita, muita gente a fazer um trabalho muito bom, de muita qualidade, em Portugal.

“A música para mim é vital. Acho que não conseguiria viver sem música.”

A internet, no geral, foi positiva para o meio musical?
Neste aspeto foi, mas na questão dos direitos e da edição… para os artistas foi de certa forma um grande golpe na rentabilidade dos seus direitos. A partir do momento em que as pessoas têm acesso gratuito às obras, não têm que pagar por elas, isso moldou e transformou completamente o panorama do audiovisual em Portugal. Daí a importância dos espetáculos, que continuam a ser ainda a forma de os artistas terem uma recompensa pelo seu trabalho. A internet ajudou em termos de divulgação, sim, porque chega a todas as pessoas, mas também como há tanta informação, acaba às vezes por… ela tem de ser filtrada, se não às vezes também há projetos que acabam por se desvanecer.

Carlos Moisés abraça a causa ambiental desde jovem, numa altura em que ainda era “uma manifestação residual e marginal”. Foto: mediotejo.net

Outras paixões além da música?
Eu tenho outra paixão que é conhecer lugares, viajar, mas infelizmente não tenho viajado muito. Acho que é conhecer outras culturas e outras realidades que também nos faz abanar um bocadinho a nossa forma de estar na vida. Outra paixão que eu tenho, e muitas vezes não tenho tanto tempo como gostaria para ela, é precisamente ouvir música e ler. E ver espetáculos, também. É importante vermos o trabalho dos outros e vibrarmos com os trabalhos dos outros, porque nós não estamos sozinhos nisto. Perguntam-me muitas vezes se eu tenho influências… inúmeras, inúmeras, e não acredito que haja alguém que faça qualquer coisa sem influências. Tudo o que eu faço tem a ver com aquilo com que eu vibrei e com o que vivi com o trabalho dos outros. Agora há o grande desafio – e que é imperioso –, que é tentar filtrar e não copiar, e introduzir um cunho pessoal e uma linguagem o mais pessoal e singular possível. Esse é o grande desafio.

E há algumas referências que queira mencionar?
Há muitas. Desde a minha juventude acompanhei todos estes cantautores, como José Mário Branco, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, mas também grupos de pop e rock, desde Jafumega, os Trovante e tantos outros. Estrangeiros, desde pequenino que oiço Beatles, Creedence, Beach Boys – que ainda hoje me fascinam pelos arranjos vocais –, desde coisas mais contemporâneas como os Arcade Fire, que também mexe muito comigo a sua obra, e tantos outros, seria aqui um rol interminável de gostos musicais e de influências.

Tem alguma causa em particular que defenda, pela qual se debata?
Sim, eu desde jovem abracei a questão ambiental. Já naquela altura, quando ainda era de certa forma uma manifestação residual e marginal, ainda nem sequer havia Ministério do Ambiente, sempre foi uma questão que me sensibilizou, porque nasci no interior e a questão da preservação da natureza sempre esteve presente na minha vida. Infelizmente esse é o grande desafio da Humanidade e todos nós sabemos que estamos com os dias contados. Se não fizermos nada, vai ser muito dramático. Daí que, infelizmente, continua uma causa muito atual e todos devem ser sensíveis e contribuir realmente para resolver problemas de fundo no que toca à nossa forma de lidar com a natureza.
E depois há outras questões, que se prendem muito com questões sociais. Continuamos infelizmente a assistir a um grande sofrimento por parte de muitas pessoas espalhadas pelo mundo, tantos e tantos povos onde há exploração e onde há guerra… estamos neste preciso momento a lidar com uma ameaça de guerra aqui tão próximo de nós, e isso é uma coisa que me toca muito e me deixa muito triste: ver que as pessoas não perceberam que as guerras são um flagelo enorme que não trazem felicidade a ninguém, só trazem desgraça e sofrimento. E depois constatar que ainda há pessoas que têm fome, que morrem de fome. Saber que há crianças subnutridas e que morrem de fome… toca-me, enquanto cidadão, não apenas português, mas cidadão do mundo. Somos todos parte integrante disto tudo. E essas questões foram surgindo em muitas canções da Quinta do Bill, os textos manifestam essas preocupações.

“Saber que há crianças subnutridas e que morrem de fome… toca-me, enquanto cidadão, não apenas português, mas cidadão do mundo.”

Que mensagem quer deixar a quem nos leia, para que no dia 18 vá assistir ao “Primeiro Solo”?
A primeira mensagem é que não deixem de ir, apareçam. Seria um gosto enorme ter uma sala composta para dar a conhecer melhor presencialmente este trabalho, porque as vibrações são sempre diferentes quando ouvimos uma música gravada e quando a ouvimos ao vivo. E portanto faço o apelo para que venham, venham fazer-nos companhia, estarei depois disponível para autografar os CD. E além do concerto haverá com certeza ali a possibilidade de termos um momento de partilha e de conversa, e se calhar vou reencontrar amigos que já não vejo há muito tempo… tenho grandes amigos na região, felizmente. Apareçam, sentir-me-ei muito realizado com a vossa presença.

O objetivo é “Dançar Até Que a Noite Caia”?
Esse é o primeiro single e acho que transmite precisamente essa boa vibração que surge quando se mexe o corpo. Mexendo o corpo, mexemos connosco, mexe a alma, mexe tudo – e teremos com certeza oportunidade de dançar até a noite cair.

Rafael Ascensão

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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