À primeira vista podíamos dizer que os Quinta do Bill começaram “Sem Rumo”, nome do primeiro álbum, mas depressa se afirmaram como “Filhos da Nação” e essa acolheu-os sem lhes dar descanso durante as três décadas que comemoraram em julho com um concerto na Praça da República, em Tomar. Uma entrevista de fundo com dois dos fundadores da banda, que hoje recuperamos, antecipando o muito que ainda aí vem.
A carreira musical da banda é conhecida, mas esta “melodia tomarense” que entra no ouvido com uma mistura de rock, folk e pop começou muito antes, inspirada em paisagens africanas e ensaios de garagem, motivada pelo jazz na Associação Canto Firme e pelo Bill que os recebeu na quinta e lhes emprestou o nome.
Pormenores que ficámos a conhecer na conversa que tivemos com Carlos Moisés e Paulo Bizarro durante uma entrevista no Parque do Mouchão em que podíamos ter recuado 30 anos no tempo. Quisemos mais e viajámos até às memórias antigas que ambos transportaram consigo nas diversas tours pelo país, quando fizeram a primeira parte do espetáculo de Bryan Adams no estádio de Alvalade ou nos concertos junto das comunidades portuguesas em diversos continentes.

A primeira curiosidade foi conhecer os dois fundadores que se conheceram na Classe de Jazz da Associação Canto Firme em meados da década de 80 no século passado através dos momentos que lhes inspirariam novas músicas. No caso de Carlos Moisés, demos por nós em Moçambique, na zona de Chimoio, antes do vocalista vir para o concelho de Tomar aos 12 anos com a família. Das “memórias africanas” destaca a infância “cheia de contacto com a terra, muito orgânica, e contacto com as gentes” com quem partilhava as fogueiras ao som dos “batuques”.
Paulo Bizarro, por seu lado, conhece a cidade templária desde sempre, salientando que apenas “foi nascer a Lisboa” e depressa regressou ao brincar na rua. Às “brincadeiras de miúdos” juntou-se o gosto do irmão pela guitarra clássica e pela flauta, a quem acabaria por se juntar nas aulas particulares, e os ensaios com os amigos, que iam rodando regularmente pelas casas dos pais depois de serem “expulsos”, lembra a rir.
Entre as bandas por onde andou surgiu a formada com Rui Dias, João Coelho e Fernando Paulo, que passariam a integrar a primeira formação dos Quinta do Bill.
A conquista dos tops musicais na década de 90 deu-se quando a moda era cantar em inglês e a língua portuguesa se associava à saudade e ao fado. Um feito que encaram com naturalidade, destacando que a grande questão não era tanto o cantar em português, mas o folk e terem como ponto de partida uma cidade do interior.
O início do percurso que trilharam nas últimas décadas fez-se com algumas pedras no sapato, mas as dificuldades em entrar no meio foram ultrapassadas com a afirmação de outras bandas nacionais, como os Sitiados, que ajudaram a habituar o público.

Os Quinta do Bill e a banda de João Aguardela também têm em comum a participação no Rock Rendez Vous (RRV) de 1988, cuja final foi disputada pelos Sitiados, Agora Colora e os vencedores Easy Gents.
A quinta edição do concurso de música moderna seria, igualmente, um dos momentos mais marcantes da banda fundada por Carlos Moisés e Paulo Bizarro em 1987, com a necessidade de escolher um nome que acompanhasse “a maquete”.
A história seria diferente se não tivessem descoberto a quinta “mais ou menos isolada” do “Sr. Guilherme”, o engenheiro que andava sempre com um chapéu de cowboy e era conhecido pelos amigos como Bill, para ensaiar.
Os Quinta do Bill surgiram “oficialmente” no balcão da discoteca “22”, em Ourém, e apesar do nome não ter reunido consenso, no início, depressa foi aceite e acabou por ficar associado à banda e à quinta em Valdonas (freguesia de Santa Maria dos Olivais, Tomar).
Outro passo importante foi o interesse crescente pela música tradicional portuguesa a partir da década de 80 que, segundo Carlos Moisés, se manteve até aos dias de hoje.
Exemplo disso é a postura das pessoas que “pulam e dançam” durante os concertos em que o ritmo acelerado de êxitos sem idade como “Voa”, “Menino”, “Filhos da Nação” ou “No trilho do Sol” se mistura com “A Única das Amantes” e “Se te Amo”, algumas das baladas que reuniram no álbum lançado quando fizeram 25 anos de carreira.
O novo single “Faz Bem Falar de Amor” foi lançado em 2016
O “outro lado” dos Quinta do Bill regressou no ano passado com o single “Faz Bem Falar de Amor”, recentemente premiado com o galardão Ari(t)mar de “Melhor Música Portuguesa de 2016” pela Escola Oficial de Idiomas de Santiago de Compostela.
O videoclipe com o filme de animação criado por Jorge Ribeiro também se tem destacado na área do cinema e das curtas-metragens, nomeadamente na exposição ANIMAR 12, inaugurada no passado mês de fevereiro com organização da equipa do Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema.
A mensagem é caraterizada por Carlos Moisés como um “amor-causa” ligado aos “tempos conturbados” que se vivem atualmente, marcados pelo “fantasma da guerra, da exploração e da falta de respeito pela dignidade humana”. Paulo Bizarro concorda com o vocalista quando este refere que ao longo dos anos abordaram o amor numa ótica de “união”, “respeito” e “cidadania” perante um tema que teima em manter-se atual e dá continuidade à vontade da banda em ter um papel ativo e de alerta contra a “ganância” e “as injustiças”.
Centrando-nos no ritmo, é ou não possível ouvir a banda sentado?
Os dois elementos da banda vencedora do concurso Aqui del Rock em 1990 riem-se e respondem que sim, apesar de no final dos concertos, mesmo em auditórios, haver sempre quem não resista. Em suma, o amor acaba sempre por dar lugar à paixão e à “festa” que ambos dizem ser imagem de marca da banda em palco, assumida na digressão “Siga a Festa” em 2014 que terminou com o concerto no Coliseu do Porto na companhia da Banda Sinfónica Portuguesa e mais tarde registado no álbum lançado em 2015.

Paulo Bizarro considera que os Quinta do Bill são das poucas bandas que atualmente fazem “esta abordagem do rock e do folk”. Das poucas, mas não a única pois existem outros projetos “interessantes” que, na sua opinião, deviam ter maior exposição “ao nível da comunicação social”, responsável por apertar o “filtro” e levar a que “determinado tipo de música não consegue mesmo passar na rádio”.
Estar nos tops “importa”, dizem, porque traz contactos para novos trabalhos, mas os concertos assumem-se como o momento mais importante de ligação com as pessoas e é com elas que os Quinta do Bill gostam de soprar as velas dos aniversários mais simbólicos da banda.
Fizeram-no no vigésimo aniversário, que registaram em CD e DVD, e voltaram a fazê-lo este ano novamente em Tomar, no concerto que assinalou na Praça da República os 30 anos da banda tomarense.
O instrumental “Gualdim Pais, umas vezes a trote outras vezes a galope” fez parte do alinhamento e o Grão-Mestre da Ordem dos Templários foi mais cedo para conseguir lugar na primeira fila.
Presente esteve também o “público transversal a diversas gerações” e “pouco homogéneo” que juntou pais e filhos no gosto pelos sons e as letras da banda formada pelos dois fundadores, e ainda por Carlos Calado, Jorge Costa, Miguel Urbano e Dalila Marques.

Ao palco sobe sempre o lado genuíno que marcou as últimas três décadas dos Quinta do Bill que une as origens com a preocupação de “trabalhar novas sonoridades e conhecer novos mundos”.
Em suma, a banda tomarense que prefere viver o dia-a-dia das próximas décadas e que quer continuar na estrada, adaptou-se ao tempo “sem perder a identidade” que a tornou num dos nomes de referência do panorama musical e assegura a “festa” onde quer que pare.