Carlos Moisés, vocalista dos Quinta do Bill desde 1987, lançou em 2021 o seu primeiro álbum a solo. Apresenta-o em Tomar no dia 18 de fevereiro. Foto: mediotejo.net

Ainda “era pequenino”, vivendo em terras africanas (Moçambique), e já os seus pais lhe diziam que “tinha qualquer coisa”. A música despertava-lhe vibrações fortes, tocava em caixas e cantava. Talvez já um prognóstico do “fator vital” que a música viria a constituir na sua vida. Já em Portugal e estabelecido em Tomar começa então os seus estudos musicais no Conservatório de Tomar e, paralelamente, na Canto Firme, na qual ingressou desde o seu início.

Viveu o ‘boom’ da música tradicional portuguesa, “encheu-se de coragem”, convidou Paulo Bizarro e Rui Dias para trabalhar as suas ideias e “foi assim que tudo começou”. Daí até o grupo Quinta do Bill estar cimentado no panorama musical português, com nove discos editados e inúmeras atuações por terras lusitanas e estrangeiras, foi uma sucessão de passos.

Desde jovem que abraçou a causa ambiental, numa altura em que esta era ainda muito “residual” e “marginal”. No que toca à música, considera que atualmente se está a assistir a um período de criatividade incrível em Portugal. Como influências do seu trabalho enuncia desde logo cantautores que o acompanham desde a sua juventude como José Mário Branco, Zeca Afonso ou Sérgio Godinho, grupos como Jafumega ou Trovante, mas também bandas estrangeiras como Beatles ou Beach Boys – que ainda hoje o fascinam pelos arranjos vocais – ou outras mais atuais como Arcade Fire.

“Quinta do Bill”, para si, é tudo. É o seu “grande projeto de vida”. Pelo que este “Moisés – Primeiro Solo” é um “à parte”, um “pequeno desvio”, algo a ser apresentado a todos os fãs que se deslocarem até ao Cine-Teatro Paraíso no próximo dia 18 de fevereiro, onde o objetivo final é “Dançar, até que a noite caia”. Foi este o mote para uma conversa com o mediotejo.net.

Carlos Moisés, junto ao rio Nabão, em Tomar, cidade que é para si o “berço”. Foto: mediotejo.net

Depois de 35 anos com Quinta do Bill, porquê um álbum a solo agora?
A ideia de fazer um disco à parte de Quinta do Bill é antiga, só se concretizou agora precisamente por causa das prioridades dos Quinta do Bill, dos trabalhos e da agenda dos Quinta do Bill, mas estas canções, que fazem parte deste “Primeiro Solo” são, em termos temporais, distantes. Há umas bastante mais antigas e outras mais recentes. E houve realmente a preocupação de, no trabalho de compilar as canções, que as tornasse minimamente homogéneas na questão formal, estética e entretanto também aconteceu a pandemia, que também atrasou um bocadinho o processo, mas finalmente no final do ano passado consegui reunir todas as condições para editar o disco. Basicamente a razão é essa. Como tenho dito, este é precisamente um trabalho paralelo à Quinta do Bill, porque a Quinta do Bill é o meu projeto de sempre, fundei a Quinta do Bill há 35 anos, fazemos este ano 35 anos – e vamos com certeza comemorar devidamente – mas quis mostrar talvez uma outra faceta, uma faceta como costumo dizer um bocadinho mais pop, o meu lado mais pop, e deixar de parte um bocadinho aquele folk-rock muito caraterístico da Quinta do Bill. E portanto – precisamente as pessoas quando conhecerem estas canções vão notar isso – não há um distanciamento total na minha forma de compor, mas houve a preocupação de fazer qualquer coisa diferente da Quinta do Bill, e apostei muito na questão das vozes, dos coros, porque é o meu instrumento principal, a voz, e trabalhei muito a questão da harmonia vocal. Mas quis trazer também alguma modernidade ao discurso, por exemplo, das guitarras. E nisso o André Moinho deu uma contribuição incrível no discurso das guitarras. E o álbum gravado a três – sou só eu o André Moinho e o Paulo Bizarro, ambos da Quinta do Bill – acaba por ser muito orgânico. Tem alguma complexidade em termos de arranjos mas em termos instrumentais é muito orgânico. E portanto de certa forma isso também distanciou um bocadinho da sonoridade da Quinta do Bill, que era também o que eu pretendia. Basicamente é isso.

“(…) são dois anos em que atravessámos todos muitas dificuldades, em termos económicos, em termos sociais, em termos familiares – porque há muitas famílias em que toda a família trabalha neste ramo – e portanto são tempos muito difíceis que queremos esquecer, queremos deixar para trás e queremos acreditar que vamos finalmente retomar este ano em pleno a atividade”

A pandemia não foi, portanto, um fator que levou ao surgimento do álbum?
Não, porque este projeto já é anterior. As canções estavam todas feitas e a maior parte estavam gravadas antes já da pandemia. Naquela altura que apareceu a pandemia, faltavam gravar algumas coisas e portanto foi uma ajuda no processo de atraso, mas não foi o principal responsável.

Por falar em pandemia, como vê esta crise que afetou gravemente os músicos e os artistas, nomeadamente na falta de proteção social, tendo até em conta o seu caso pessoal e da Quinta do Bill?
Eu acho que a questão da pandemia foi transversal a todos os que se movem na área artística e na área dos eventos também, porque a área artística traz atrás de si uma série de profissões e de atividades inerentes a todo o processo de organização de um evento. E isto foi transversal. Tocou a todos, foi muito dramático, ainda está a ser, porque apesar desta recuperação lenta ainda não estamos a trabalhar em pleno, e portanto são dois anos em que atravessámos todos muitas dificuldades, em termos económicos, em termos sociais, em termos familiares – porque há muitas famílias em que toda a família trabalha neste ramo – e portanto são tempos muito difíceis que queremos esquecer, queremos deixar para trás e queremos acreditar que vamos finalmente retomar este ano em pleno a atividade. E as próprias pessoas também precisam de cultura, precisam da arte também, faz parte das suas vidas e estou com muita esperança que seja este ano a grande retoma.

O álbum contou com diversas participações, talvez um dos pontos altos seja uma canção com uma letra inédita de José Mário Branco…
Sim, e é das primeiras canções a aparecer para este projeto. Eu sempre acompanhei a obra do José Mário, faz parte da minha formação desde jovem, não o conhecia pessoalmente – estivemos juntos uma vez num concerto mas não tínhamos propriamente uma relação pessoal – e eu enchi-me de coragem e enviei-lhe uma mensagem com uma música que imaginei logo que seria com a letra dele. Portanto eu fiz primeiro a música, depois enviei e ele pôs as suas palavras por cima. Enchi-me de coragem, enviei-lhe a canção e disse-lhe que gostaria imenso que ele escrevesse a letra, ele disse que sim, aceitou, gostou imenso da canção, e a partir daí começámos a trabalhar, sempre à distância. Ele, como todos sabem, era muito exigente em termos de trabalho, era muito perfecionista, gostava muito de trabalhar a questão das sílabas, da métrica, e ajudou-me muito nesse aspeto. Infelizmente faleceu e já não tenho o prazer de lhe oferecer um disco, mas ele acabou por conhecer a canção já no seu formato final. Mas pronto, o processo foi esse, para todos os efeitos é um inédito desta figura maior da música portuguesa que é o José Mário Branco, e para mim é uma honra e um privilégio poder contar com uma letra sua, com um original seu, neste trabalho.

Sobre José Mário Branco, revê-se mais na sua figura como músico produtor e compositor ou mais como músico de intervenção?
Como o todo. A obra de José Mário Branco é importante em várias vertentes, tanto na questão estritamente musical, como social e toda a mensagem que ele sempre transportou em toda a sua obra. Ele ultimamente estava um bocadinho arredado dos palcos, eu inclusivamente ainda tentei que ele conseguisse cantar uma frase mas ele declinou porque disse que já estava afastado das gravações, ele estava neste momento a dedicar-se à produção. Sempre gostei muito da sua obra no todo, integral, que encerra em si mensagens muito fortes. E mesmo em termos musicais e de produção não podemos esquecer que ele foi o grande responsável pela grande produção de Zeca Afonso, por exemplo do Cantigas do Maio, que é uma produção já naquela altura, penso eu, muito à frente. Para mim as suas canções sempre me acompanharam e como eu disse foi realmente um privilégio e uma honra poder contar com a sua letra, de certa forma sinto-me muito realizado, à semelhança de todos os outros que eu convidei para escrever letras.

O disco de estreia a solo de Carlos Moisés, conta com 10 canções. Foto: DR

Qual é a mensagem principal ou que quer transmitir aqui com este primeiro álbum a solo?
Todas as canções são diferentes, aliás, todos os autores das canções são diferentes. Para além do José Mário tenho também um poema do grande escritor português José Luís Peixoto, que é um processo que tinha sido encetado já com a Quinta do Bill desde 2006, e que também tenho a honra e o privilégio de poder contar com um poema seu, inclusivamente declamou parte do poema na canção ‘Tempo de Saber e de Viver’. Para além de companheiros que já trabalhamos há muito tempo, desde o Sebastião Antunes, o Tim dos Xutos [& Pontapés] escreveu uma letra, o Moz Carrapa e também o jornalista e escritor Joaquim Franco. Portanto eu quando faço as canções envio e deixo completamente ao critério, dou toda a liberdade para quem escreve manifestar aquilo que quer dizer na canção. Daí que não há propriamente aqui um processo homogéneo em termos de mensagem, portanto talvez a única questão homogénea que há aqui, ou o fio condutor, seja na parte mais estritamente musical. Agora em termos de canções, todas elas são canções soltas que revelam o universo de escrita dos autores do texto mas que depois se congregam e reúnem num conjunto físico e digital.

Vai apresentar o álbum em Tomar, no dia 18 de fevereiro, como vai ser voltar a casa, desta vez para atuar a solo?
A solo que não vou estar a solo, vou estar muito bem acompanhado [risos], porque vou estar acompanhado com os músicos que gravaram comigo este disco, o Paulo Bizarro e o André Moinho, e também se vai juntar a nós o baterista José Carlos Duarte. Vou ter um convidado especial, porque também faz parte deste processo, mas gostaria que ficasse como surpresa. Vamos tocar na integra as canções do disco, pela ordem do disco, e vamos tocar também um extra, que é uma canção que esteve para fazer parte do disco mas depois por uma boa causa, acabou por ser cedida a um hino em prol das vítimas do Idai [ciclone que atingiu Moçambique em 2019] e eu e o autor da letra [Joaquim Franco] pensámos que seria uma ótima canção para ajudar e fazer parte da campanha da SIC Esperança. Mas é uma canção que estava dentro do processo, e nós para todos os efeitos tocamos também, apesar de não estar no disco, que se chama “Terra Mãe que Fala”.

É uma sensação diferente, tocar em Tomar?
Bem, Tomar é o berço, não é? Foi aqui que tudo começou. Eu sinto, claro, um enorme carinho pelas pessoas em Tomar, pelo meu percurso artístico e espero que venha o maior número de pessoas fazer a festa comigo, mas sinto sempre constantemente que as pessoas gostam de acompanhar, tanto a solo como com os Quinta do Bill, o meu processo artístico.

Como olha para a cidade de Tomar, principalmente a nível cultural?
Eu acho que nos últimos tempos se tem feito um esforço enorme para mexer e para implementar aqui uma dinâmica cultural regular, que não seja só pontual mas que seja regular, e isso está a acontecer. E sinto que as pessoas agradecem, porque a própria cidade, toda ela, vive muito do seu património, da sua cultura, e são fatores muito importantes na dinâmica destas cidades com um peso histórico muito grande, e finalmente as pessoas perceberam que a parte cultural também tem de fazer parte do processo. E estou a sentir que há muita vontade fazer coisas, de mostrar, de dar a conhecer às pessoas e portanto fico muito feliz por isso acontecer.

Como despertou para a música, como surgiu esta veia musical?
Os meus pais dizem que desde pequenino sentiram logo que eu tinha qualquer coisa… a música despertava em mim vibrações muito fortes, e desde pequenino que tocava em caixas, e tudo e cantava… mas eu nasci em Moçambique, e na terra onde eu vivia não havia propriamente escolas de música, nem havia formação, mas lá assimilei inclusivamente a música tradicional africana, [com a qual] tive contacto direto, mas quando venho para Portugal, naquela altura para a Metrópole, e venho para Tomar, começo então os meus estudos musicais – já um bocadinho tarde – quando aparece aqui o Conservatório em Tomar e depois paralelamente aparece também o Canto Firme – que eu desde a sua génese ingressei no Canto Firme – e depois acabo por fazer também o Conservatório em Lisboa, e portanto a formação académica começa aí. Mas paralelamente vou fazendo coisas muito no âmbito do associativismo, nomeadamente com a Canto Firme. Vivi muito aquele “boom” da música tradicional portuguesa, tive um grupo de música tradicional que se chamava precisamente “Grupo de Música Popular da Canto Firme”, e em 1987 eu enchi-me de coragem – porque eu também andava a fazer canções, mais no formato pop – e tendo conhecido o Paulo Bizarro e o Rui Dias numa aula de jazz, convidei-os para trabalhar as minhas ideias, e foi assim que tudo começou. Devagarinho, devagarinho, foi entrando mais um músico, o João Coelho na bateria, e começámos a trabalhar as canções que eu estava a fazer. Depois a partir daí foram os concursos da Música Moderna, que na altura eram a grande porta para mostrar aquilo que os jovens faziam, e finalmente conseguimos vencer um concurso em 1990, na RTP, que deu lugar à gravação do primeiro disco, e aparece então o “Sem Rumo”, que sai dois anos depois, em 1992. Mas o grande salto aparece em 1994 com o disco “Os Filhos da Nação”, que foi um êxito enorme e que transporta os Quinta do Bill para o panorama nacional da música. Foi aí o grande salto. A partir daí conseguimos fazer espetáculos, fazer discos e conseguimos consolidar a nossa posição no universo da música portuguesa. Muito resumidamente, é este o percurso.

Carlos Moisés fundou o grupo “Quinta do Bill” em 1987, pelo que a banda já comemora 35 anos de existência. Foto: DR

Quem é Moisés com os Quinta do Bill e quem é Moisés sem os Quinta do Bill?
Acaba por ser muito a mesma pessoa. Acaba porque a Quinta do Bill para mim é tudo, já faz parte da minha, quer dizer são 35 anos, é uma vida. Portanto a Quinta do Bill é o meu percurso de vida. Este Moisés a solo é um aparte, é um pequeno desvio que acaba também por ter muita coisa em comum, nomeadamente os músicos com que estou a trabalhar, mas é uma forma de fazer canções diferentes, num formato diferente, paralelamente ao trabalho da Quinta do Bill. Mas para todos os efeitos a Quinta do Bill é o meu grande projeto de vida.

É também professor em Mação?
Estive em Mação, sim, mas já saí. Era professor de Educação Musical do segundo e terceiro ciclo.

E como era lidar com os alunos, sendo uma figura da música portuguesa?
Era pacífico, eles acabam por achar piada e pedem muito para cantar as minhas canções, mas temos um programa para cumprir [risos]. Mas é um processo pacífico. Isto também é temporário, nem sempre estou colocado, mas para todos os efeitos a minha grande atividade prende-se com a Quinta do Bill.

Ensinar é também um gosto?
Penso que é gratificante constatar que os jovens gostam de música, gostam de aprender e gostam da performance, gostam de praticar a música, e isso é gratificante quando conseguimos, às vezes com muito esforço, montar um reportório. Para além dos conteúdos que são lecionados, também montar um reportório, e sinto realmente que eles se sentem também muito realizados quando conseguem por em prática os seus conhecimentos.

“(…) eu penso que a nossa vida deve ser o mais preenchida possível, assim é que ela faz sentido”

Vê muita diferença entre a juventude atual e a juventude do seu tempo de jovem? Acha que os jovens estão agora mais ou menos despertos para causas sociais?
Penso que há de tudo. Às vezes há um bocadinho a tendência de se achar que os mais jovens estão um bocadinho alheados da vontade de conhecer o mundo à sua volta, mas eu penso que não. No fundo eles sabem assimilar, às vezes não exteriorizam, mas assimilam. A própria escola é muito importante na formação integral dos nossos jovens.

Para Carlos Moisés, a música é “um fator vital”. Foto: mediotejo.net

O que está ainda por fazer?
Há sempre muitos projetos, mas muitos deles não saem do papel. Mas basicamente eu penso que a nossa vida deve ser o mais preenchida possível, assim é que ela faz sentido. E quando iniciamos um projeto novo isso dá-nos muito ânimo, muita vitalidade, muita força anímica, e muito trabalho também. É sempre um desafio começar do zero. Mas basicamente o que eu gostaria de continuar a fazer – porque é aquilo que eu mais gosto de fazer, é canções, gosto muito de compor canções – e depois pô-las em prática. Seja em concertos, seja em trabalhos editados, e eu gostaria de poder ter condições e ter saúde para continuar nessa minha aventura de construir canções e portanto basicamente, assim à priori, é o meu grande objetivo. Provavelmente poderão surgir projetos diferentes, que eu vou abraçar com certeza com muito entusiasmo.

Quais as principais marcas na sua carreira, tanto positiva como negativamente?
A negativa, no início – embora agora consiga já contornar de certa forma esse processo – foi em termos sociais e familiares, quando de repente fomos requisitados para estar constantemente na estrada, e houve aqui de certa forma alguma necessidade de contornar isso, mas no meu caso pessoal, com a ajuda da família, conseguimos ultrapassar essa questão. Os positivos são inúmeros e eu costumo enunciar que para mim o principal foi realmente conhecer, primeiramente, Portugal, que eu não conhecia, Portugal continental e ilhas, com todas as suas culturas, com todas as suas tradições, para mim isso foi muito rico, enriqueceu-me muito. Tive a oportunidade de fazer muitos amigos ao longo destes anos todos na estrada. E também nas comunidades portuguesas lá fora. Ultimamente não temos ido, mas já fomos a muitos países ter com as comunidades portuguesas, desde Macau, desde Moçambique, Canadá, França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, tantos, tantos e tantos, e isso também me enriqueceu muito, é muito rico toda essa vivência, essa experiência e partilha. Ultimamente encetamos um projeto que apelidamos de “Sinfónico”, onde trabalhamos com filarmónicas, e constatámos efetivamente que o universo das filarmónicas em Portugal, em termos musicais e em termos sociais, é um processo muito muito importante na formação dos nossos jovens, para além da questão associativa das pessoas que, não sendo estudantes de música, fazem música pelo prazer, e dedicam muito tempo da sua vida. É essa também a grande importância do processo do associativismo. Mas nesse caso particular das filarmónicas temos tido experiências incríveis e temos constatado que elas evoluíram muito no seu nível artístico, precisamente pelo facto de os jovens terem começado a estudar música e praticarem música na filarmónica da sua terra. E a qualidade das filarmónicas deu um pulo enorme, atingiu um patamar de qualidade incrível, e tem sido uma experiência absolutamente marcante, esta partilha com as filarmónicas, com as bandas sinfónicas e com as orquestras também. E portanto, ultimamente este processo, para mim particularmente, tem sido muito rico e tem-me deixado muito realizado.

O que é para si a música?
A música para mim é um fator vital. Acho que não conseguiria viver sem música. A música para mim é de tal maneira emocionalmente uma vibração tão forte que faz inclusivamente com que tenha aprendido ao longo do tempo a superar momentos mais difíceis agarrando-me à música, recorrendo à música. Isto porquê? Todos nós temos momentos um bocadinho mais prostrados, com menos ânimo, e eu costumo dizer que tenho sempre um grande recurso, uma grande solução, que é pegar no piano ou na guitarra e começar a cantar, a fazer uma música ou um esboço de uma música. Sinto-me numa outra dimensão e consigo descolar das partes negativas da vida e colar-me a essa dimensão artística e estética que me transporta para boas vibrações para um estado de espírito emocional muito mais positivo. Daí que a música para mim é vital, como eu costumo dizer, é vida. A música para mim é vida.

“Atualmente em Portugal estamos a viver e a assistir a um período de criatividade incrível, dentro dos vários estilos também”

Como encara a música atualmente a nível nacional e mundial, fazendo também a comparação de quando se iniciou neste meio?
Penso que houve sempre muita criatividade, dentro dos variadíssimos géneros, das tendências, portanto ao longo dos tempos. Atualmente em Portugal estamos a viver e a assistir a um período de criatividade incrível, dentro dos vários estilos também. A internet acabou por permitir também expor e divulgar de certa forma os inúmeros projetos que vão surgindo – talvez com um bocadinho mais de dificuldade nos meios de comunicação tradicionais, seja a televisão seja a rádio, aí é difícil porque é tudo muito mais filtrado – mas quem queira estar a par do que se vai fazendo e faça uma pequena pesquisa, temos projetos muito interessantes, com muita qualidade, nos variadíssimos géneros, desde a música mais alternativa à música mais ligeira, ao pop, ao rock, ao clássico, aos grandes compositores clássicos atuais que estão a fazer obras incríveis, à música folk e à música tradicional também, agora era bom, e o ideal seria haver espaço para divulgar tudo o que se vai fazendo em Portugal. Infelizmente isso não acontece e à custa de muito esforço e da carolice de muitos que conseguem continuar com os seus projetos. Mas eu, que conheço minimamente o que se vai fazendo, posso constatar que efetivamente há muita muita gente a fazer um trabalho muito muito bom, de muita qualidade, em Portugal.

A internet, no geral, foi algo positivo para o meio musical?
Neste aspeto foi, depois a questão dos direitos e da edição, ou seja, a gente sabe que para os artistas foi de certa forma um grande golpe na rentabilidade dos seus direitos. A partir do momento em que as pessoas têm acesso gratuito às obras, não têm que pagar por elas, isso moldou e transformou completamente o panorama do audiovisual em Portugal. Daí a importância dos espetáculos que continua a ser ainda o grande formato, a forma, de os artistas terem uma recompensa do seu trabalho. A internet em termos de divulgação sim, porque chega a todas as pessoas, mas também como há tanta informação, acaba às vezes por… ela tem de ser filtrada se não acaba às vezes também por se desvanecer.

Abraça a causa ambiental desde jovem, numa altura em que ainda era “uma manifestação residual e marginal”. Foto: mediotejo.net

Outras paixões além da música?
Eu tenho outra paixão que é conhecer lugares, viajar, mas infelizmente não tenho viajado muito. Porque acho que é constatando as outras culturas e as outras realidades que também nos faz abanar um bocadinho a nossa forma de estar na vida e outra paixão que eu tenho, que muitas vezes não tenho tanto tempo como gostaria também é precisamente ouvir música e ler. E ver espetáculos, também é importante para vermos o trabalho dos outros e vibrarmos com os trabalhos dos outros, porque nós não estamos sozinhos nisto, perguntam-me muitas vezes se eu tenho influências… inúmeras, inúmeras, e não acredito que haja alguém que faça qualquer coisa sem influências. Ou não o assume, mas de certeza que tem. E tudo o que eu faço tem a ver com o que vibrei e vivi com o trabalho dos outros, agora há o grande desafio e é imperioso, que é tentar filtrar e não copiar, e introduzir o seu cunho pessoal e a sua linguagem o mais pessoal e singular possível. Esse é o grande desafio.

E há então algumas referências que queira mencionar?
Há muitas. Desde a minha juventude que acompanhei todos estes cantautores como José Mário Branco, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, mas também grupos de pop e rock, desde Jafumega, os Trovante e tantos outros. Estrangeiros, desde pequenino que oiço Beatles, Creedence, Beach Boys – que ainda hoje me fascinam pelos arranjos vocais – desde coisas mais contemporâneas como os Arcade Fire, que também mexe muito comigo a sua obra, e tantos outros, seria aqui um rol interminável de gostos musicais e de influências.

Tem alguma causa em particular que defenda, pela qual se debata?
Sim, eu desde jovem abracei muito a questão ambiental. Já naquela altura quando ainda era muito, de certa forma, uma manifestação residual e marginal, ainda era muito marginal, na altura ainda nem se quer havia Ministério do Ambiente, e sempre foi uma questão que me sensibilizou, porque nasci no interior, e a questão da natureza sempre esteve presente na minha vida e sempre me sensibilizou toda a questão da preservação do meio ambiente. Infelizmente esse é o grande desafio da humanidade e todos nós sabemos que estamos com os dias contados. Se não fizermos nada, vai ser muito dramático. Daí que infelizmente continua uma das causas muito atuais e todos devem ser sensíveis e devem contribuir realmente para resolver problemas de fundo no que toca à nossa forma de lidar com a natureza. E depois outras questões que se prendem muito com questões sociais. Continuamos infelizmente a assistir a grande sofrimento por parte de muitas pessoas espalhadas pelo mundo, tantos e tantos povos onde há exploração e onde há guerra, estamos neste preciso momento a lidar com uma ameaça de guerra aqui tão próximo de nós, e infelizmente isso é uma coisa que me toca muito e me deixa muito triste, saber ainda que as pessoas não perceberam que as guerras são um flagelo enorme que não trazem felicidade a ninguém, só trazem desgraça e sofrimento. E depois constatar ainda que ainda há pessoas que têm fome, que morrem de fome, crianças por exemplo, ainda há crianças subnutridas e que morrem de fome, e isso em termos globais toca-me, enquanto cidadão, não só cidadão português, mas cidadão do mundo, no fundo somos todos parte integrante disto tudo. E portanto essas questões – e muitas vezes nas canções, quem conheça minimamente as canções da Quinta do Bill – há muitas canções que através dos textos manifestam essas preocupações.

Que mensagem quer deixar ao público, às pessoas que no dia 18 vão assistir ao espetáculo?
A primeira mensagem é que não deixem de ir, apareçam. Seria um gosto enorme ter uma sala composta para dar a conhecer melhor presencialmente, porque as vibrações são sempre diferentes quando ouvimos uma música gravada e quando ouvimos ao vivo. E portanto faço o apelo para que venham, venham fazer-nos companhia, estarei depois disponível para autografar os CD. E para além do concerto também haverá com certeza ali a possibilidade de um momento de partilha e de conversa e se calhar reencontrar amigos que já não vejo há muito tempo, e eu sei que tenho grandes amigos na região, felizmente, a tal coisa que disse há pouco, a possibilidade de em tantos anos fazer amigos pelos vários locais. Apareçam, sentir-me-ei muito realizado com a vossa presença.

O objetivo é “Dançar Até Que a Noite Caia”?
Esse é o primeiro single, e exato, acho que transmite precisamente essa boa vibração de mexer o corpo, porque mexendo o corpo, mexemos connosco, mexe a alma, mexe tudo e teremos com certeza oportunidade de dançar até a noite cair.

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Rafael Ascensão

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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