Cruzeiro Religioso do Tejo segue num rio com baixo caudal movido pela fé das populações ribeirinhas. Foto: mediotejo.net

Em ano de seca e com o Tejo a sofrer com os baixos caudais, os barcos que integram o VIII Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo, II Cruzeiro Ibérico, têm sido movidos a fé pela participação calorosa das populações ribeirinhas e contornado as rochas e os bancos de areia graças ao apoio dos marítimos locais. Reportagem das etapas entre Tramagal e Constância, com alguns dos troços a terem de ser percorridos por estrada com a Senhora dos Avieiros.

Nada que apoquente a organização e retire força ao espírito de missão, que arrancou no dia 4 de junho, da zona fronteiriça espanhola/portuguesa, e vai descer o Tejo, até à foz: “as dificuldades existem para serem ultrapassadas e com a ajuda de Nossa Senhora dos Avieiros vamos chegar a Lisboa” no próximo dia 19 de junho, assegurou.

Cruzeiro Religioso do Tejo segue num rio com baixo caudal movido pela fé das populações ribeirinhas. Foto: mediotejo.net

Depois de concluída a segunda etapa em Rossio ao Sul do Tejo ao final da tarde de domingo, 5 de junho, a imagem peregrina de Nossa Senhora dos Avieiros rumou de carro até Rio de Moinhos, onde permaneceu até sexta-feira, 10 de junho. Dali, veio por terra até Tramagal, onde, cerca das 14h00, cerca de uma centena de populares aguardava a comitiva junto ao rio, com cânticos junto ao porto da barca, brincadeiras na água e famílias em confraternização em piqueniques.

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A celebração foi participada e sentida, com a comunidade a dar ânimo a uma comitiva que teve de reorganizar as etapas, sendo que, nesta sexta-feira, o único percurso por rio foi a ligação de Tramagal a Rio de Moinhos, também no concelho de Abrantes, na outra margem do Tejo. Dali e até Praia do Ribatejo, de onde partiria na manhã seguinte para uma nova etapa, o percurso foi feito por estrada.

Em Tramagal, escuteiros, religiosos e o presidente da Junta de Freguesia juntaram-se aos populares que quiseram ver de perto a imagem peregrina de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo, numa celebração de fé, de comunhão e de partilha de uma cultura ribeirinha identitária.

A imagem peregrina, segundo explicou ao mediotejo.net José Gaspar, membro da organização do Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo e da Confraria do Tejo, passa o ano na capela da praia da Vieira, na freguesia de Vieira de Leiria, local onde nasceu a cultura avieira, com a ida dos pescadores para navegar nos diversos rios portugueses, como o Tejo.

“A Praia da Vieira é onde a imagem regressa depois do Cruzeiro, na capela que lá está, que é a única que existe de madeira. É o sítio de origem dos pescadores que há cerca de 100 anos se deslocaram para as margens do Tejo, é lá que vamos buscar a imagem todos os anos, dando ideia também do percurso dos pescadores quando vinham para o Tejo. Este cruzeiro também simboliza este sacrifício, esta força, esta vontade de querer navegar e usufruir do Tejo, que é de nós todos”, salienta José Gaspar.

A logística do Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo está organizado em equipas: a equipa Terra, que dá apoio por estrada, garantindo as necessidades dos peregrinos e da equipa de barcos; a equipa de Barcos, e as equipas locais, compostas por elementos de cada comunidade ribeirinha, além da equipa de divulgação do Cruzeiro e a coordenação geral do evento, que está a cargo de José Gaspar. O voluntariado é a base de todo este Cruzeiro do Tejo.

Nos sítios onde vai parando, a imagem peregrina de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo umas vezes tem eucaristia, noutros locais há só momentos de oração, noutros há de tudo um pouco, como aconteceu no Tramagal, e, em determinadas pernoitas, as capelas ficam abertas para que as pessoas possam fazer as suas orações.

“Esta imagem tem feito a união destas pessoas, de quererem cada vez mais usufruir do Tejo, e a mensagem que ela traz é esta partilha. Tem sido algo cada vez com mais valor, é surpreendente a forma como as comunidades nos recebem, como foi o caso aqui hoje no Tramagal, de tal maneira que nos deixam emocionados”, sublinha José Gaspar.

Praia do Ribatejo marcou arranque da 4ª etapa do Cruzeiro Cultural e Religioso

Depois de pernoitar em Praia do Ribatejo, onde chegou por via terrestre tendo em conta a pouca água que corria no rio Tejo, a Nossa Senhora dos Avieiros partiu desta freguesia do concelho de Vila Nova da Barquinha na manhã de sábado, dia 11 de junho, escoltada por mais três barcos das comunidades locais ligadas ao rio.

Praia do Ribatejo marcou arranque da 4ª etapa do Cruzeiro Cultural e Religioso. Foto: mediotejo.net

Perante alguns devotos presentes, a VIII edição do Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo continuou o seu trajeto para aquela que é a quarta etapa, partindo de Praia do Ribatejo, seguindo até Alpiarça/Patacão – passando pelas localidades de Tancos, Arripiado, Vila Nova da Barquinha, Pinheiro Grande, Porto das Mulheres/Chamusca, Azinhaga/Golegã – saindo assim da região para avançar para a 5ª etapa, culminado em Alpiarça, na zona ribeirinha do Patacão.

Em declarações ao mediotejo.net, Fernando Freire, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, disse que a Nossa Senhora dos Avieiros significa a união de todas as margens, das pessoas, dos pescadores e de “uma cultura que não queremos esquecer, objetivamente aquelas pessoas que viviam do rio, sobreviviam, e que muito alimento deram aos nossos antepassados”.

O autarca considera ainda que esta passagem pelo concelho ganha um significado especial, uma vez que se realiza a Feira do Tejo 2022, evento maior do concelho, até porque “são os nossos recursos endógenos, nomeadamente as tradições, a tradição da arte e da pesca, porque por aqui passaram milhares e milhares de pescadores, os designados avieiros, os ciganos do rio”, afirmou.

Já Rui Rodrigues, por parte da Confraria Ibérica do Tejo, entidade organizadora, revelou que a iniciativa “tem estado a correr bem apesar de todas as contrariedades relativamente à falta de água”, algo que se deve também à “excelente” colaboração por parte de todas as entidades envolvidas e apoiantes da iniciativa “que nos têm apoiado e compreendido a situação e nos têm ajudado da melhor forma possível”, disse.

“Isto é uma iniciativa para as populações, para dinamizar a vinda das populações para o Tejo, e também para que a população possa ver o Tejo e possa exigir o regresso do seu Tejo. Tem sido também graças ao apoio de todas as comunidades ribeirinhas e todas as entidades, e principalmente juntas de freguesia e a câmaras que esta iniciativa do cruzeiro se tem realizado como em todas as outras edições tem sido possível fazer-se”, afirmou também Rui Rodrigues.

O elemento da organização referiu ainda ao nosso jornal que a receção por parte das comunidades tem sido “excelente”, embora não possa ser esquecido que ainda se vivem tempos pandémicos, pelo que “as coisas não correram como em edições anteriores, com uma forma muito mais esplendorosa, mas esperamos que no futuro, no próximo ano, as coisas corram muito melhor, e todos em conjunto estamos a trabalhar nesse sentido”, concluiu.

A peregrinação fluvial da imagem de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo é feita com embarcações típicas do Tejo, como o tradicional picoto e a bateira, e tem paragens nas diversas comunidades ribeirinhas e nas aldeias avieiras das margens do Tejo.

Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo à chegada a Rossio ao Sul do Tejo. Foto: Jorge Santiago/mediotejo.net

Como usual, o percurso “de fé e afetos” segue rio abaixo, numa peregrinação fluvial com cariz religioso mas também cultural, onde se aviva a memória da cultura avieira com paragens em 53 localidades ao longo de 15 dias, transpondo três barragens e dois açudes, dividido por nove etapas. Entre as diversas paragens, surgem os ‘portos’ das comunidades ribeirinhas para adoração à Santa, onde as gentes preparam receções solenes, cerimónias e até missas de campo ou nas igrejas e capelas próximas do desembarque, tudo em louvor da padroeira.

O cruzeiro constitui-se de um núcleo tradicional, com embarcações engalanadas como as bateiras – típicos dos pescadores avieiros – onde seguirá a imagem da santa padroeira do Tejo e das comunidades piscatórias, que a todos move nesta jornada fluvial.

Foi a Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo que sempre pediram auxílio nas alturas de maior aperto, fosse “em virtude das dificuldades ou dos perigos da navegação fluvial”, razão para que todas estas comunidades mantenham “um grande fervor religioso”.

A Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo, em honra de quem é realizado o Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo, foi consagrada na catedral de Santarém, pelo bispo de Santarém, e em Vila Velha de Ródão pelo bispo de Portalegre.

O objetivo continua fiel ao dia em que este evento começou: “celebrar e lembrar a memória do Tejo quando era um espaço a fervilhar de atividade e a verdadeira autoestrada para o transporte de mercadorias e de pessoas” que foi perdendo importância e deixando de servir esse propósito comercial, restando a pouca atividade piscatória nas zonas ribeirinhas, ao longo do Tejo.

Pretende-se, por isso, continuar a apostar nesta iniciativa, envolvida na candidatura da Cultura Avieira a Património Mundial, como forma de “reforçar a identidade das comunidades, aproximando-as através da partilha cultural e religiosa; aproximar as comunidades do rio Tejo para usufruírem da sua riqueza; transformar as comunidades ribeirinhas em elementos divulgadores das enormes potencialidades do rio na área do turismo sustentável e das culturas a ele associadas”.

Organizado pela Confraria Ibérica do Tejo (CIT), o VIII Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo/ II Cruzeiro Ibérico do Tejo conta com o apoio de perto de 160 entidades ao longo do Tejo, entre elas câmaras municipais, juntas de freguesia e paróquias, organismos e entidades nacionais como o Ministério do Ambiente, o Ministério da Administração Interna, Ministério da Defesa, a Guarda Nacional Republicana, a Marinha, além do apoio de associações, coletividades e empresas ao longo do rio.

De referir que o último Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo realizado antes da interrupção causada pela pandemia, em 2019, teve ao longo de todo o evento uma participação de mais de 12.000 pessoas, sendo que terão participado 250 embarcações na peregrinação fluvial ao longo do Tejo.

*Fotos e multimédia: Jorge Santiago e David Belém Pereira

Notícia relacionada:

Programa completo, das 9 etapas deste Cruzeiro de fé e afetos, que une Portugal e Espanha:

Mário Rui Fonseca

A experiência de trabalho nas rádios locais despertaram-no para a importância do exercício de um jornalismo de proximidade, qual espírito irrequieto que se apazigua ao dar voz às histórias das gentes, a dar conta dos seus receios e derrotas, mas também das suas alegrias e vitórias. A vida tem outro sentido a ver e a perguntar, a querer saber, ouvir e informar, levando o microfone até ao último habitante da aldeia que resiste.

Rafael Ascensão

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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