Maria dos Anjos Esperança, 63 anos, natural de Figueiró dos Vinhos, coimbrã de gema, coordena a Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo, onde viveu nos últimos dois meses uma das experiências mais intensas da sua carreira profissional. Nunca, nem quando surgiu a Sida ou a Gripe A, foi necessária uma coordenação desta magnitude para conter uma pandemia. O processo foi desafiante, com o conhecimento a ser adquirido gradualmente e ainda cercado de incertezas. Mas a delegada é peremptória: “O isolamento social foi das decisões mais importantes para prevenirmos esta doença.”
Têm sido semanas agitadas na Unidade de Saúde Pública da região, localizada em Tomar, mesmo ao lado do tribunal, onde o extenso parque em obras parece deixar o edifício no meio de um estado de calamidade – como se materializasse as emoções vividas nas últimas semanas por quem ali trabalha. No interior, o sossego dificilmente deixa adivinhar que nos encontramos, ainda, no vórtice de uma crise pandémica.
Maria dos Anjos Esperança não vê o filho desde fevereiro. “Tenho uma família muito compreensiva”, confidencia, admitindo que a pandemia a tem feito trabalhar muitas horas extraordinárias, inclusive aos fins de semana. “Falamos pelo computador”, explica, matando assim as saudades. Já o marido vai visitá-la frequentemente à Unidade de Saúde Pública.
“Devíamos todos fazer uma estátua à Dra. Maria dos Anjos Esperança, nunca vi uma Delegada de Saúde assim. Todo o seu nome faz jus à sua pessoa”, disse recentemente em entrevista ao mediotejo.net o Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo, Carlos Andrade Costa.
E quem é esta mulher, responsável pela coordenação das respostas de saúde pública dos mais de 250 mil habitantes desta região?
Apaixonou-se pela especialidade em 1981, num estágio de duas semanas antes de fazer o exame de Medicina. Apesar da nota final de curso lhe ter aberto as portas a todas as áreas, optou por esta vocação. “A prevenção da doença é uma das coisas que me apaixona e o lidar com as pessoas de uma forma diferente da medicina curativa para mim é muito satisfatório”, confessa.
Nesta área acompanhou os anos iniciais da SIDA e os problemas que então gerou. Uma doença então muito ligada à sexualidade e carregada com vergonha pelo utente, que nem sempre a admitia. Mas embora a sensibilização também tenha sido significativa, em nada se compara ao que se vive atualmente com o novo coronavírus, considera.
Para melhor se preparar para combater a covid-19, a equipa do ACES Médio Tejo contactou com colegas que estavam ao corrente da situação de Itália. Foi desse país, aliás, que chegaram alguns dos primeiros casos à região, nomeadamente de uma Feira de Pele. A metodologia para combater o vírus foi-se desenvolvimento com o passar das semanas e as novas informações que iam sendo recebidas.
“Fomos descobrindo aos poucos que efetivamente a transmissão era só entre humanos, quais eram as medidas de prevenção mais eficazes a pôr em prática e, com a morbilidade que este vírus provocou, sobretudo na China, fomos sabendo quem devíamos proteger mais”, resume. A população idosa foi desde o princípio a que levantou mais preocupação, faixa etária e respetivas casas de acolhimento que tem motivado reuniões entre a Unidade de Saúde Pública do Médio Tejo e o Ministério da Saúde, nomeadamente no dia da entrevista do mediotejo.net, a 6 de maio.
“Pensei que íamos ter uma situação muito mais perigosa”, admite. Satisfeita com as medidas tomadas pelo país e com a rapidez da atuação a nível nacional, acredita que o isolamento social foi essencial no processo de combate ao vírus.

Para esta Unidade de Saúde Pública, a fase mais desafiante foi o início da pandemia, dado as características do território. “Ninguém está preparada” para uma situação desta amplitude, confessa, referindo que as medidas de prevenção e contenção obrigaram a sua equipa a toda uma reestruturação, que ainda se mantém.
Transparente também foi a interação desta unidade com os media. Maria dos Anjos Esperança constata que em meios rurais, de baixa densidade, são os meios de comunicação social, sobretudo a rádio, quem chega mais depressa às populações. Por isso a posição da unidade foi sempre partilhar a informação requerida, sem bloqueios ou colocando problemas (atitude que não foi comum a outras unidades).
Os meios de comunicação social “ajudam-nos a divulgar a mensagem que nós temos que divulgar”, defende, e colocam questões que para os médicos não são óbvias, mas ajudam a esclarecer a população. Um trabalho de equipa que permite levar a saúde pública a bom porto.
A pandemia ainda não terminou, não se sabe se virá uma segunda vaga. A vacina só deverá estar disponível dentro de um ano, acredita. A proteção da camada idosa e os grandes ajuntamentos, como o 13 de maio, são as grandes preocupações deste momento. Para a responsável, a população tem que estar preparada para “viver com este vírus por muito tempo, largos meses, se não anos”, até haver tratamento para a doença.
“A história mostra-nos que se não tivermos cuidados e começarmos a pensar que tudo já passou”, alerta. “Tudo volta – e volta muito pior.”