Numa grande entrevista sobre a pandemia da covid-19 e como tudo foi – e está – a ser trabalhado nos hospitais da região, o Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT, EPE), Carlos Andrade Costa, explica como preparou a instituição para este embate, tendo destacado a reflexão interna e como o factor antecipação foi crucial para evitar que os hospitais entrassem em ruptura e tivessem de afinar a estratégia de resposta com os serviços no limite. “Tudo isto se estuda e não é a primeira vez que se vive uma pandemia na história da saúde”, diz Carlos Andrade, com 28 anos de experiência em gestão hospitalar. “A transferência de valências [entre hospitais] era essencial. Hesitar podia comprometer tudo.”
Com cerca de 1900 profissionais, o CHMT já está a acolher doentes covid-19 de outras proveniências e é dos hospitais que realiza mais exames e mais testes, com resultados em 15 horas, não tendo ao dia de hoje nenhum profissional de saúde infetado nas áreas mais críticas de cuidados com doentes covid-19. Nesta entrevista, Carlos Andrade elogia o trabalho concertado com os autarcas locais e demais autoridades, em geral, e diz que se os números na região são baixos muito se deve à Delegada de Saúde Pública do ACES Médio Tejo. “Devíamos todos fazer uma estátua à Senhora Dra. Maria dos Anjos Esperança, nunca vi uma Delegada de Saúde assim. Todo o seu nome faz jus à sua pessoa.”
Carlos Andrade fecha com uma mensagem de otimismo em tempos de pandemia, afirmando que esta “é a Páscoa do pão não fermentado. Do pão amargo na nossa vida pessoal. Mas esta é também a Páscoa que tem que ser vivida como todas as Páscoas. De um pão amargo, mas que temos que transformar em Pão da Esperança. Pão da Partilha de um esforço.” A ler. E a reter.

mediotejo.net – Qual o ponto de situação atual no CHMT relativamente à covid-19, nomeadamente na unidade hospitalar de Abrantes, em termos de resposta aos doentes pelos profissionais de saúde, capacidade instalada e dados percentuais de utilização da mesma, e em termos de proteção de utentes e profissionais em termos de EPI’s, ventiladores e outros equipamentos?
Carlos Andrade (CA) – Ao percebermos a inevitabilidade de a Europa ser atingida pelo fenómeno que se desenrolava na China, o Conselho de Administração iniciou um rápido processo de reflexão interna sobre quais as medidas que teriam que ser adoptadas para preparar a Instituição para um cenário eventualmente pandémico. Perante a complexidade da situação , entendeu o Conselho de Administração alargar a análise sobre as melhores medidas a adoptar a um conjunto de profissionais que desempenham funções de elevada responsabilidade clínica e assistencial.
Foi já no âmbito deste grupo alargado que se tomaram medidas como sejam a transferência de valências da Unidade hospitalar de Abrantes para as Unidades hospitalares de Tomar e de Torres Novas. Não são decisões tecnicamente fáceis de tomar, mas o tempo para as tomarmos era escasso. Aqui, neste processo de preparação do CHMT para aquilo que é hoje o cenário de pandemia que vivemos, o fator tempo era essencial. Hesitar podia comprometer tudo.
E na rapidez que foi necessária ter, permita-me dizer que contamos sempre com a total disponibilidade dos Senhores Presidentes de Câmara. Estou convencido que, para reunirem com o CHMT sempre de forma tão rápida, tiveram que alterar as suas agendas e de forma a que não se perdesse tempo. Foram, uma vez mais, e em todo este processo, extraordinários.
Não hesito em dizer que o nosso CHMT é uma das Instituições melhor preparadas para fazer face a um grau elevado de severidade pandémica. E, assim, graças ao espírito de serviço público dos cerca de dois mil colegas que aqui trabalham e ao excelente espírito de comunidade e de entre-ajuda que temos na nossa região.
Até ao momento, a taxa de ocupação de doentes Covid-19 é, ainda é felizmente, baixa. Penso que não é relevante entrarmos em números, mas felizmente é ainda baixa. No entanto, temos o Serviço de Medicina Intensivos em total prontidão. Fruto de uma experiencia clinica muito diferenciada de toda a sua equipa, mas também de uma liderança muito dinâmica do seu diretor.

O CHMT está a proceder à realização de testes a todos os cidadãos que entrem pelas portas dos hospitais do CHMT? Desde quando, quantos e porquê. Onde são processadas as análises, qual o tempo médio de resposta, e quais as mais valias e reflexos da medida?
CA – Também aqui, o CHMT é um excelente exemplo. Somos dos hospitais que realiza mais exames. Mais testes. Rapidamente percebemos que não valia a pena prepararmo-nos para o cenário de tratamento a doentes com Covid-19 se não garantíssemos uma capacidade aceitável de exames. Aí, também o trabalho realizado pelo nosso Serviço de Patologia Clínica foi e é exemplar. O seu diretor assumiu o garantir dessa capacidade de uma forma muito intensa, muito empenhada e conhecedor que estava da estratégia que estávamos a seguir e ao participar no tal circulo alargado que se constituiu em torno do próprio Conselho de Administração. Sabendo que teria o Conselho de Administração a multiplicar-se para reunir todas as condições para sermos, todos, bem sucedidos.
Tanto que, ainda muito recentemente, aumentamos a nossa capacidade de realizar testes, pois percebemos que havia um enorme déficit de capacidade de realizar atempadamente testes no Distrito como um todo. E se há coisa que caracteriza o nosso CHMT é que nós nunca somos parte do problema mas sim, sempre, parte da solução. E isto é mérito dos médicos desta Casa, dos enfermeiros, dos farmacêuticos, dos técnicos de diagnóstico e de tratamento. Em suma: mérito de todos quantos aqui trabalham.
E prova de tudo isto é que o prazo médio de tempo que medeia entre fazer o teste e saber o resultado é ligeiramente abaixo da 15 horas. Um tempo magnífico, fruto do enorme esforço de todos quantos trabalham no nosso Serviço de Patologia Clínica.
Está o CHMT preparado para um aumento significativo de doentes a admitir, se tal é expectável, e, no âmbito do Plano de Contingência do CHMT, quais as principais medidas já implementadas e outras que se possam vir a implementar para posicionar o CHMT na adaptação e preparação de respostas ao combate diário da pandemia?
CA – Naturalmente que o CHMT está preparado para viver um aumento expressivo de doentes internados com Covid-19. O que esperamos, sinceramente, que não aconteça. Mas se acontecer, cá estaremos. Será difícil. Será complexo enquanto rotina hospitalar. Exigirá respostas muito rápidas. Mas, obviamente, estamos preparados. Porque nos preparamos quando mudamos serviços, quando mudamos profissionais de áreas de actuação, quando reforçamos stocks de material crítico para a prestação clínica. Quando encomendamos equipamentos de suporte de vida a pensar na imperiosa necessidade de aumentar a resposta em cuidados intensivos. Etc,etc.
Como referi, um cenário pandémico é muito complexo em termos de resposta hospitalar. É fácil os hospitais entrarem em ruptura. Em sobrecarga e, depois, perderem a capacidade para se redesenharem visando afinar a estratégia de resposta em cenário de sobreesforço. Mas isto também se estuda. Não é a primeira vez que se vive uma pandemia na história da saúde.
Por outro lado, ao vermos a desgraça que tem sido esta pandemia em Espanha, em França, em Itália, no Reino Unido, no Brasil, nos Estados Unidos percebemos que há erros que não se podem cometer. Desde logo, o não estarmos atentos. E o não discutirmos internamente e em círculo alargado o que fazer para defendermos a nossa população. O que fazer para reforçar a nossa capacidade de resposta. E mesmo assim, nada será fácil quando a hora chegar. E apesar de preparados, muito queremos que essa hora não chegue. E talvez não chegue como se temeu, porque se tomaram medidas muito sérias e que foram magnificamente respeitadas pela grande maioria da população portuguesa. E estes dois aspectos estão a fazer e farão toda a diferença.

Tem o CHMT estado a acolher doentes provenientes de outras zonas do país e tem capacidade instalada para socorrer necessidades prementes de outras regiões?
CA – Temos estado a acolher doentes de outras proveniências. É bem possível que esse acolhimento aumente nos próximos dias. Mas, não lhe direi mais que isto. Mas tão importante como receber doentes de outras zonas é o facto de já termos ajudados vários hospitais que tiveram rupturas de stocks. Já correspondemos a vários pedidos da nossa ARS para enviar material ou medicamentos para outros hospitais enquanto esses mesmos hospitais não são reabastecidos. É um procedimento absolutamente normal, especialmente nestes momentos mais tensos. É a expressão de que o Serviço Nacional de Saúde vive, verdadeiramente, em rede. E é assim que tem que ser.
Qual o procedimento atual com os utentes dos lares que necessitem de se deslocar aos hospitais do CHMT. Fazem todos testes, antes de regressar aos lares? Esperam pelo resultado em isolamento no hospital ou nos respetivos lares de proveniência? E os lares têm acolhido normalmente os utentes, enquanto estes aguardam pelo resultado do teste? Quais os procedimentos que os lares devem ter? acolher os utentes e isolá-los, até que chegue o resultado?
CA – Os idosos foram sempre um dos aspectos das nossas preocupações. Daí, enquanto muita gente andava ainda muito distraída ou pouco empenhada, o CHMT propôs ao Senhor Director Distrital da Segurança Social, Dr. Renato Bento, um encontro com todas as entidades do sector social do Médio Tejo para transmitir aos seus responsáveis um conjunto de informações de auto-cuidados e auto-proteção no sentido de os lares, centros de dia e outras entidades que actuam no âmbito da terceira idade estivessem melhor preparadas para o que aí vinha. Penso que fomos o único Hospital do país a fazê-lo. Continuamos muito atentos à capacidade de proteger os mais vulneráveis clinicamente e os mais idosos.
Também na medida em que a realização dos testes é rápida e o resultado comunicado abaixo das 15 horas, tal facilita muito a gestão doas nossas preocupações com estes dois tipos de situações. As respostas a cada doente, de entre os não confirmados com Covid-19, encontrada atendendo ao contexto de vulnerabilidade de cada situação concreta. Os positivos são enquadrados dentro dos protocolos clínicos em uso.
Nessa sessão, a que fizemos com o Centro Distrital da Segurança Social, esteve a Senhora Dra. Maria dos Anjos Esperança, a nossa Delegada de Saúde Publica, e a Senhora Dra. Paula Gama, responsável pela Comissão de Controlo da Infeção Hospitalar, numa designação simplificada. Ambas, em esferas e contextos diferentes, têm dado um contributo absolutamente notável para fazer face a esta pandemia na nossa região e no CHMT. Trabalho da Unidade de Saúde Publica do ACES do Médio Tejo, na pessoa da Senhora Dra. Maria dos Anjos Esperança que, porventura, explica o reduzido número de casos positivos de Covid-19 na nossa região do Médio Tejo.
Aliás, acho que depois de tudo passar devíamos, todos, fazer uma estátua à Senhora Dra. Maria dos Anjos Esperança. Tenho 28 anos à frente de hospitais e nunca vi uma Delegada de Saúde como a Senhora Dra. Maria dos Anjos Esperança. Todo o seu nome faz jus à sua pessoa.

Pedia-lhe um comentário sobre como se processam todas as decisões e adaptações de resposta à pandemia no CHMT, periodicidade de reuniões e importância da concertação na tomada de decisão com autarcas e demais autoridades, culminando com uma leitura dos resultados globais e posicionamento atual do CHMT, com ponto de situação ao dia de hoje.
CA – Penso que já lhe respondi a esta questão no que disse anteriormente. Mas permita-me que enfatize o seguinte. Quando se gere uma organização tão complexa como é um hospital, quem gere essa organização tão complexa, tem que ter consciência que há muitos aspectos críticos, para o sucesso da organização, que não domina. Mesmo que ande cá há 28 anos, como eu. E por isso, é essencial ouvir, ouvir, voltar a ouvir , depois, decidir em partilha de uma visão comum às funções clínicas mais diferenciadas.
Agora há uma experiência que não pode ser ignorada, se verdadeiramente queremos servir as populações. E em momentos como este, a experiência é fundamental. Daí, o tal ciclo alargado que lhe referi como essencial para tomarmos decisões de grande relevância técnica e estratégica. Desde logo a antecipação. E nesta pandemia o factor antecipação é crucial. Até porque a China, celeiro do mundo em máscaras e outros bens essenciais de consumo massificado em segurança/protecção hospitalar, estava de quarentena. Não produzia. Logo, a rapidez era decisiva.
Num outro cenário, bem diferente, tivemos situações algo parecidas como factores críticos para o normal funcionamento dos hospitais quando, há uns 25 anos, assistimos ao fenómeno muito rápido de concentração da indústria farmacêutica a nível mundial. Houve lições que se aprenderam nessa altura e que nunca mais se esquecem. Eu não esqueci. Na altura estava no IPO de Lisboa.
Pedia uma mensagem final ao presidente do CA do CHMT: em tempos de Páscoa, de reuniões familiares que se devem adiar, e a braços com uma pandemia que meteu a vida tal como a conhecemos de pernas para o ar, que mensagem entende por bem fazer passar?
CA – Vamos lá ver, eu não tenho vocação para mensageiro. Mesmo em tempo de Páscoa. Mas como católico que sou, sinto este momento de uma forma muito intimista. Muito pessoal.
Numa Páscoa que não parece Páscoa, em especial para quem trabalha na Saúde, temos que viver a Páscoa de uma forma muito íntima. Contida, até. Sem tempo para a viver, de certa forma. É como viver a Páscoa a correr contra um tempo que não é amigo, que não é fraterno, que não é de comunhão como conhecemos a comunhão em tempo de Páscoa.
Esta é, para nós profissionais de Saúde, uma Páscoa de pão azamo. De um pão amargo, mas que temos que transformar em Pão da Esperança. Pão da Partilha de um esforço. Ainda que seja um Pão áspero que se come em recordação da família que não se vê há quase três semanas, porque se está fora de casa para não se colocar em risco a própria família.
Está é a Páscoa do pão não fermentado. Do pão amargo na nossa vida pessoal. Mas esta é também a Páscoa que tem que ser vivida como todas as Páscoas. A Páscoa de uma ressurreição da vida que todos teremos muito em breve. Porque muito em breve tudo passará e tudo voltará a ser Vida. Novamente vida, em cada um de nós.
Constituído pelas unidades hospitalares de Abrantes, Tomar e Torres Novas, separadas geograficamente entre si por cerca de 30 quilómetros, o CHMT funciona em regime de complementaridade de valências, abrangendo uma população na ordem dos 260 mil habitantes de 11 concelhos do Médio Tejo, no distrito de Santarém, Vila de Rei, de Castelo Branco, e ainda dos municípios de Gavião e Ponte de Sor, ambos de Portalegre.