A ideia de um filme nasceu na cabeça de Pedro Ramalho Marques em 2016, quando viu “uma pequena notícia na RTP” sobre o Lvsitanvs, o maior carrilhão itinerante do mundo. O realizador ficou a pensar naquela “história inacreditável, por ser o instrumento que é”, mas, essencialmente, conta ao mediotejo.net, “pelo vínculo familiar”. Um projeto da família Elias, que se entregou de corpo e alma “a um sonho”.
O documentário, produzido e financiado pela produtora Até ao Fim do Mundo, sem qualquer subsídio do Instituto do Cinema e Audiovisual, apesar de duas candidaturas (ambas recusadas), explica Pedro Ramalho Marques, “é um filme feito com imagem real e recurso a arquivo, com uma narrativa tradicional, não é um meta documentário”. Começou a ser filmado em 2017, após a família Elias ter concordado com a vontade de Pedro em fazer um filme sobre o seu trajeto de vida, quer artístico quer familiar. Foram quatro anos de filmagens, de concerto em concerto.
Intitulado ‘Por Quem os Sinos Tocam’, o filme centra-se no desejo das irmãs Ana e Sara Elias em terem o seu próprio carrilhão itinerante. “Só não sabiam como pedir esse brinquedo ao pai. Mas Alberto tinha um plano para realizar o sonho das suas filhas”, lê-se na sinopse. Contra todas as probabilidades, ele construiu o maior carrilhão itinerante do mundo, e ajuda as filhas a levar o som celestial dos sinos a toda a gente.
Em janeiro de 2020, a equipa de Pedro Ramalho Marques – na época editor da produtora Até ao Fim do Mundo, atualmente com a sua própria produtora, a Galgo Filmes, em parceria com Ricardo Ribeiro – terminou as filmagens. Mas em março chegou a covid-19. As circunstâncias da pandemia levaram Pedro a assumir a edição, bem como todos os processos do filme, no sentido de “acelerar a estreia do mesmo”, explica ao nosso jornal.
Neste momento, “está pré vendido à RTP” e a antestreia aconteceu na sexta-feira, 22 de julho, no renovado Cineteatro Municipal de Constância, integrado no Festival Internacional do Carrilhão e do Órgão da CICO.
O objetivo da escolha de Constância: “Juntar a comunidade, a família.” Por isso, a expectativa de Pedro Ramalho Marques passa por ter “casa cheia” e que esta estreia possa “alavancar a exibição de mais filmes em Constância”, refere.
O realizador fala ainda em “grande prova de confiança” da família Elias ao entregar-lhe 500 horas de arquivo familiar. “Alberto sempre filmou muito as filhas, documentou muito a vida”, refere, e este documentário “é uma viagem constante ao passado, ao presente e ao futuro” que poderá ser o do carrilhão Lvsitanvs. Um “épico familiar”, define.
Ao perceber o investimento familiar no instrumento, “a aventura incrível”, Pedro acaba por “perceber a dimensão” da sua própria família.
“O ponto de partida é mesmo íntimo. A figura da proteção, a figura paterna”. Ou seja, também é um filme de amor, de pais pelos filhos, e vice-versa.
“’De que falamos quando falamos de amor’, escreveu Raymond Carver, um dos meus favoritos. Esta é uma questão que está sempre na minha cabeça. Desde que tive conhecimento da família Elias, não consegui deixar de pensar que tinha de contar a sua história. Senti que o percurso desta família seria poético, amargo, doce e muito encorajador, podendo ajudar a responder à questão colocada por Carver. Uma família assente em Alberto, a figura do pai. Amor, entreajuda, controlo. Em constante digressão, muitas são as peripécias vividas pelos Elias, pequenas e grandes glórias, alguns grandes ‘falhanços’. Ao som dos sinos, o Lvsitanvs percorre os locais mais inóspitos em busca de público, de reconhecimento e de mais alguém que marque uma data, um novo concerto. É preciso não desistir do sonho das ‘miúdas’. Acredito que ao contar esta história, teremos um retrato interessante do que o amor e os laços familiares podem ser, o que podem ou não ultrapassar. Quão fortes, bonitos e dolorosos. Apertados. Os pais, os filhos. Sobre o que falamos quando falamos de amor?”, interroga-se o realizador.
Para construir o carrilhão era necessário um investimento de meio milhão de euros. O tempo trouxe à família Elias alguns investidores, os fundos comunitários do ProDer, o primeiro lugar do Prémio Milénio Sagres-Expresso (2004) e a confiança do município de Constância. As diversas etapas são contadas nos 63 sinos que compõem o único carrilhão itinerante da Península Ibérica, com gravações das entidades apoiantes e patrocinadoras do projeto, lado a lado com os nomes de pessoas que marcaram as vidas dos seus fundadores, como o padre que casou Alberto ou a professora de música de Ana e Sara.

Durante quatro anos, Pedro Ramalho Marques filmou sempre nas horas vagas, aos fins-de-semana, pretendendo “não ser demasiado intrusivo, e a família conseguir estar à vontade, sem sentir que estamos lá”, explica.
Mas a grande dificuldade operacional prendeu-se com a extensão do arquivo familiar, que obrigaram a “muitas horas de organização e digitalização”.
Agora, a pouco mais de 24 horas de levar o filme ao público – a família já assistiu ao filme no verão de 2021 – Pedro disse ao nosso jornal que a grande vitória “é estar acabado”, sendo que “manter a ligação é importante”.
Após a antestreia, o desejo passa agora por levar o filme ao circuito dos festivais nacionais e também ao estrangeiro, e por isso está completamente legendado em inglês.
Como parceiro nesta mostra contam com o cineclube Espalhafitas. “Queremos fazer o circuito dos cineclubes”, também como forma de “democratizar” o filme, avança Pedro.
O Lvsitanvs é atualmente o maior e mais pesado carrilhão do mundo. A ideia surgiu quando Ana e Sara faziam a sua formação musical em carrilhão na Bélgica, onde existe a maior concentração destes instrumentos musicais antigos na Europa, e pensaram que fazia todo o sentido no nosso país, devido às condições climatéricas favoráveis para concertos ao ar livre.
A criação e coordenação técnica dos três elementos da família no Carrilhão dos Pastorinhos em Alverca, o mais recente do mundo, inaugurado em maio de 2005, acentuou o desejo de libertar a música do cimo das torres de igrejas e conventos e torná-la itinerante.
Ao nosso jornal, Ana Elias – que toca piano e outros instrumentos desde os seis anos, tendo a irmã iniciado aos quatro – disse que o carrilhão “é um grande sonho que tivemos a sorte de poder realizar”. E a vontade de Pedro em realizar um filme foi recebida com “orgulho”.
“Sabemos a nossa história mas o interessante é perceber como o público nos vê. Na verdade, vê de forma diferente de como vemos a nossa história, ou seja, para os outros não é uma história assim tão normal”, refere.
Para Ana, o projeto do carrilhão “é grande”. Não só para “a pequena vila de Constância, mas para o país”. Porque é “algo único”. O Lvsitanvs confere uma nova dinâmica ao conceito, levando música erudita e popular pela estrada fora.
Este carrilhão itinerante, inaugurado em maio de 2015, é um dos 18 existentes em todo o mundo e destaca-se dos restantes pelos 63 sinos, pelas suas 12 toneladas e por ter “garagem” em Constância.
E agora, também, por ficar imortalizado no cinema.

Ficha Técnica
Realização: Pedro Ramalho Marques
Imagem: Pedro Lopes, Marco Fernandes, Tomás Fidalgo, Carlos Ratinho, Mike Morash (One Island Media), Neil A. Ferguson (One island Media)
Som direto: Pedro Santos, Carlos Ratinho
Sincronismo: Tiago Câmara, Mário Martins, Paula Soares, Inês Rodrigues, Pedro Ramalho Marques, Renato Silva
Montagem: Pedro Ramalho Marques, Renato Silva
Color Grading: Ricardo Gonçalves
Mistura e edição de som: Rui Pereira, Sara Godinho, Billyboom Sound Design
Grafismo: Inês Martins
Arquivo: Ana Elias, Sara Elias, Alberto Elias, Celeste Elias
Legendagem: Spell – Translation Solutions
Produção Executiva: Ricardo Freitas, Pedro Sousa
Produção: Irina Calado, Pedro Ramalho Marques, Krista Boenhert