Caramelo. Foto: DR

A espetar o indicador em direcção a um homem exclamar: tu és um caramelo!, pode indiciar prenúncio de tormenta, ou se a expressão fugir da boca enfeitada com sorriso de orelha a orelha a imitar o lobo perseguidor da menina do Capuchinho Vermelho é sinal de aprazimento.

Durante muito anos, antes da instauração da democracia faziam-se excursões a Badajoz e demais vilas e cidades fronteiriças para se provarem, degustarem e adquirirem produtos à venda na Espanha franquista, interditos no Portugal salazarista e uma das guloseimas mais adquiridas eram caramelos. Os meninos e as meninas encaixavam os caramelos entre as fissuras dos dentes ficando vários minutos a golpear a delícia do açúcar caramelizado com leite, pouco lhe importando possíveis idas aos carpinteiros designados como odontologistas, preferindo adoçar o palato.

Por cá também havia caramelos de qualidade, só que custavam muito mais, além disso não possuíam o mesmo prestígio que os estrangeiros da cidade banhada pelo Guadiana.

Para lá dos pasteleiros e confeiteiros as nossas Mestras cozinheiras amiúde lidam com produtos caramelizados, basta que a peça de carne ou de peixes muito gordos objecto de tratamento culinário num forno atinjam uma temperatura superior a 150º e surgem evidências caramelizadas, por isso mesmo empregues em numerosas receitas culinárias.

Como se chegou ao caramelo? Certamente por acaso, mormente em lugares onde vicejava a cana do açúcar e outras espécies açucaradas. O pai do teatro português, refiro-me a Gil Vicente, fala de canas açucaradas nas terras banhadas pelo Sorraia, mas esta e outras minudências da suculenta obra de Mestre Gil não se ensinam nas Escolas Secundárias porque importa vender os programas ditos de ensino, fechar os aparatos electrónicos e, ala que se faz tarde. O grande Gil legou-nos inúmeras referências ao Ribatejo, no entanto, só está devidamente assinalado na pitoresca vila do Sardoal.

O caramelo obtém-se derretendo açúcar (convém que seja de qualidade) o qual à medida que o calor aumenta vai mudando de cor, do rosado ao castanho carregado, neste último estádio torna-se amargo e inconsumível.

O caramelo é muito utilizado no domínio da doçaria, lembro pudins, frutas e outros vegetais, porque se aproxima a quadra natalícia em época de forçada permanência domiciliária sugiro a quem me lê tentar adoçar a boca consumindo as suas criações a recordarem a quadra natalícia sem receios, logo em plena liberdade.

Armando Fernandes é um gastrónomo dedicado, estudioso das raízes culturais do que chega à nossa mesa. Já publicou vários livros sobre o tema e o seu "À Mesa em Mação", editado em 2014, ganhou o Prémio Internacional de Literatura Gastronómica ("Prix de la Littérature Gastronomique"), atribuído em Paris.
Escreve no mediotejo.net aos domingos

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