Na conversa que o nosso jornal teve com o presidente da Sociedade Recreativa Pro-Casais de Revelhos, no ano em que a coletividade celebra o seu 80º aniversário, um ponto ficou claro: o associativismo é uma forma de estar na vida. As coletividades – apesar das dificuldades cada vez maiores em recrutar voluntários – assumem relevante importância para as comunidades locais.
Joaquim Pombo tem a associação abrantina no coração, por ser atualmente Casais de Revelhos a sua terra, que já foi dos pais e dos avós, mas não só. Orgulha-se por trabalhar em benefício da sua comunidade, daquela casa do povo, ainda que não tenha essa designação. “As coisas demoram muito tempo a construir”, nota. Portanto, a ideia passa por ligar as pessoas à associação através de diversas atividades, nomeadamente de workshops.
No dia da reportagem decorreu um workshop de arraiolos com uma artesã de Abrantes. A coletividade esforça-se por oferecer uma atividade aos habitantes da aldeia, todas as quintas-feiras, seja bordado ou mesmo uma simples leitura de uma história. A direção tem planos e quer – no âmbito do CLDS de Abrantes – fazer um jornalinho, proporcionar sessões cinema ao ar livre, através de uma parceria com o Cineclube de Abrantes, Espalhafitas, voltar às caminhadas e ter, no ano do aniversário, 12 atividades diferenciadoras, uma por mês.
O que significa, à semelhança de outras coletividades, que a Sociedade Recreativa Pro-Casais de Revelhos, vai além do papel de socialização mas apresenta-se também como um meio para adquirir novos conhecimentos, uma vez que o espaço da sede é usado para formações, conta com um palco para peças de teatro e a Sociedade possui ainda um espaço para festas, restaurante, cozinha e um bar.

Hortelinda Alpalhão tem 78 anos. Natural de Sentieiras casou para Casais de Revelhos e sempre que há atividade na Sociedade marca presença, quer seja uma peça de teatro quer nas festas. “Já participei no teatro”, revela ao mediotejo.net certa em afirmar que enfrentar o público na representação “nasceu com ela”. Gosta de conviver e participar.
Para Hortelinda, a Sociedade “é um bem muito grande que as pessoas têm. Utilizam o espaço, porque é do povo, para aquilo que precisam. Sempre tive um papel ativo na Sociedade”, sendo o seu sogro um dos fundadores e o seu marido integra o grupo de teatro “desde solteiro. Sempre participei. Naquele tempo havia mais bailaricos. Em todos os tempos, em cada tempo à sua maneira, houve sempre interesse pela Sociedade”, recorda.

Isabel Bento tem a mesma idade de Hortelinda e conta a história da mãe que fazia café para vender na Sociedade no tempo da Segunda Guerra Mundial “adoçando o café com sal para colocar menos açúcar, que faltava em tempos de guerra”.
Isabel ainda recorda a antiga casa onde funcionava a Sociedade naquela época, da máquina de cobre onde se fazia o café e da avó paterna ir à taberna comprar rebuçados do Dr. Bayard para adoçar o café. “Havia falta de tudo”, garante.

Joaquim Pombo é o presidente da direção há dois anos – tendo havido eleições recentemente – com experiência em outras associações. O pai era militar, por isso Joaquim nasceu em Angola tendo chegado a Portugal em 1974. Foi viver para os Casais, terra dos pais, e nessa época começou a ter contacto com a associação. Depois foi estudar para Abrantes onde acabou por morar e mais tarde rumou para fora do concelho com o objetivo de prosseguir os estudos. Regressou a Casais de Revelhos há cerca de 10 anos, reconstruindo a casa dos avós, e fez-se sócio da Sociedade Recreativa.
A coletividade conta cerca de 135 associados, “sócios efetivos da Sociedade, o sócio nº1 é Deolindo Pombo”, refere. A Sociedade Recreativa Pro-Casais de Revelhos nasceu com a missão de proporcionar algumas atividades de lazer às pessoas da terra, um espaço onde pudessem estar, conviver, partilhar ideias. Os mais velhos contam que “não havia muitas coisas para fazer; era trabalhar, ir à taberna, fazer o caminho a pé ou de bicicleta”.
A coletividade surge assim como o espaço “onde se podiam juntar e ter algo em comum para trabalhar em prol da terra para poderem conversar, beber um café de cafeteira, claro! e dançar”, afirma Joaquim Pombo.

A coletividade nasceu da vontade de um grupo de pessoas. “Houve sempre o envolvimento da população da terra na construção de tudo aquilo que ali estava, incluindo da construção da sede da Sociedade. Desde o inicio, quando não havia sede, as pessoas reuniam-se na casa de alguém para engendrar uma forma de criar uma associação”, acrescenta o presidente da direção.
Atualmente, um dos problemas apontados prende-se com a capacidade de conseguir pessoas que ocupem os cargos dirigentes. “Há uns anos a esta parte tem havido alguma dificuldade em conseguir pessoas que queiram assumir a direção da Sociedade”, admite.

E como conseguimos motivar as pessoas? “Se calhar não é com atividades que para nós são interessantes”, reflete lembrando uma gincana de bicicletas que contou com 10 participantes, no recinto das festas.
“Chamou miúdos para ali! Ainda há aldeias onde os miúdos brincam na rua, andam de bicicleta livremente, vão ao rio, vão à ribeira, andam de casa em casa. Esta foi a forma de os podermos captar. Sensibilizar os mais jovens para a economia social. No meu tempo tínhamos aquela coisa de nos envolvermos nas associações, por exemplo associação de estudantes. Temos de perceber as razões porque se perdeu isso”, refere Joaquim Pombo.

Antes da covid-19, a Sociedade tinha ao leme uma comissão organizativa que deu origem a uma direção, “apanhada” durante a pandemia. Nesse momento, surgiu um grupo de pessoas da Sociedade e da aldeia – Casais de Revelhos tem mais que uma associação – lembrando-se que antigamente havia um grupo de teatro.
“Em 2019 ainda havia elementos desses grupo de teatro, nomeadamente Francisco Alpalhão, Hortelinda Alpalhão, com energia para fazer teatro e voltámos a recrear um conjunto de peças indo buscar os atores do antigamente, nomeadamente o sr. Francisco, o sr. José Batista que já faleceu, Daniel Alpalhão, outra senhora que também já faleceu, a dona Idaleta, portanto um conjunto de pessoas que fizeram parte desse grupo de teatro”.
Ou seja, recriou-se novamente o grupo incorporando pessoas mais novas, realizando algumas peças. Segundo Joaquim “a última foi em parceria com a Polícia de Segurança Pública, na área da segurança, recriando aqueles roubos que existem nas aldeias, representando aquilo que as pessoas podem enfrentar quando estão em casa sozinhas, ou numa horta, etc”.

Entretanto surgiu a covid-19 e interromperam-se diversas atividades que envolviam intercâmbio. A Sociedade deixou de lado, por exemplo, o teatro.
Antes da pandemia “as pessoas relacionavam-se de uma forma mais natural… não havia cuidados. Mas mantivemos algumas atividades durante a pandemia”, designadamente o grupo de cavaquinho que se reúne uma vez por semana, à quinta-feira, ou a atividade de combate à iliteracia digital nas conversas sobre tecnologia, no terceiro sábado de cada mês.

Realizaram também encontros online, normalmente utilizando o messenger, um grupo de intercâmbio, tal como, pontualmente, as sessões de cinema ao ar livre, numa parceria com o cineclube de Abrantes, Espalhafitas. Contudo, a prática de caminhadas foi igualmente perdida durante os dois anos de pandemia.
Para gerar alguma receita financeira surgiu o evento take away, de dois em dois meses, e ainda na mostra de sopas, desafiando os habitantes da aldeia a oferecer uma sopa como forma de confraternização e de angariação de fundos para a associação. Joaquim fala numa “equipa excelente” e num grupo “muito díspar” com várias idades. Como conseguimos pessoas? “Envolvendo-as”, assegura. O desafio agora é conseguir que “o mais velho traga o mais novo, para criar interação”.

A covid-19 também parou as homenagens aos três militares de Casais de Revelhos que morreram em combate na Guerra do Ultramar. A aldeia tem um monumento aos combatentes pela mão do grupo Amigos da Aldeia. “Todos os anos temos um dia onde reunimos com o Núcleo da Liga dos Combatentes de Abrantes. Há um tema para debater, por exemplo as madrinhas de guerra, ser militar, etc. A covid-19 veio pôr essa homenagem em stand by”.
Para dinamizar a aldeia no Natal a Sociedade lançou um desafio aos seus habitantes no sentido de colocarem no quintal ou junto à entrada de casa um presépio ou algo alegórico à quadra festiva. E a luz surgiu.

Casais de Revelhos pertence à União de Freguesias de Abrantes (São Vicente e São João) e Alferrarede, tendo a sua festa mais importante a 15 de agosto, inserida nos movimento religiosos do povo de Casais de Revelhos em honra da Nossa Senhora das Necessidades.
A Sociedade é a entidade responsável pela organização dessa festa, “por ser a associação mais antiga da terra, que começou os festejos e os vai mantendo”, explica Joaquim.
A festa é mais uma forma de interação social, “uma data em que, parte das pessoas que estão fora, regressam e onde toda a gente se consegue reencontrar. A Sociedade tem um espaço bastante bom para poder realizar essa festa. Mantém aquele espaço para as pessoas se poderem reunir”, refere o presidente.

Quanto a jovens numa aldeia às portas da cidade de Abrantes? “Ainda há bastantes jovens” em Casais de Revelhos, assegura Joaquim. Aliás, naquela aldeia ladeada por duas ribeiras, encontra-se em preparação “a possibilidade de nos ligarmos ao projeto Guarda-rios. Ou seja, podermos adotar um conjunto de metros ou de um rio ou de uma ribeira e fazer o levantamento não só da qualidade da água mas de toda a envolvente, desde à vegetação aos insetos”. Já foram contactados jovens para serem eles os mentores do projeto, com a Associação Palha de Abrantes, e a associação do projeto Programa de Educação Ambiental Guarda Rios.
Além disso, em parceria com o Instituto Politécnico de Tomar, desenvolve um projeto de empreendedorismo, que utiliza uma metodologia de “oportunidades, ou seja, junto de uma instituição ou empresa tentar ver as oportunidades que possam surgir para resolver algum problema.
“Surgiu o desafio por parte do IPT – sou funcionário da instituição – numa apresentação de um projeto. O nosso foi vencedor, entre 10 projetos do IPT, projeto em que foi dada forma à substituição das queimadas por alternativas. Em vez de queimar, utilizar equipamentos para a trituração dos resíduos da apanha da azeitona, da limpeza das árvores”, revela.

A Sociedade Recreativa Pro-Casais de Revelhos celebra anualmente o seu aniversário, tendo sido exceção o ano do pico da covid-19. Para este ano 2022, “estão previstas duas coisas: o lançamento de um jogo onde todas as pessoas foram desafiadas a colocar perguntas sobre os Casais. As perguntas estão a ser recolhidas, está feito o tabuleiro do jogo, o desenho das cartas e será apresentado o tabuleiro de jogo”, conta.
O objetivo passa por transmitir a história e os saberes das gentes da aldeia aos mais novos. “Uma forma de todos os anos se construir novas cartas com novos desafios e preservar as memórias. A apresentação prevê-se para novembro. E na altura do aniversário conseguirmos apresentar um pequeno filme com todas as fotografias antigas que vamos recolhendo e alguns textos de memória”, avança Joaquim Pombo.

Esta recolha de espólio fotográfico também surgiu de um grupo criado na Sociedade no qual se falava das memórias da aldeia.

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