Foto: Carlos Grácio/CMA

A edição de 2023 do festival voltou a dar-se no Dia Mundial da Filosofia, 16 de novembro, e a Luís Correia Dias, vereador com o pelouro da Cultura na Câmara Municipal de Abrantes, coube fazer a abertura deste encontro numa “praça” onde se voltaram a reunir pensadores, filósofos e, acima de tudo, cidadãos livres e conscientes, desafiados a refletir e pensar a polis, a sua vida e os seus valores, nas vivências individuais e coletivas; desta feita argumentando e debatendo hábitos e ações nefastos em contraponto com atitudes e medidas que são tomadas (ou deverão/poderão vir a ser tomadas) em prol de um mundo melhor e de um planeta mais sustentável a todos os níveis, apontando ao futuro e às gerações vindouras.

Luís Dias frisou que este Festival, de regresso à Biblioteca Municipal António Botto numa altura em que está a comemorar os seus 30 anos de existência enquanto “Centro Cultural de Excelência no Médio Tejo”, se faz graças aos participantes e organização, “todos os intervenientes, conferencistas, moderadores, jovens pensadores, professores e público”, destacando “a forma como atuam na Cidade, como nos convocam a refletir e como nos estimulam a dialogar em tempos de fragmentação de valores e de intolerância generalizada. Todos serão intérpretes privilegiados para os múltiplos desafios que aqui serão apresentados ao longo dos próximos dias”, indicou.

Considerando este festival um “singular evento nacional”, o vereador destacou os impulsionadores da iniciativa, os professores e filósofos José Alves Jana, Nelson de Carvalho e Mário Pissarra, “que à época constituíam o Clube de Filosofia de Abrantes e como auxiliaram o Município de Abrantes a criar este Festival de Filosofia de Abrantes”, disse, aludindo aos temas dos primeiros anos, em 2017 e 2018.

Foto: Carlos Grácio/CMA

Agora na sexta edição da iniciativa com o tema “Sustentabilidade: verdade ou consequências”, o vereador apontou à próxima edição, em 2024, indicando que a bandeira será “a Liberdade” no âmbito das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril de 1974.

“Uma das mais reputadas personalidades que passou por este certame, Onésimo Teotónio de Almeida, referiu-se à disciplina que encima este Festival como “A Filosofia é a ciência com a qual e sem a qual nós ficamos tal e qual!”. Este continua a ser um bom mote, independentemente do que esta definição possa significar”, notou Luís Dias.

Acrescentou o autarca que “em Abrantes, não desistimos, insistimos e acreditamos que, tal como defendeu o nosso escritor e poeta José Alberto Marques, que homenagearemos daqui por uns dias, «Uma cidade se não tiver acontecimentos pequenos não é grande»”, frisando que “as cidades contemporâneas devem assumir a sua função de promover o debate e a participação cidadã” e, por outro lado, que a autarquia crê que “o despertar das mentes para o exercício do pensamento e para o confronto racional de opiniões ajuda a construir uma sociedade mais tolerante e mais respeitosa”.

Referiu ainda que durante o Festival de Filosofia, que decorre entre 16 e 18 de novembro, “crianças, famílias, jovens e professores, ecólogos e ambientalistas, pensadores e académicos, engenheiros e escritores e, naturalmente, filósofos, entre outros, vão pensar e debater o papel da Sustentabilidade, procurando dar respostas ‘sustentáveis’ aos nossos anseios nestes dias de contínua mudança”, e deixou o mote, citando Al Gore, para se pensar quanto ao “impacto das atividades humanas sobre o clima, os ecossistemas e a sustentabilidade” que foi e ainda é considerado como “uma verdade inconveniente”.

“Os sinais vitais do planeta estão no vermelho, incluindo níveis de dióxido de carbono, aquecimento, metano, escassez de água, degelo, subida do nível do mar, degradação dos solos e perda de biodiversidade. A Terra está doente. Ultrapassámos sete dos oito limites que a tornam habitável e a explosão demográfica ajudou a desequilibrar os ecossistemas e a exaurir os recursos do planeta. Somos demais e não revelamos qualquer compromisso com as gerações futuras”, refletiu Luís Correia Dias.

Foto: Carlos Grácio/CMA

Entre os muitos autores que foi citando, destacou ainda Helena Freitas. “A transição ecológica e a promoção da sustentabilidade, é o caminho mais transformador, mais racional e mais inteligente que qualquer organização ou comunidade pode adotar e promover”. Sem compromisso ético tal nunca será possível. Indivíduos, organizações e estados têm de ser permanentemente legitimados face ao interesse comum. Todos temos interesse na qualidade de vida atual e futura no planeta, por isso precisamos do compromisso e ação de toda a sociedade“, abordou.

Já a “transição verde e justa”, disse, representa o”nosso maioríssimo desafio no nosso território, no país e no mundo”, razão pela qual considera que esta edição do Festival de Filosofia não poderia ter outro tema, numa altura em que “a crise climática é a maior ameaça à humanidade e, consequentemente, à economia”.

Luís Dias terminou incentivando “a agir, a pensar, até a pensar diferente como referia Steve Jobs”, parafraseando o filósofo e pensador português, Agostinho da Silva: “Pensar não tem mais transcendência em si próprio do que arrumar uma casa: trata-se de pôr em ordem, de organizar um meio em que nos possamos mover; o que não significa que o queiramos fixo para sempre, como nenhuma dona de casa (ou dono de casa) supõe que a limpeza se fará para todo o sempre“.

“Que continuemos a pensar, a exercitar e a agir. Dias felizes para os que fazem acontecer. Dias felizes para a Filosofia, para o Pensamento, para a Liberdade, para a Sustentabilidade, para a Paz, com Verdade e com as melhores consequências”, concluiu.

De seguida coube a Manuel Collares-Pereira a conferência inaugural, com uma apresentação projetada em torno da comunicação “Um novo contrato social para salvar o planeta”.

O conferencista, engenheiro eletrotécnico (IST- 1974) e Ph.D. em Física (Universidade de Chicago, 1979), com agregação (UNL), reformado desde abril de 2019, é atualmente assessor científico do grupo Vanguard Properties.

Manuel Collares-Pereira. Foto: Carlos Grácio/CMA

Dentro do seu vasto currículo, foi investigador coordenador da Cátedra de Energias Renováveis da Universidade de Évora, até 2019, onde também foi presidente do Conselho Científico do Instituto de Investigação e Formação Avançada e seu diretor. Fundador, em 2012, e depois presidente do Instituto Português de Energia Solar, fundador e duas vezes presidente do Centro para a Conservação de Energia (atual ADENE), fundador e duas vezes presidente da Sociedade Portuguesa de Energia Solar (Secção Portuguesa da ISES) e presidente da Associação para a Ciência Tecnologia e Desenvolvimento. Foi fundador e CSO de várias empresas na área da Energia e editor associado da Solar Energy (Elsevier).

Entre as suas obras e investigação em energia solar, como especialista em ótica e termodinâmica, destaca-se a autoria de dois livros: “As Energias renováveis: a opção inadiável” (1998) e “Jeremias e o desenvolvimento Sustentável” (2020), tendo ainda sido coordenador e autor de “Desenvolvimento sustentável: verdade e consequências” (2022), “Descarbonização da economia, a energia e o futuro” (2023) e de mais de 260 publicações científicas.

O orador, desde logo assumindo não ser filósofo de formação e ter uma “linguagem de cientista e físico”, indicou que a sua palestra se iria centrar na questão “Salvar o Planeta”, considerando o investigador que a questão principal é, afinal, que “temos de salvar o planeta de nós próprios”.

“Realmente somos culpados de estarmos a ameaçar o planeta e temos que ir à procura de soluções”, começou por frisar, apontando que se atenta contra a sustentabilidade do planeta muito por culpa da energia e do recurso a combustíveis fósseis, que contribuem para “o famoso efeito de estufa e as famosas alterações climáticas”.

Abordando a evolução da quantidade de CO2 na atmosfera, destacou ainda a anomalia da temperatura, onde se verifica o aumento da temperatura média do planeta nas últimas décadas, que leva a que seja necessário a diminuição de emissão de gases do efeito de estufa, não só o dióxido de carbono, como também o gás metano.

“Temos também que os tirar de lá, porque o tempo de vida média de uma molécula de CO2 na atmosfera são 100 anos. Mesmo que parássemos hoje, por completo, de utilizar combustíveis fósseis e de emitir CO2 para a atmosfera, o CO2 lá está e vai lá ficar. E os seus efeitos vão continuar a sentir-se por muitos anos”, afirmou o físico, notando que “temos que pensar formas de retirar o CO2 da atmosfera, porque senão vamos continuar a ter o problema”. A questão é “o como”.

Segundo Collares-Pereira, a solução pode passar, primeiro, pela energia, por “via dos materiais”, associados nomeadamente à construção, e ainda pela “via do comportamento” em contexto “social e cultural”.

Foto: mediotejo.net

“É preciso um novo contrato social, associado a uma nova cultura e nova forma de estar. Mas uma nova cultura é uma coisa muito difícil: mudar a forma como as pessoas estão habituadas a pensar e a encarar a realidade à sua volta e a comportarem-se”, aludiu.

Por outro lado, referindo-se ao desenvolvimento e ao aumento da qualidade de vida e ao melhorar das condições, lembrou que isso tem acontecido “sem respeitar os recursos finitos” e o facto de “a natureza ter uma capacidade finita para resolver os nossos excessos em tempo útil”, mas “pode não fazer isso à escala de tempo que nos interessa”.

“Estamos, em muitos aspetos, a atingir os limites daquilo que é possível”, avançou, dando como exemplo o caso do clima, e referindo que se está perante “os limites do possível, à escala do planeta” enquanto algo novo para a humanidade, que agora lida com as consequências do mau comportamento, esgotando-se os limites do planeta e não tendo outro planeta para ir.

Collares-Pereira falou ainda no consumismo desmesurado, num gesto de “consumir por consumir”, induzido “pelo capitalismo desenfreado” em que “as empresas vivem para dar mais dividendos aos seus acionistas sem querer saber de mais nada, e isso não é sustentável”.

“Não fazer nada, e continuar com esta cultura, acaba por ser uma questão moral. Não podemos ignorar e temos que atuar (…) Será que eu posso ignorar o bem-estar dos vindouros? O planeta é só meu? É só nosso? São perguntas que precisam de ser respondidas”, defendeu.

“Quatro quintos da humanidade tem acesso apenas a um terço da energia fóssil; há um quinto, os ricos destes mundo, que gastam dois terços da energia. Este balanço, enquanto não for alterado, não estamos a resolver nada. Temos que alterar com novas formas de energia, mas temos que pensar que não podemos deixar para trás quatro quintos da humanidade”, frisou Manuel Collares-Pereira, referindo-se a algo “muito mais difícil do que parece”, mas considerando que “tem solução”.

O investigador concluiu reafirmando que existe tecnologia “mais do que suficiente para mudarmos completamente a forma como vivemos hoje e devemos viver no futuro”, dando exemplo do uso das energias renováveis, mas considerando que “a transição vai ser difícil” uma vez que “coletivamente estamos ainda muito pouco convictos”.

“Vejam o caso português: temos um Plano Nacional de Energia e Clima [PNEC 2030] e um roteiro para o carbono [Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050], os documentos existem, até com boas ideias e objetivos interessantes para o futuro. Mas sabiam que existiam estes documentos? Estão motivados para fazerem parte daquilo que os documentos dizem que é preciso que todos façamos no futuro? Não”, sublinhou, mencionando que existem “fortes interesses que não querem que nada mude”, entre os quais os “associados à energia convencional e outros”.

Collares-Pereira, crendo que se está no início de uma nova era “que vai trazer uma nova organização da sociedade, dos seus objetivos, interesses e comportamentos”, alertou que é imperativo o envolvimento dos cidadãos. “Temos que ser parte da solução. É o mais importante. Trata-se de uma nova cultura, políticas adequadas, legislação rigorosa, mas falta-nos exigir e fazer uma pressão sobre todos os agentes, incluindo os governos (…) Estas ideias estão a fazer há mais tempo caminho no norte da Europa do que no sul da Europa”, o que representa uma “grande assimetria cultural”, notou.

Foto: Carlos Grácio/CMA

Considerou ainda que os filósofos têm um papel importante uma vez que “é preciso racionalizar a mudança, antecipar uma nova sociedade que vai vir, é preciso estabelecer balizas, critérios, que ajudem todos os cidadãos nas circunstâncias em que cada um vive”.

No entendimento de Collares-Pereira todos têm algo a fazer e a participar da solução, porque cada um pode contribuir tanto quanto puder, em pequenos ou grandes gestos.

Também os jovens voltaram a ser desafiados a refletir e a fazer uso do seu pensamento crítico sobre o presente e o futuro, abordando as temáticas do seu ponto de vista e sendo “desassossegados” por participantes do público, de faixas etárias superiores e com outras experiências de vida, impulsionando os jovens a irem mais além na defesa das suas comunicações, argumentos e crenças em torno da sustentabilidade e sobre a urgência de alcançar soluções para um mundo mais equilibrado e cujo futuro seja esperançoso.

Três jovens vieram representar os alunos do concelho para debater o “Compromisso para o Futuro”, na habitual Conferência de Jovens Filósofos, que resultou em mais uma diversa, interativa e rica experiência, com troca e partilha de impressões entre os presentes.

Henrique Apura, 15 anos, do Agrupamento de Escolas nº1, Madalena Dias, 17 anos, em representação do Agrupamento de Escolas nº2 e Martim Machado, 19 anos, em representação da EPDRA, tomaram a palavra para expressar as suas ideias sobre o presente e o futuro e a participação da juventude na temática da sustentabilidade e os seus contributos, ou a falta deles, para participar nas soluções para um mundo melhor e mais equilibrado sob diversos pontos de vista.

Falou-se de (in)sustentabilidade, inquietações e necessidade de reflexão sobre o facto de a sobrevivência humana estar em risco, mas também se apontou “o medo da voz da desinformação”, das fake news, como um dos maiores perigos da atualidade, bem como o impacto da iliteracia ambiental.

Foto: mediotejo.net

Destacou-se a necessidade de defender os interesses que põem o futuro em primeiro lugar, e ainda se debateu sobre o papel do ativismo hoje, refletindo-se sobre ações extremistas e violentas e os propósitos de organizações ambientais e grupos de ativistas atuais cujas ações proliferam nos últimos tempos na Europa. Também se destacou a organização dos jovens de forma sustentada e concertada assente na importância da credibilidade das suas ações.

Os jovens foram ainda desafiados a ponderar sobre a qualidade de vida e sobre o seu compromisso e vontade de abdicar de certos comportamentos que acabam por ser considerados nocivos para a sustentabilidade, baseados no mundo capitalista e no consumismo, mas também se debateu sobre a capacidade de organização dos jovens em torno da luta e reivindicação por um planeta com futuro.

Falou-se do papel da política neste âmbito e de como poderá ser envolvida nestas reivindicações, além de se ter abordado a tecnologia, as mais-valias e as limitações, na ótica da transição energética e da importância das energias verdes, limpas e renováveis para mudar o paradigma, mas sem esquecer, porém, que existem constrangimentos em contexto social, económico, político, e outros, que são entrave à adesão e implementação de medidas que visam alcançar uma maior sustentabilidade ambiental e energética.

Mais uma vez, à semelhança da última conferência de jovens na edição de 2022, voltou a abordar-se o papel preponderante que tem uma rede de transportes públicos para fomentar uma mobilidade sustentável e estimular hábitos de deslocação, que reduzam os impactos do consumo, para além de se terem abordado os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável apontados pela ONU.

Em jeito de conclusão, focaram-se ideias como o facto de que só usando o que a tecnologia tem para oferecer é que se consegue melhorar e progredir, além de ser importante fazer uso de incentivos nesse âmbito. Mas também foi deixada a certeza de que, queiramos ou não, as nossas vidas têm que mudar, custe o que custar, numa mudança onde não cabem a resistência e o negacionismo, para que não se hipoteque o futuro das gerações vindouras.

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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