Da esq. para a dir.: Luís Dias, vereador da CMA com o pelouro da Cultura; João Lopes, técnico responsável pela BIA; Manuel Jorge Valamatos, presidente da CMA; o autor José Falcão Tavares e a vereadora da CMA com pelouros da Saúde e Ação Social, Raquel Olhicas. Foto: mediotejo.net

No âmbito das comemorações do 10º aniversário da Biblioteca Itinerante de Abrantes, à qual foi dado o nome de José Diniz, foi apresentada na tarde de dia 12 de maio uma obra inédita sobre a história e as estórias deste abrantino, dentista de profissão, que dedicou várias décadas da sua vida a uma biblioteca móvel e ao incentivo à leitura e ao contacto com os livros, num papel educativo e em jeito de preceptor para com muitas crianças e jovens da região, a quem mudou o rumo das suas vidas e abriu as portas do conhecimento e, com isso, alargando horizontes para o futuro de cada um.

Durante a apresentação da obra, José Tavares referiu passar esta “homenagem de autor” a uma “homenagem dos abrantinos” a esta figura da cultura e do mundo dos livros e leitura, que desde 1963 entrou nas vidas de muitas pessoas não só no concelho de Abrantes, como dos concelhos de Sardoal, Mação, Vila de Rei, Ponte de Sor e Gavião, e mais tarde também Constância.

O livro começou no ano 2011, “por amor a Abrantes e pelo reconhecimento a uma pessoa que vai para além de alguém que teve o trabalho meritório dele, porque era uma pessoa singular”, sendo que José Falcão Tavares notou que um dos desafios deste livro passou “por não dar apenas o lado de quem ia com a carrinha distribuir livros e sonhos” mas também “a faceta de um homem que sonhou um mundo novo; quando dava os livros, dava também essa semente de mundo novo”.

Foto: mediotejo.net

“Muitas pessoas que receberam os livros de José Diniz, rasgaram o céu das suas vidas e sonharam outros mundos”

José Falcão Tavares

O escritor disse ainda que o livro aborda a vida do abrantino “Zeca Diniz” e sua ligação aos pais, à família, e a Abrantes, notando a peculiaridade de só ter acabado o liceu aos 26 anos.

“Vi-o descer e subir as ruas sem ter ideia de onde vinha e para onde ia, tendo a sensação de que ele também não sabia”, referiu José Tavares, frisando sentir um “respeito enorme por ele, porque era um homem muito atarefado”, sendo que a sua função era “governar o mundo da fantasia”.

Quanto à escrita desta obra, “foi um deleite, um bónus, para esse amor que eu realmente tive, ouvir as histórias dele e como escritor ter um papel que parece ser de compère, mas é muito mais do que isso”, indicou.

ÁUDIO | José Falcão Tavares, médico aposentado e escritor, apresenta o novo livro “Dinizlândia: conversas com José Diniz”

As páginas deste livro fazem-se a partir de “dois abrantinos que estão aqui conversando, um com 60 anos e outro com 80, mas os capítulos são muito variados porque a vida dele foi assim e ele tem aqui peripécias variadas. Uma viagem à França, extraterrestres, viagens de carrinha a Mirandela… Falando de forma muito generosa, ia contando a vida dele. Uma vida muito mais brilhante que a nossa porque tinha o brilho dos olhos e da fantasia dele”.

“Se o dia 13 de maio é o dia de Nossa Senhora de Fátima, 12 de maio, para mim, é o dia do Zeca Diniz”, assinalou o autor.

Confidenciando ter pena de conter no livro poucas fotos de José Diniz e que tentou encontrar fotos de almoços que existiam aquando os jogos Benfica x Sporting onde este participava, não deixou de referenciar outro detalhe em que a pluralidade e diversidade de participações era denominador comum há várias décadas, tendo sido deixada a curiosidade de Diniz ter estado ligado a coisas muito diversas, desde a Conferência de São Vicente de Paulo e ao Partido Comunista.

Ficou a promessa do livro que nunca veio sobre um parente de José Falcão Tavares, mas na véspera de Natal de 2011 estava ao fundo da Rua Monteiro de Lima, aguardando um táxi, e viu José Diniz “descer a rua muito dobrado sobre ele próprio, mais ainda, de tal maneira que o interpelei. Não me ouviu. Tive que o abanar. E ele então, nesse dia, tinha encerrado o consultório [de dentista] que durante 60 anos o pai tinha dito e que ele continuou. E falámos sobre uma ideia que a filha tinha, de ele próprio escrever uma biografia. Mas nesse dia vi que isso nunca ia ser feito por ele. E decidi escrever. Por conseguinte, a primeira história é essa, ‘Véspera de Natal'”.

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“Ao longo do tempo, como ia ao hospital onde eu estava, pedir análises para a filha que sofria de diabetes, começou a contar-me histórias. Dessas histórias, de memória, chegava a casa e escrevia num diário. Chegou um dia que lhe disse que tínhamos um livro com as histórias que me contava. Ele não disse que não e eu fui continuando até 2017 a fazê-lo”, contextualizou o autor.

“A partir daí tentei publicar o livro, não consegui na altura, e mais tarde, conversando convosco é que surgiu o convite para poder publicar pela Câmara Municipal e pela Biblioteca, de que ele foi um homem significativo. Faz todo o sentido que tenha sido assim. Amplia a homenagem que era minha para muito mais e muito mais pessoas”, disse.

As histórias de José Diniz “poderão não ficar por aqui”, podendo vir a aparecer noutros suportes, deslindou o autor.

Na sequência da apresentação, a ocasião revestiu-se de contributos e colocou os presentes a reviver momentos partilhados e vividos com José Diniz e a sua biblioteca móvel da Gulbenkian.

Caso de Francisco Lopes, que ficou emocionado por conter este livro uma fotografia sua ao lado de José Diniz, que considerou “uma das pessoas importantes na minha vida, não tenho dúvida nenhuma disso”.

Lembrou a sua infância, e o quanto o marcou a paragem na sua aldeia, tal como marcou Leal Neto, que recordou nos anos 60 quando a biblioteca móvel parava em frente da casa dos pais.

“Com aquilo que nos dava mensalmente, alargava o nosso mundo, porque os livros que nos dava representavam outros mundos, outras realidades. Vivíamos todos neste país, muito pequeno, e isso é uma coisa que guardo dele. Ele foi a primeira imagem que tive, imaginária, do que seria um sábio”, mencionou Francisco Lopes.

Francisco Lopes, que já esteve à frente da coordenação da Biblioteca Municipal António Botto e cuja infância e ligação ao mundo dos livros e leitura também foi marcada pelo dentista-bibliotecário, emocionou-se ao deparar-se no interior do livro com uma foto sua ao lado de José Diniz. Foto: mediotejo.net

Recordando, falou ainda dos imensos livros no interior da carrinha, e a imagem que ficava de que José Diniz os teria lido a todos. “Ele era para mim um sábio”, notou, indicando que José Diniz era “uma referência” e agradecendo este novo livro.

“Ele marcou com a intervenção dele, e ele gerou gente capaz de saber pensar livremente, de criar, de ser interveniente. E devemos-lhe isso também”.

Já Luís Dias, vereador da CM Abrantes com o pelouro da Cultura, assumiu que “entrou no mundo da leitura muito por culpa” de José Diniz.

“Ele encerra nele todos os sonhos do mundo, quase como Fernando Pessoa. Era um sábio, um homem grande, extraordinário (…) Ele era claramente uma figura maior do universo literário abrantino, e era um contador de histórias como há poucos. Pessoas como esta merecem ser perpetuadas e imortalizadas”, começou.

“Eu tive o privilégio de o conhecer em criança, e o privilégio de ele me mostrar os tais volumes no interior da carrinha, no Largo dos Combatentes, no Pego”, recordou, falando numa “dívida de gratidão” para com aquele homem.

Por seu turno, a coordenadora da Biblioteca Municipal e do serviço de Bibliotecas de Abrantes, Sónia Lourenço, recuou até à década de 80, na escola de Carvalhal, e lembrou a visita da biblioteca móvel de 15 em 15 dias, que colocava as crianças “com ansiedade”. “Recordo-me de levar o máximo de livros que era possível levar e devorava… não tínhamos acesso a livros como atualmente”.

Falou-se ainda nas “chapadas e estalos inesperados”, muitas vezes “sem saber porquê” e que era uma “particularidade” de José Diniz.

José Alves Jana também participou no momento de lembrança desta figura da cultura abrantina, frisando que este servia de “ponte entre as pessoas e o livro”.

Foto: mediotejo.net

“Ele metia o livro nas mãos das pessoas. Ele introduzia as pessoas na leitura, nos livros, nos autores. Por isso é que ele contava aquelas histórias”, sendo que muita gente conta que nem só os livros da Biblioteca da Gulbenkian ele emprestava, sendo responsável por cultivar “a liberdade de pensamento” e a “educação política”.

Para Alves Jana tratou-se de “um homem que exerceu uma função muito importante dentro de um sistema que tinha as suas vantagens, mas também as suas limitações”, e além disso, “um estoriador”, sendo que “para alguém que tinha pressa, havia um senão: as histórias dele tinham sempre um princípio mas não tinham fim”.

Nesta tarde, ainda antes de se partir para a apresentação do livro à entrada da Biblioteca Municipal e junto à exposição alusiva às bibliotecas itinerantes e à importância das mesmas no país, foi revelada junto à fachada do antigo Convento de São Domingos a nova cara da Biblioteca Itinerante de Abrantes ‘José Diniz’.

Comemorando o seu décimo aniversário desde que entrou em funcionamento, a BIA apresenta-se desde dia 12 com uma renovada imagem, uma vez que passou a incluir novos tons e estampagem de ícones caraterísticos da identidade da cidade e do concelho, desde a palha de Abrantes, o Castelo, a Igreja de São Vicente, uma janela florida do centro histórico, a Torre de telecomunicações e o marco da Estrada Nacional 2.

Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara Municipal, relevou o trabalho gráfico e de design tanto do livro, como da BIA.

“Temos vindo a valorizar o senhor José Diniz da melhor forma possível, e de forma muito simples”, notou o presidente da CM Abrantes, durante a apresentação da nova obra literária com cunho do município. O autarca referiu terem sido feitos contactos com a família, quer com a filha quer com a esposa, “em tempo oportuno”, e que “reconheceram a vontade da Câmara Municipal em homenagear o senhor José Diniz, e é isso que temos vindo a fazer. E não termina por aqui”.

ÁUDIO | Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara Municipal de Abrantes

“Homenagear as pessoas e perpetuar a sua identidade no tempo, depende de todos nós e da forma como carinhosamente o temos que fazer, sempre com o devido cuidado e atenção para não se tornar uma situação mais melindrosa”, disse o autarca, agradecendo a José Tavares este livro e “o apoio nesta homenagem a homens que nos pertencem e que são nossos”.

Valamatos notou ainda o texto do prefácio da obra, pela pena do escritor José Luís Peixoto, que refere que José Diniz devia ter adorado ler este livro. O escritor, que nasceu em Abrantes mas reside no concelho de Ponte de Sor, também já havia assumido ter sido influenciado em Galveias, a sua aldeia, pela mão do responsável que conduzia pelos concelhos da região a Citroën nº32 da Gulbenkian, tendo assim passado de leitor a autor.

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Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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