Foto: mediotejo.net

As Jornadas Sociais e da Saúde debateram a experiência do Município de Abrantes no acolhimento e integração de pessoas refugiadas, dando voz no painel ao técnico Maksym Darmogray, nascido na Ucrânia, que deu conta do projeto desenvolvido pela autarquia e do acompanhamento que tem liderado desde o estalar da Guerra na Ucrânia, com a receção e acolhimento de adultos e crianças no concelho.

Numa altura em que se teme um novo êxodo da guerra, com uma nova vaga de refugiados a procurarem auxílio noutros países da Europa, incluindo Portugal, Maksym não deixou de manifestar receio com o escalar da guerra, além das necessidades que se agravam com o inverno e o frio.

“Recebi algumas questões de refugiados que estão connosco sobre se podem trazer familiares, porque estão privados de eletricidade, água, e não têm como se aquecer no inverno na Ucrânia”, conta.

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Da parte da Câmara Municipal, Raquel Olhicas refere que terá que se voltar a apelar à solidariedade, com refugiados a chegar todos os dias a Lisboa, Porto e Coimbra e contactos diários do Alto Comissariado para as Migrações. “Receamos que haja outra vaga”, diz a vereadora, indicando que muitos querem trazer outros familiares que ficaram para trás e que querem ficar a residir em Abrantes.

“Temos receio que a situação se mantenha por muitos meses, sobretudo com a crise energética, e o frio do inverno”, assumiu.

A autarquia nota que a grande preocupação, neste momento, é com a habitação disponível para acolher mais refugiados, sendo necessário angariar mais famílias de acolhimento para o efeito.

Maksym Darmogray crê que agora será mais fácil para Portugal e as organizações responderem a novas vagas de refugiados, pois agora seria mais fácil essa articulação e conexão na resposta. No início crê que algumas organizações estavam perdidas e sem saber por onde começar.

Na sua apresentação, no primeiro painel da tarde, começou por abordar a plataforma municipal criada, “Abrantes Unida pela Ucrânia”, de onde também surge o Gabinete de apoio ao povo ucraniano, onde uma das primeiras iniciativas se tratou de uma recolha de bens e ajuda humanitária que seguiu num camião até à fronteira para auxiliar os ucranianos entre as cidades de Lublin, no leste da Polónia, e chegando depois a Rivne, já na Ucrânia.

Também foi realizada, no centro da cidade de Abrantes uma vigília pela paz na Ucrânia, com participação do padre ortodoxo de nacionalidade ucraniana, Ivan, onde se uniu a comunidade abrantina aos ucranianos residentes no concelho.

Abrantes acolhe atualmente 44 refugiados vindos da Ucrânia, entre os quais 25 adultos (três homens e 22 mulheres) e 19 crianças (6 meninas e 13 meninos).

Do total de crianças, com idades compreendidas entre os 6 e os 8 anos, 14 estão a frequentar escolas em Abrantes, no ensino português, e cinco têm aulas online por opção.

Por outro lado, 36 dos refugiados (17 adultos e 19 crianças) que chegaram a Abrantes já saíram do concelho, por terem optado por voltar na maioria para a Ucrânia, outros foram para a Polónia, estando mais perto da fronteira, e alguns foram para outras cidades de Portugal, residindo junto de familiares e amigos.

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Maksym Darmogray, técnico responsável do Gabinete de apoio ao povo ucraniano do Município de Abrantes

Entre as entidades envolvidas no processo de integração dos refugiados, além da Câmara Municipal e juntas de freguesia, estão também ativos a Rede Social de Abrantes, várias IPSS, residentes locais e grupos de apoio, em articulação com organismos nacionais e instituições regionais, desde o IEFP, Segurança Social, Autoridade Tributária e Aduaneira, Loja do Cidadão, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Cáritas Portuguesa, Alto Comissariado para as Migrações, Centro Hospitalar do Médio Tejo, SNS e Agrupamentos de Escolas de Abrantes e Ministério de Educação.

Em entrevista ao mediotejo.net, a vereadora Raquel Olhicas fez um balanço do trabalho que tem sido desenvolvido pelo Gabinete de apoio ao povo ucraniano, relevando o papel e proatividade do técnico Maksym, elemento fundamental para desde logo quebrar uma das principais barreiras neste acolhimento e integração: a língua.

Entrevista | Raquel Olhicas, vereadora da Câmara Municipal de Abrantes, faz ponto de situação do trabalho efetuado pela autarquia no apoio aos refugiados

O município prossegue com auxílio na disponibilização de bens alimentares, visto que os ucranianos refugiados em Abrantes “ainda não têm autonomia financeira”, sendo por isso distribuídos cabazes pontualmente.

Também são asseguradas idas a consultas médicas, sendo feita supervisão sobre a integração das crianças nas escolas de Abrantes. “Eles conseguem aprender com muita facilidade, são jovens com idades ainda na ordem dos 6 a 8 anos, portanto conseguem apreender muito bem o português”, notou.

Raquel Olhicas frisou que o trabalho “é contínuo” e continuam a existir contactos com o Alto Comissariado para as Migrações, ainda que se note um decréscimo das famílias de acolhimento disponíveis.

“Tivemos muita oferta no início, com pessoas a oferecerem as casas, mas nesta fase temos os refugiados alojados num edifício da Paróquia de Abrantes, numa cedência do Padre Castanheira, a quem agradecemos profundamente”, adiantou. Alguns refugiados estão em casas de familiares e outros na Pousada da Juventude.

O trabalho que tem sido feito passa pelo acompanhamento dos refugiados a tratarem de assuntos pessoais e legais a organismos como o IEFP e o SEF, entre outros, além da articulação com instituições e a aprendizagem da língua portuguesa, através do projeto PLA (Português Língua de Acolhimento).

Neste aspecto, Samuel Pereira, falou na resposta que se impôs em termos de acolhimento e integração dos refugiados ucranianos, num ato de solidariedade no terreno a par de outras instituições e serviços nacionais.

Frisando que Portugal já concedeu mais de 55 mil proteções temporárias a pessoas que fugiram da guerra da Ucrânia, desde 24 de fevereiro, deu conta dos inscritos no IEFP com proteção internacional temporária (refugiados) no Centro de Emprego e Formação Profissional do Médio Tejo.

Segundo dados de 30 de novembro, no Serviço de Emprego de Abrantes, que agrega ainda os concelhos de Mação, Sardoal e Constância, estão inscritos 43 cidadãos ucranianos, enquanto no Serviço de Emprego da Sertã constam 17 inscritos. Em Tomar estão inscritos 200 refugiados de nacionalidade ucraniana e em Torres Novas estão 115. No total nacional, estavam inscritos no IEFP àquela data 12 782 refugiados.

Quanto às ações de formação de PLA (Português Língua de Acolhimento), estavam inscritos a 30 de novembro, 1477 refugiados dos quais 341 são homens e 1639 são mulheres, incluindo outras nacionalidades que possam ter vindo da Ucrânia.

Entre os quatro níveis do PLA (A1/A2 e B1/B2), com cursos a decorrer em Abrantes ou planeados para tal, com ações entre 150 a 175 horas, estão inscritos entre 10 a 19 refugiados, tendo-se contabilizado apenas três desistências até então.

José Gomes, em representação da REIVA – Rede Especializada de Intervenção na Violência de Abrantes, do Município de Abrantes. Foto: mediotejo.net

As jornadas encerraram com uma sessão artística e palestra pela Associação Tocar N’Alma, na voz de Sílvia Abreu, dando o testemunho na primeira pessoa sobre o que é ser vítima de violência doméstica e refletindo sobre o contexto social e familiar, os desafios, os medos e o dever cívico de denúncia de casos que estejam a atentar contra mulheres, homens, jovens, crianças e até idosos, sendo certo que o número de vítimas continua a ser crescente ano após ano.

Num exercício que envolveu os participantes, profissionais da área social e da saúde do concelho e da região, foi trabalhada a temática da violência doméstica, nas suas várias formas, por via da palestra e sessão artística “Recuso ser Vítima”, por Sílvia Abreu, presidente da Associação Tocar n’Alma, com histórias na primeira pessoa que pretenderam “inspirar e transformar”.

Começando com um momento de descontração com uma palhaça a invadir o auditório, passou-se depois a debater um tema muito sério, abordando o papel da vítima, do agressor, com troca de ideias e partilha de impressões e opiniões.

Sob o mote “Ninguém sabe o que esconde um rosto…”, houve tempo para uma performance sobre a postura e emoções sentidas pela vítima, que se sente anulada, cristalizada, encurralada, sem voz, sem poder sair daquele sofrimento que é motivo para doenças, nomeadamente de saúde mental.

Também se assistiu a um vídeo sobre o ciclo da violência doméstica, um círculo vicioso entre agressão e desculpabilização, com altos e baixos, mas em que agressão vai subindo de tom e a vítima vai sendo submetida a maus tratos de ordem psicológica, verbal e física.

Sílvia acabou por dar o testemunho na primeira pessoa, enquanto vítima de violência doméstica no passado, mencionando as estratégias de fuga que fazem com que as vítimas vão procurando formas de não encarar e assumir que verdadeiramente o são.

O testemunho de coragem e libertação de Sílvia Abreu, nomeadamente com a nova vida que ganhou ao aceitar que era vítima e que precisava de ajuda, começou quando entendeu que merecia ser ajudada e que, acima de tudo, tinha nascido para ser feliz. Ainda assim, ficou claro que qualquer pessoa pode ser vítima.

A sessão terminou com uma adaptação da música “Imagine”, de John Lennon, cantada em uníssono pelos presentes, num hino alusivo à violência doméstica. Mas foi com a força e pujança do fado que Sílvia Abreu fechou a sessão, numa performance emotiva de “Nem às Paredes confesso”, de Amália Rodrigues.

Raquel Olhicas, vereadora da CM Abrantes. Foto: mediotejo.net

Coube, no final, a Raquel Olhicas, fazer um balanço dos trabalhos que decorreram ao longo do dia das Jornadas Sociais e da Saúde de Abrantes.

A vereadora traçou um balanço muito positivo desta primeira edição que juntou a Ação Social à Saúde, onde foram tratados temas relevantes para o município, caso do envelhecimento ativo, a prevenção de doenças e a segurança dos idosos, a violência doméstica nas mulheres, crianças e seniores e o acolhimento de refugiados.

ENTREVISTA | Vereadora Raquel Olhicas, com o pelouro da Ação Social e Saúde, no Município de Abrantes, fez um balanço do dia e falou sobre as temáticas que encerraram o programa das Jornadas Sociais e da Saúde
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Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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