Marine Antunes recusa referir-se ao cancro como “maleita”, “praga” ou “coiso” e trata-o pelo primeiro nome sem rodeios desde o dia em que a doença se transformou no maior problema da sua adolescência. A jovem decidiu contrariar o estigma da doença e transformar as lágrimas de dor em lágrimas de riso através da palestra “Cancro com Humor” que se realizou a 18 de novembro, no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha.
A adolescência traz inúmeros dilemas, desde o amor não correspondido à simples borbulha. No entanto, os 13 anos de Marine Antunes ficaram marcados pelo surgimento de um linfoma que a confrontou, não com as típicas questões existenciais, mas com a continuidade da sua existência. Os tratamentos ajudaram-na a ultrapassar o cancro e a eles juntou o humor que decidiu adotar como “arma”.
Hoje com 26 anos, Marine Antunes desdobra-se entre as iniciativas do projeto “Cancro com Humor”, como a palestra que teve lugar no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha esta sexta-feira. Um momento de “partilha momentânea, em que o humor sai espontaneamente” e demonstra que “o riso pode e deve estar de uma forma natural na nossa vida nos melhores e piores momentos”, disse a jovem ao mediotejo.net.

Transformar lágrimas de dor em lágrimas de riso é encarado como uma “missão” e uma “responsabilidade muito grande” que Marine assume com “naturalidade” assim que os nervos dos primeiros minutos desaparecem. Não se trata de um momento de “stand-up comedy ou teatro”, mas sim de um conjunto de relatos da sua experiência pessoal enquanto doente oncológica marcados pelo “humor de identificação” confirmado pelos acenos e comentários de outros doentes sentados na plateia.
Presentes estiveram também as gargalhadas que comprovaram as palavras de Marine ao dizer-nos que a situação é “difícil”, mas “as circunstâncias não nos formam e não temos que perder o humor só porque estamos doentes. Vamos acreditar que a doença é apenas um percalço e devemos manter-nos iguais a nós mesmos”.

Ao longo de mais de uma hora ouviram-se algumas peripécias do seu contacto com o cancro. Entre elas, a forma como foi encarada a “estrela da terra” quando estava doente, a resposta “porque não fazes o mesmo?” aos comentários sobre como lhe assentava bem o “estilo careca”, a atribuição do seu sorriso “à medicação ou ao estado de negação” por parte dos “saudáveis” ou o “fetiche” dos médicos do IPO em fazer os doentes esperar horas para serem atendidos.
Além de relatos, foram partilhados excertos do livro “Cancro com Humor” lançado recentemente. Num deles, parte da carta que escreveu ao cancro, são destacadas as consequências positivas desta doença que “anda com muita gente ao mesmo tempo”: conheceu “gente extraordinária”, passou a querer os seus junto de si e fortaleceu-lhe “a fé nos homens”.

Mais custoso do que a doença, contou ao público, foi “tirar a carta de condução” e o número 13, idade em que o cancro surgiu, não é encarado como um número de azar. Andar na “cancer school”, como chama aos ensinamentos de vida, fez com que o presente deixasse de ser vivido perdida em memórias do passado ou ânsias do futuro.
O facto de ainda não ter tido alta médica é referido como “uma possível paixão platónica” que o médico tem por ela com a mesma suavidade com que outras doentes oncológicas partilharam a “eterna busca pela mama perdida”. Uma delas pela casa desde que o peito lhe foi removido e outra pelo hospital quando lhe perderam a prótese mamária.
Quem assiste à palestra “Cancro com Humor” não encontra uma mensagem de esperança, não esquece a doença, nem descobre uma solução para a cura. Aceita que ela existe e, segundo Marine, faz-lhe “peito mesmo quando nos cresce no peito”.