Maike Bispo, 41 anos, dedica-se ao mundo das artes visuais e está em Vila Nova da Barquinha desde 2018, participando atualmente em diversos projetos na região. Foto: mediotejo.net

De São Paulo para Vila Nova da Barquinha dista um oceano e um acaso na vida de Maike Bispo. Da ilustração ao design gráfico, das exposições de arte à moda, da fotografia aos retratos, é um camaleão no mundo das artes visuais e encontrou junto ao Tejo um mundo de cultura, arte, tradições e saberes que o fizeram ficar por cá, já lá vão três anos. Entre uma envolvência a fundo com a cultura, com as gentes, com os aromas e sabores de uma terra que representou a mais profunda mudança de paradigma na sua vida, o ilustrador vê a cada dia crescer o número de projetos e também a vontade de continuar pela terra dos sorrisos. Criar uma entidade conjunta para os 13 concelhos do Médio Tejo, aprofundar a temática dos fenómenos, associada ao Entroncamento, e perpetuar a história dos heróis e grupos de cantares locais são algumas das ideias que tem perspetivadas, paralelamente ao estúdio criativo que criou no Brasil, através do qual trabalha para grandes marcas internacionais, como a marca de gomas Fini, a Red Bull e a Mercedes Benz.

“Aqui, eu vim com outra ideia: cuidar mais do setor cultural e patrimonial. Menos marca, mais cultura e património. Desde que cheguei, percebi que Portugal tem uma história ampla, profunda, diversa, mas tudo visualmente tem coisas muito desinteressantes. E eu falei ‘ótimo, tem aqui uma oportunidade’ ”, lembra Maike Bispo, homem dos sete ofícios das artes visuais.

Na chegada a Portugal, a prioridade foi “absorver. Sempre ouvi muita música portuguesa desde que cheguei aqui, sempre tentei ler, ver as entrevistas para entrar no espírito português. Eu como empresário e como ilustrador, senti que em Portugal não podia chegar com uma arrogância de ‘eu vou dar uma solução para vocês’. Eu achei que era mais legítimo – e isso eu percebi no meio do caminho – que era mais interessante eu parar, ouvir, comer com vocês, beber com vocês, desenhar com vocês, conversar com vocês, ler as histórias, ouvir as músicas, participar nos eventos e criar essas relações”, confidencia.

E é abraçado pelas ligações que criou desde o dia 25 de janeiro de 2018 que hoje, abraçado pelo cenário do Tejo e envolvido pela brisa da cultura que paira no ar, mostra à região aquilo que nunca deixou de fazer desde que se lembra: desenhar.

Maike Bispo tem o seu espaço no local de co-working CAIS – Ninho de Empresas, desde setembro de 2020. É aqui onde desenvolve o seu trabalho artístico. Foto: mediotejo.net

“É muito comum a pergunta de ‘quando começaste a desenhar?’ e eu pergunto ‘quando paraste de desenhar?’. Todos começam por desenhar. Uma das primeiras comunicações da criança é por via do desenho. É automático, ela pega, ela risca. E em algum momento do nosso desenvolvimento nós interrompemos isso, não sei porquê – ou por falta de estímulo ou porque se criam outros estímulos – mas eu sempre continuei”, admite.

O artista confessa que não se vê como “um ilustrador brilhante”. “Eu não sabia que ia ser ilustrador. Achava até que não tinha muito talento para tal”, diz, relembrando os tempos em que estudou na “escola dos génios, dos grafiteiros, de malta que se tornou internacionalmente de peso”. Foi aí que teve contacto com a diversidade da arte, cujo gosto desenvolveu em simultâneo graças às regulares idas ao teatro, a espetáculos de dança, cinema, exposições – coisas que, numa consciência quase inconsciente, contribuíram para o aguçar daquela que é a sua linguagem de vida, a das artes visuais.

A meio da formação em artes visuais, com o sonho de cinema em Havana e num emprego num estúdio de ilustração que trabalhava da América Latina para agências publicitárias de todo o mundo, Maike Bispo deu o passo em frente e avançou com o seu próprio estúdio criativo em 2007, o ‘Superludico’.

“Um tempo antes de criar o estúdio, eu tinha uma casa muito grande em São Paulo onde eu dava umas festas com exposições. Eram festas de quatrocentas a quinhentas pessoas e eu fazia esse projeto de curadoria para exposição. Eu preparava essas festas muitos meses antes e sempre entrou no mapa das artes em São Paulo, fiz quatro festas. Daí quando me perguntam se abri o estúdio porque trabalhei num estúdio, não. Eu abri o estúdio porque achei que me tornei tão bem articulado com as pessoas, em movimentar relações, que acho que o estúdio foi um pouco mais por aí. No final, eu gostava de fazer o link entre as pessoas, gostava de fazer o atendimento, gostava de criar – mais do que ficar ali no computador a produzir coisas”, conta ao mediotejo.net.

Movido pela mente de Maike e do seu sócio – este a trabalhar a partir do Brasil -, as ideias fervilham a cada instante, as possibilidades e soluções multiplicam-se, bem como os estilos e conceitos visuais, resultando em trabalhos únicos que chegam a clientes como a Puma, a Fini, os Mentos, a Red Bull, a Hot Wheels, a marca Havainas e até à companhia aérea British Airways ou à Mercedes-Benz.

“Um cliente muito forte atualmente são as gomas Fini, há três anos que trabalhamos para eles e estamos a desenvolver todas as personagens e conceitos de embalagens que começaram agora a sair para o continente europeu e para o continente latino-americano”, revela, admitindo que a chave para o sucesso está no “trabalho de relações que se constrói com os anos” e também “com muita cara de pau”.

“De realmente ligar, de insistir, de montar um portfólio, de enviar para as agências”, diz.

A paragem em Vila Nova da Barquinha foi “um acaso”, num caminho onde Portugal não fazia parte dos planos. “Eu estava em São Paulo e a minha ideia era ir para Nova Iorque. De Nova Iorque para Vila Nova da Barquinha, em comum têm o “N”, diz, soltando uma gargalhada.

“Foi uma quebra de paradigma porque foi algo que eu não esperava. Nova Iorque era um plano, Vila Nova da Barquinha foi uma surpresa. (…) Eu precisava de um tempo de São Paulo. São Paulo é uma cidade que gosto muito – cresci ali, os meus melhores amigos estão ali, os amores, as histórias, a formação, e sou muito orgulhoso de ser paulistano – mas é uma cidade muito dura, é uma cidade que te consome muito: tu deves tempo, tu deves competência, deves dinheiro, deves tudo ali. (…) Eu precisava de quebrar isso mas precisava de ir para muito longe, praticamente atravessar o oceano, e foi isso que aconteceu”, conta.

“E depois uma amiga minha que tem o atelier aqui próximo, convidou-me para desenvolver alguns projetos com ela e disse ‘se gostares, ficas, se não gostares, voltas’. (…) Eu tive a oportunidade de ficar um tempo aqui e acabei por desenvolver relações muito boas com a Câmara, com os músicos, com as pessoas da vila”, lembra.

Foi com a fotografia, através dos retratos que começou a fazer e a partilhar na sua página de Instagram que acredita ter ganhado visibilidade na vila que adjetiva de “muito interessante” e onde vive o melhor de dois mundos – por um lado, chega a qualquer ponto do globo com o trabalho de marca produzido no estúdio de ilustração por si criado em 2006, e, por outro, vai alimentando um trabalho de artista independente, a ganhar projeção a nível regional.

Desde “a honra” de ilustrar o segundo volume das Crónicas Históricas da Barquinha, obra da autoria de António Roldão, até ao desenvolvimento de uma imagem promocional de Gualdim Pais, os olhos de Maike Bispo estão postos nas peculiaridades da região, estando em cima da mesa a criação de uma identidade visual para os 13 concelhos do Médio Tejo, o tema dos fenómenos do Entroncamento como base para “ir atrás de novos fenómenos”, a temática dos Templários ou até a eternização dos grupos de cantares.

“Eu nunca fui muito dos grupos folclóricos – eu sou de São Paulo, sou do rock, sou do caos – mas quando cheguei aqui achei tão encantador (…) gostaria de registar e fazer uma exposição, fazer um livro, ilustrações, porque muitos desses grupos desaparecem porque as pessoas são velhinhas, morrem e não há nenhum registo”, conta.

“Tanto o desenho quanto a fotografia, mais do que fotografar e mais do que desenhar, é o que tu queres passar ali, é uma história. Porque as pessoas querem consumir uma história”, acrescenta.

Atualmente a frequentar um curso de fotografia documental, no Porto, onde encontra o necessário “choque metropolitano”, também membro de um grupo de sketch urban, em Leiria, aos 41 anos Maike Bispo vai descobrindo dia após dia o país além do oceano, com o coração ocupado pela vila que o recebeu e na qual quer, admite, “deixar a minha marca”.

Ana Rita Cristóvão

Abrantina com uma costela maçaense, rumou a Lisboa para se formar em Jornalismo. Foi aí que descobriu a rádio e a magia de contar histórias ao ouvido. Acredita que com mais compreensão, abraços e chocolate o mundo seria um lugar mais feliz.

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