Troço da coluna do antigo Pelourinho da Atalaia regressa para as mãos da comunidade quase um século depois. Foto: CMVNB

O troço da coluna do antigo Pelourinho da Atalaia voltou para as mãos da comunidade quase um século após a sua saída, por volta de 1925. Encontrada no inventário do Convento de Cristo, a peça manuelina está a partir de agora instalada num espaço que representa a memória e a identidade atalaienses, o Centro Comunitário da Atalaia. Além do pelourinho, para breve está também a vinda para a freguesia da Pedra de Armas, representativa do brasão dos antigos Condes da Atalaia, a ser instalada na Igreja Matriz.

Há muito que Fernando Freire, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha e acérrimo curioso da história local, procurava o paradeiro do pelourinho da Atalaia, seguindo a mesma intenção de gerações anteriores que há cerca de três décadas tentavam trilhar caminho para recuperar parte do seu património e reconstruir a história.

“Há uns 30 anos, eu e o senhor António Graça Vital [o primeiro presidente eleito da Junta de Freguesia de Atalaia] falávamos muito da possibilidade de vir esta peça. Trocámos muitas impressões”, lembra Manuel Honório, atual presidente da Junta de Freguesia de Atalaia, num dia “muito importante” e que representa o culminar de um processo de anos de tentativas de encontrar e devolver o antigo pelourinho do outrora concelho da Atalaia.

De estilo manuelino, a peça terá saído do concelho entre 1923 e 1925. Fernando Freire refere relatos do historiador Júlio Sousa e Costa que dizem que “tinha sido levado para o Convento de Cristo [em Tomar] o que restava do pelourinho da Atalaia”.

“O nosso pelourinho foi encontrado ao lado da estrada nacional, alguém teve o cuidado de o enviar para depósito para o Convento de Cristo”, conta Fernando Freire, que em 2012 tentava pela primeira chegar até ao dito cujo, sem sucesso. Numa segunda tentativa, mais recentemente, o historiador local e autarca conseguiu chegar, através da ajuda de um técnico da Direção-Geral do Património Cultural, ao n.º610 do inventário do Convento de Cristo – o troço da coluna do pelourinho da Atalaia.

Desenvolveram-se então os contactos com Andreia Galvão, diretora do Convento, no sentido de trazer a coluna para a posse municipal, situação que se veio a concretizar com o retorno do respetivo troço da coluna do pelourinho para a freguesia da Atalaia no passado dia 15 de agosto, quase um século depois de ter saído.

Troço da coluna do antigo Pelourinho da Atalaia regressa para as mãos da comunidade quase um século depois. Foto: mediotejo.net

Um “dia importante” que coincidiu com a data de aniversário da Junta de Freguesia e com o feriado de Nossa Senhora da Assunção, e no qual a atual diretora do Convento de Cristo, Andreia Galvão, sublinhou, numa breve cerimónia para assinalar o momento, o “dinamismo e interesse” existente para “repor e trazer identidade para a vossa terra”.

“É fundamental manter a memória, trazer a memória, trazer a identidade. E identidade é aquilo que faz de nós e dos jovens seguir em frente”, disse ainda, mostrando abertura para continuar a colaborar com o município na reconstrução da sua história.

ÁUDIO | Andreia Galvão, diretora do Convento de Cristo

O bom filho a casa torna e o troço da coluna do antigo pelourinho da Atalaia a casa voltou, tendo para o efeito sido inclusive assinado um protocolo de colaboração entre o Município e a Direção Geral do Património Cultural para depósito de bens culturais móveis.

Instalado no Centro Comunitário da Atalaia, local representativo da memória e da identidade atalaienses, o retorno do troço do pelourinho manuelino, referente ao Foral da Atalaia de 1514, é para o presidente do Município de Vila Nova da Barquinha o “regresso de algo simbólico e que edifica o sentimento desta terra, que foi concelho até à reforma de 1836”.

Símbolo de independência municipal, por um lado, mas visto como “um lugar hostil”, por outro, Fernando Freire não nega a importância de devolver o pelourinho à comunidade. “O que nos diferencia não é o passado, é a humanidade, a tolerância para com o próximo e é essa mensagem que vos quero passar”, afirmou.

UM POUCO DA HISTÓRIA DO PELOURINHO DA ATALAIA

No dia em que se assinalou o regresso do troço da coluna do pelourinho manuelino para a freguesia da Atalaia, houve direito a uma palestra subordinada ao tema, a cargo do historiador e autarca Fernando Freire, que começou por fazer questão de sublinhar que, se a peça não tivesse sido guardada no Convento de Cristo, tal momento não teria acontecido.

Guiando-se pela história, a qual já havia desfiado em publicação no mediotejo.net intitulada “As forcas e os pelourinhos da Atalaia, Tancos e Paio de Pelle”, Fernando Freire começou por lembrar que o pelourinho, atribuído através de carta de Foral, fora concedido por D. Manuel I em 1514, e encontrava-se na principal praça da vila, onde era na época Câmara Municipal da Atalaia.

ÁUDIO | Fernando Freire, autarca de Vila Nova da Barquinha

O pelourinho foi destruído por volta de 1863-1867, a mando da vereação camarária, segundo escrito pelo médico Xavier da Cunha, em 1881, que aponta como pretextos apresentados por quem destruiu a “decência e asseio público”.

“Quais são os motivos de destruição do pelourinho? São desconhecidos, mas não andaremos muito longe da verdade se conjugarmos a destruição com a forte ligação dos povos da Barquinha com a causa liberal”, sublinha Fernando Freire.

ÁUDIO | Fernando Freire, autarca de Vila Nova da Barquinha

Importa não esquecer que, embora símbolo de liberdade municipal, o pelourinho era também visto como objeto de desonra e tortura (para os liberalistas) uma vez que as suas funções passavam pela execução de penas – açoites, mutilação, amputação – sendo ainda hoje visível no troço da coluna do pelourinho da Atalaia aquilo que o historiador crê serem “ferros de sujeição”, através dos quais eram agarrados artefactos para prender aqueles que iriam ser castigados.

ÁUDIO | Fernando Freire, autarca de Vila Nova da Barquinha

 

PEDRA DE ARMAS/BRASÃO DOS CONDES DA ATALAIA VAI PARA IGREJA MATRIZ

Com o objetivo “reconstruir a história”, o presidente da Câmara de Vila Nova da Barquinha admite continuar a tentar “que as memórias e a história voltem para esta terra”, sendo outro exemplo disso a Pedra de Armas, que representa o brasão dos condes da Atalaia.

“A nossa pedra de armas foi desapeada, os descendentes dos condes da Atalaia levaram-na para o Ribatejo Sul mas dentro em breve estará, por vontade deles, na Igreja da Atalaia”, divulgou o autarca, admitindo que assim “vamos continuando a construir a nossa história, a nossa memória, sempre com uma perspetiva de tolerância, de respeito pelo passado”.

Fernando Freire deu uma palestra sobre o Pelourinho da Atalaia, anunciando também o regresso “para breve” da Pedra de Armas. Foto: mediotejo.net

Recorde-se que em dezembro passado foi celebrado um protocolo entre o Município de Vila Nova da Barquinha e familiares do Segundo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Manoel, para a doação da pedra que representa “o brasão da Família Manoel, envolto pelas referências à qualidade de Bispo e Patriarca que usou o Senhor D. João Manoel (1686-1758), cujos restos mortais se encontram sepultados na Igreja Matriz da Atalaia”, conforme se pode ler no documento.

No protocolo, a que o mediotejo.net teve acesso, os familiares de D. José Manoel comprometem-se “a doar a ‘pedra de armas’ (…) a qual deverá ser colocada na Igreja Matriz da Atalaia, devidamente enquadrada nos termos da proposta arquitetónica a apresentar pelo 1º outorgante Arqtº D. Bernardo d’Orey Manoel”.

É também descrito os dizeres que a mesma deverá conter: “Pedra de Armas de D. José Manoel da Câmara (Lisboa, 25 de Dezembro de 1686 – Atalaia, 9 de Julho de 1758), segundo Patriarca de Lisboa (1754), filho dos quartos condes de Atalaia, cujos restos mortais se encontram sepultados no altar-mor desta Igreja. Originalmente, esta Pedra de Armas foi concebida para a ‘Casa do Patriarca’ (Atalaia). Na primeira metade do século XX, foi removida e instalada no portão principal da Quinta (localizada no distrito de Santarém). Em 2020, descendentes do segundo Cardeal Patriarca de Lisboa ofereceram à Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha este testemunho histórico, para que pudesse regressar à povoação da Atalaia.”

Recorde-se que é na Igreja Matriz Atalaia que se encontra o túmulo de D. José Manoel, segundo Cardeal Patriarca de Lisboa, junto ao qual será colocada a referida Pedra de Armas.

O protocolo refere ainda que “no caso de a Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha vir a adquirir, no futuro e a título definitivo, a referida ‘Casa do Patriarca’, sita na Vila da Atalaia, as partes acordam em que a ‘pedra de armas’ deverá então voltar a ser colocada nessa casa, uma vez que foi concebida para aí figurar”.

Ana Rita Cristóvão

Abrantina com uma costela maçaense, rumou a Lisboa para se formar em Jornalismo. Foi aí que descobriu a rádio e a magia de contar histórias ao ouvido. Acredita que com mais compreensão, abraços e chocolate o mundo seria um lugar mais feliz.

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