A História de Vila Nova da Barquinha faz-se de muitos capítulos e recantos. Alguns surgem nos livros, outros em guias turísticos, mas existem aqueles que a tradição oral perpetuou e as pesquisas de António Luís Roldão confirmaram. Foi ele quem nos guiou os passos esta quinta-feira, dia 20, durante uma caminhada pelas memórias de uma Barquinha antiga, na companhia de mais de meia centena de pessoas, e que agora partilhamos.

Seis e meia da tarde em ponto e encontramos o grupo no Largo 1º de Dezembro, junto ao Centro Cultural, preparado para percorrer a História da vila desde os tempos remotos em que o Tejo motivou a fixação dos que passavam por estas terras entre margens ribeirinhas. Mais de meia centena de pessoas aceitou o desafio da iniciativa ligada ao projeto de Educação Histórica e Cultural desenvolvido pela artista Paula Simão, que participou nas Residências Artísticas do Centro de Estudos de Arte Contemporânea em 2018.

Garrafas de água distribuídas e os primeiros passos foram dados em direção à Rua da Barca, guiados por António Luís Roldão, um filho da terra que partilha com ela esta rua como local de nascimento. As origens de ambos estão separadas por quatro séculos, mas isso não parece ser problema pois as suas pesquisas levaram-no a conhecer como ninguém as memórias que a vila foi adquirindo com o passar do tempo.

António Luís Roldão com imagem antiga do Porto da Bouca / Bouça. Foto: mediotejo.net

Da pasta que levou na mão durante a caminhada de quase duas horas apenas tirou a imagem antiga do local da origem da atual Vila Nova da Barquinha, o Porto da Bouca / Bouça. O resto saiu-lhe da cabeça, contado de forma simples e pontuado pela descontração que aligeirou os cerca de três quilómetros percorridos por gente de todas as idades. Mães, pais, filhos, amigos, casais ou mesmo sozinhos, os participantes foram seguindo o “professor” nesta aula de História ao ar livre.

Primeiro capítulo terminado e a paragem seguinte foi no edifício da antiga estalagem, outrora gerida por Abel Gomes e sobre a qual existem relatos da existência de uma cisterna de abastecimento público no seu interior, datada de 1640. O mesmo espaço tem associada uma notícia do jornal “O Século” no ano de 1900, dando conta do trapaceiro que ali se fez passar por um Fiscal do Selo e tentou pernoitar gratuitamente… sem sucesso.

António Luís Roldão e Paula Simão. Foto: mediotejo.net

As histórias e estórias foram-se multiplicando, muitas sem serem anunciadas nos roteiros entregues aos caminhantes, como as dos local onde agora funcionam os CTT ou da Igreja Matriz. Outro ponto de paragem foi o Largo do Estaleiro, cujos tanques de água atuais vieram substituir obras antigas, nomeadamente as que ali se fizeram para acolher a construção, reparação e descarregamento dos barcos que davam cor ao Tejo, sobretudo entre os séculos XVII e XIX.

Fomos seguindo caminho, embrenhando-nos pelas ruelas e muitas vezes acelerando o passo quando António Luís Roldão dava sinal: “vamos, vamos”. Assim fizemos até chegar ao Largo Marechal Gomes da Costa, também conhecido pelo Canto do Chinelo. O que lhe dava nome não eram os marítimos que viviam naquele bairro, mas as esposas que os recebiam ao final do dia e asseguravam a limpeza da casa deixando o calçado à porta.

António Luís Roldão. Foto: mediotejo.net

Não foi de chinelos, mas de sapatilhas que continuámos o passeio histórico até ao Chafariz, projetado por Joaquim Santana Haiseler e construído no centro da vila, onde passou a partilhar a água da nascente da Fonte da Moita a partir de 1863. Nessa altura, já a Quinta da Lameira, o último ponto do itinerário, tinha histórias para contar. Momentos cronometrados pelo relógio de sol desta quinta agrícola, com solar e capela datados do século XVIII, que foi habitada até ao século XX e tem agora perspetivas de futuro com as notícias de ter achado novo dono.

Foi ali que o grupo se despediu após a última lição do dia – neste caso, da noite que chegou entretanto – de António Luís Roldão. Aos ensinamentos do “professor” juntou-se o pedido de Paula Simão para que não se deixassem morrer as memórias. Não só as que se percorreram esta quinta-feira, mas todas as que tornam as terras únicas e se ariscam a desaparecer se, algures na caminhada do tempo, não pararmos para ouvir as vozes de cada lugar.

Sónia Leitão

Nasceu em Vila Nova da Barquinha, fez os primeiros trabalhos jornalísticos antes de poder votar e nunca perdeu o gosto de escrever sobre a atualidade. Regressou ao Médio Tejo após uma década de vida em Lisboa. Gosta de ler, de conversas estimulantes (daquelas que duram noite dentro), de saborear paisagens e silêncios e do sorriso da filha quando acorda. Não gosta de palavras ocas, saltos altos e atestados de burrice.

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