Primeiro Sargento António Magalhães e a sua companheira, Nyke. Foto: mediotejo.net

O melhor amigo do homem continua a ter emprego militar um pouco por todo o mundo. Por cá, estes amigos de quatro patas incorporam as Forças Armadas desde a Guerra do Ultramar. No Regimento de Paraquedistas, em Tancos, estes cães são ainda atualmente treinados para as mais variadas missões, desde deteção de explosivos, buscas, guarda, proteção individual, ou mesmo para saltos de paraquedas.

Foi precisamente nas instalações deste regimento onde o mediotejo.net se encontrou com António Magalhães, primeiro sargento e comandante da primeira equipa cinotécnica do pelotão cinotécnico do Regimento de Paraquedistas – acompanhado pela sua fiel companheira Nyke, uma pastora-belga-malinois e excelente exemplar de cão de patrulha – para perceber um pouco mais sobre estes denominados “cães de guerra”.

O treino dos denominados “cães de guerra” é contínuo para assegurar uma permanente capacidade operacional. Foto: mediotejo.net

A incorporação da cinotécnia teve início na Força Aérea – na altura em que os Caçadores Paraquedistas pertenciam à Força Aérea – quando no dia 4 de julho de 1957 o secretário de estado da aeronáutica, Tenente-Coronel Kaúlza de Arriaga, assinou um despacho que previa a criação de cães para incorporarem o Batalhão de Caçadores Paraquedistas.

A primeira missão, que deu início ao destaque dos cães de guerra decorreu em Angola, no ano de 1961, onde houve a necessidade de proteção. A proteção que estes animais concederam às forças que se deslocavam no terreno, os alertas, apreensões e demonstração de força que permitiram, colocaram as valências das equipas cinotécnicas em destaque e deram início ao emprego destas forças. Em 1994, os Paraquedistas deixaram de integrar a Força Aérea passando a integrar o exército mas continuou a ter presente a cinotecnia, até aos dias de hoje.

Embora, em termos de missões, não estejam atualmente a ser utilizados, a capacidade operacional permanece, garante António Magalhães, que explica que esta é uma unidade de apoio, conseguindo adaptar-se à missão solicitada e integrar qualquer força que seja destacada, seja as Operações Especiais, os Comandos ou os Batalhões Paraquedistas.

Nyke, pastora-belga-malinois, integrante canina do pelotão cinotécnico do Regimento de Paraquedistas. Foto: mediotejo.net

Para esta prontidão constante, é necessário um treino também ele contínuo, sendo empregues cães de linha de trabalho, como a raça pastor alemão, pastor-belga-malinois – como é o caso de Nyke – ou pastor holandês, que são as raças mais utilizadas a nível mundial. Atualmente o pelotão cinotécnico do Regimento de Paraquedistas conta com 14 cães.

Estes canídeos são selecionados a nível nacional, onde já existem alguns criadores conhecidos e que se destacam. Quando necessário, é solicitada uma quantidade de cães, os criadores fazem a demonstração e depois é feita uma seleção dos cães pretendidos, que chegam às fileiras paraquedistas com uma idade compreendida entre os 16 e os 18 meses.

“Os cães vêm já com algum trabalho de base, em termos de obediência, mas o importante é o caráter dele. Ou seja, o que pretendemos são cães sociáveis, com pessoas, animais, medos, onde o chamado imprinting tenha sido foi feito em cachorro. Ou seja pretendemos cães a quem lhes tenha sido apresentado tudo e mais alguma coisa, desde pisos diferentes, barulhos e ruídos, pessoas, outros animais, e todo esse trabalho é feito portanto pelos criadores. Quando depois os cães chegam até nós, iniciamos então o trabalho de treino mais militarizado, desde o tiro, pistas de obstáculos, ou trabalho de defesa”, explica o primeiro sargento Magalhães.

O treino é então contínuo desde que os cães chegam até à altura de se despedirem da vida militar, sendo que é por volta dos oito anos que vão para a “reforma”. Quando chegam a esta fase, os animais ou ficam ou com o militar que o treinou, ou é feito um concurso para a sua adoção, até porque cada cão fica sempre atribuído a um único tratador – o chamado binómio cinotécnico – uma vez que o cão acompanha o militar desde a formação até ao fim do tempo em que o militar se encontre no ativo. Cada tratador pode ter até três cães.

Os comandos dos treinadores são dados em alemão, e é usado um clicker. Foto: mediotejo.net

Os comandos são dados em alemão, uma vez que a sua sonoridade mais forte e a sua tonalidade mais alta facilita a associação do som ao comando pretendido. Complementarmente é usado um clicker como marcação de comportamento. Ou seja, e conforme nos explicou António Magalhães, cada vez que é feito um clique, o animal vai saber que está bem, que vai haver mais trabalho, mas que naquele momento está bem. Isto é possível através de um treino inicial, geralmente feito com ração, onde se clica quando se dá comida, para dessa forma o cão associar o clique a algo positivo. 

Em termos operacionais, a parte de obediência é crucial, uma vez que no caso de se integrar numa equipa que esteja em missão, é necessário que o animal não faça barulho algum e que obedeça às ordens dadas, como mandá-lo ficar ou avanço colado ao seu binómio.

Desengane-se quem pensar que estes cães são animais raivosos que se atirem a tudo o que mexer. Estes cães são, na verdade, bastante sociáveis. “Ela é agressiva quando eu a mandar ser, até lá, não há problema nenhum”, garante o primeiro sargente Magalhães referindo-se a Nyke, dizendo ainda que “qualquer pessoa, desde que eu esteja ao pé, pode fazer festas, a partir do momento em que é trabalho, a história muda. A importância de eles serem sociáveis é mesmo essa, é nós conseguirmos integrá-los noutras equipas e noutras forças”, esclarece o militar.

Quando Nyke é mandada morder, esta não larga a presa até que assim lhe seja ordenador pelo seu tratador. Foto: mediotejo.net

Quanto à sua forma de atuação, António Magalhães exemplifica-nos algumas formas de procedimentos. Quando se trata de morder, esta ação pode ser feita de duas maneiras, por presa e por defesa. “Esta cadela morde por presa, ou seja, para ela é um jogo, o que é bom porque eu mando-a largar e ela larga, não vai com aquela raiva de querer e estar a morder por defesa. Mas quando morde não larga nem por nada, a não ser que seja mandada”, demonstra António Magalhães com a sua companheira. (ver vídeo)

Tirando partido de um olfato apurado, Nyke é também especialista em buscas, seja em grandes áreas – onde é lançada à busca de qualquer tipo de odor humano que exista nessa área – ou com odores específicos, onde lhe é dado um certo odor de uma pessoa específica para que ela siga o rasto dessa pessoa. Nyke, a par dos seus “cãopanheiros” de tropa, está igualmente apta para a deteção de explosivos, tendo sido treinada para farejar e ficarem estática a cerca de 2 ou 3 centímetros do local onde o explosivo se encontra.

Para os cães é sempre mais fácil encontrar os explosivos em local aberto, tal como foi demonstrado pelo primeiro sargento Magalhães (ver vídeo), uma vez que desta forma os explosivos libertam o odor livremente.

Placa identificativa dos cursos frequentados pelos militares do pelotão cinotécnico. Foto: mediotejo.net

Mas nem só os cães necessitam de formação. Esta é igualmente necessária e ministrada aos militares que integram o pelotão cinotécnico. Numa primeira fase, o militar inicia-se como tratador/condutor de cães, sendo este curso destinado aos militares da classe de praças (soldados e cabos), onde lhes é ensinado como tratar e conduzir o cão. O curso de treinador de cães militares, por seu lado, e que já é dirigido a militares do quadro permanente (sargentos e oficiais), é ensinado ao militar como trabalhar o cão, desde as várias técnicas utilizadas a toda a metodologia de trabalho.

Depois, a “cereja no topo do bolo”, conforme se lhe referiu o primeiro sargento Magalhães é o curso de instrutor cinotécnico militar, destinado para os que já são treinadores de cães militares. “Após alguns anos de casa, do chamado ‘mãos na massa’ e de já terem uma boa base de trabalho, no mínimo dois anos a dar formação contínua pois são os treinadores (conjuntamente com os instrutores) que dão os cursos tanto de treinadores como de condutores de cães, os militares podem-se propor ao curso de instrutor cinotécnico”, explicou o tratador de Nyke.

Placas-memória em honra de alguns cães que, por algum motivo, se destacaram para os seus tratadores. Foto: mediotejo.net

As ligações estabelecidas entre cão e treinador podem ser realmente fortes e especiais, motivo pelo qual no espaço junto dos canis se encontram memórias em honra de alguns dos cães que passaram pelo pelotão cinotécnico do Regimento de Paraquedistas, as quais são compradas pelos tratadores em honra e memória dos seus companheiros de quatro patas.

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

Entre na conversa

1 Comentário

  1. Gostava de saber o endereço desta nossa associação para futuros diálogos pois fui tratador/treinador de cães de guerra e estive em comissão com o cão ARROW em Angola de dezembro de65 a outubro de 66 tenho gratas recordações desse meu grande amigo em combate.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *