A questão da pertença do Castro de São Miguel em Amêndoa (Mação) discute-se há um século. Como o mediotejo.net noticiou em 2016, muitos mandatos já se passaram desde o velho conflito entre autarcas vilarregenses e maçaenses no que toca aos limites administrativos entre os concelhos e à questão do Castro de São Miguel de Amêndoa, decretado monumento nacional em Diário da República a 2 de maio de 1950.
São cerca de 150 hectares de território que estão no cerne do diferendo entre os dois municípios e em causa está o património arqueológico do Castro de São Miguel de Amêndoa, inscrito em ambos os municípios pelo Instituto Geográfico Português.

Agora a discussão volta a estar na ordem do dia. No âmbito da discussão dos limites do concelho de Vila de Rei, Carlos Nunes, na última sessão de Assembleia Municipal, apresentou a questão do Castro de São Miguel, em Amêndoa.
Para o deputado municipal do PSD e membro da Comissão de Acompanhamento da revisão do PDM, são duas as questões em causa: a primeira consiste em saber se o Castro de São Miguel está ou não dentro da Circunscrição Territorial do Concelho de Vila de Rei (total ou parcialmente). E a segunda, segundo Carlos Nunes, “maior e mais complexa” do que a primeira, passa por “fazer cumprir, ou não, os limites originais do concelho de Vila de Rei, situação essa que redundaria na inclusão do Castro em Vila de Rei, mas também uma parcela significativa da Amêndoa, enquanto freguesia bem como localidade”.
O conflito sobre os limites do concelho de Vila de Rei com Mação vem do século XVIII e agudizou-se nos finais do século XIX, tendo um levantamento popular retirado cerca de 15 marcos referentes à divisão administrativa, sendo o mais relevante aquele que se encontrava no muro da Igreja da Amêndoa.
Com a perda desses marcos, o concelho de Vila de Rei viu-se diminuído de forma significativa, tendo recorrido aos tribunais, chegando a questão ao então Supremo Tribunal Administrativo.
O acórdão, de 1888, deu razão ao Município de Vila de Rei, determinando a reposição dos marcos que delimitam a circunscrição entre os dois concelhos. Na sequência desse acórdão, e para que tivesse força executiva, o rei D. Carlos homologou o mesmo, tornando-o vinculativo para as partes envolvidas e para o governo do reino. Mas nada foi feito.

“Neste contexto, e face a todas as alterações, nomeadamente, constitucionais e legais, em que poderemos ficar?”, questionou. Considera como primeiro elemento importante, e também assim era entendido pelo Ministério Público, a quem o problema foi colocado, é que se aplica o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ou seja, “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”.
E ainda “a proteção da norma anterior é realizada pelo disposto no número 3, do artigo 3.º, da CRP, que dispõe a ineficácia de todos os atos contrários à Constituição”, isto é “a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição”.
Assim, defende Carlos Nunes, no quadro exposto, a questão processual sempre se cingiu à legitimidade: “Sendo um ato régio, cabe ao Governo, este que temos, agir executando o acórdão ou ao Ministério Público, uma vez que se trata de um ato de soberania? Se não cabe ao Governo nem ao MP, pode o Município agir por si ou terá de ser acompanhado, também, pela Freguesia de Vila de Rei? Do outro lado, e admitindo que sim, é proposto o requerimento executivo contra quem? Só Município de Mação? Também contra a Freguesia? E poderá ficar o Governo, enquanto representante do Estado, de fora?”, interroga.

Lembra ainda a posição do Município de Vila de Rei desde 1998. “A posição do Município tem, de algum modo, sido pautada por prudência e por uma boa vizinhança, ficando o foco na questão do Castro, à míngua de pontos de interesse para nos visitarem e aqui ficarem, não querendo abranger a questão mais antiga dos marcos”.
Contudo, afirma “não foi possível, debalde várias reuniões havidas, conseguir um consenso, que seria mais útil e que passaria pela partilha do Castro, com eventuais projetos comuns e, por isso, de valor reforçado”.
Em resumo, Carlos Nunes interroga se “há forma de conseguir chegar a acordo com o Município de Mação?”. Porque se a sentença “for executada em tribunal vai ser executado não para o Castro, daí ter separado as duas questões. Sendo executada a sentença, que tem toda a possibilidade de ser executada está transitada em julgado há mais de 100 anos, não é uma questão apenas do Castro de São Miguel mas da reconfiguração quase total da freguesia da Amêndoa”.
Na freguesia de Amêndoa perduraram no tempo vestígios de um povoado que se pensa ter começado a ser habitado 2000 anos a.C.. Deve ter conhecido o seu apogeu durante as guerras lusitano-romanas (entre o século III a.C. e I d.C.). O Castro de São Miguel é constituído por cerca de 50 habitações, defendidas por muralhas nos lados de mais fácil acesso. Todas as habitações têm paredes de pedra seca ou argamassa muito primitiva e uma planta retangular ou quadrangular. Localiza-se numa posição estratégica junto às antigas vias de comunicação entre pontos estratégicos da Lusitânia pré-romana.
A Assembleia Municipal não decidiu, desta vez, o que fazer – se negociar com Mação, se executar a sentença do tribunal ou simplesmente deixar tudo como está –, tendo o presidente da Assembleia Municipal, Paulo Sérgio de Brito, estabelecido que seja agendado um ponto relativo a este assunto para a Assembleia Municipal de junho ou, caso seja tarde tendo em conta a revisão do PDM, realizar entretanto uma sessão extraordinária para decidir se Vila de Rei executa ou não a sentença que lhe deu razão.
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