Economia solidária, finanças com ética são conceitos que não passam normalmente no fio das notícias. Contudo, são uma realidade que ganha dimensão em muitos países e que vai coexistindo com as economias dominantes. Próxima das pessoas, baseada na equidade, na dignidade da vida e no respeito, tanto pelo outro como por todos os seres vivos e a Natureza, esta realidade existe bem perto de nós e vai-se multiplicando um pouco por todo o país, surgindo cada vez mais como alternativa a um modelo que esgota recursos e gera desigualdades.

MILU2Em Rossio ao Sul do Tejo, duas cooperativas, a Verdeperto e a Persona (cooperativa cultural que visa, nomeadamente, a recolha e a preservação do património imaterial local), fazem parte dos 45 membros fundadores da Rede Portuguesa de Economia Solidária (RPES), que teve a sua assembleia fundadora a 08 de agosto na aldeia de Chãos, no concelho de Rio Maior, e que está em fase de integração de novos membros e de discussão dos caminhos a seguir.

MILU3André Freire é um dos fundadores da Verdeperto, uma cooperativa que tem centrado a sua atividade na agricultura e na venda de cabazes com hortofrutícolas, mas também na promoção de hortas pedagógicas e na realização de trabalho social e de ações de formação e de promoção do bem-estar.

MILU4Enquadrando-se no âmbito da economia social e solidária, o trabalho realizado pela cooperativa na Quinta da Nora (que estava em ruínas e tem vindo a ser recuperada) segue os princípios da Permacultura, um modelo que promove comunidades ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e financeiramente viáveis.

A cooperativa, com 10 membros fundadores provenientes de diversas áreas, centra a sua atividade nas questões da alimentação e do bem-estar, na formação, sobretudo de grupos vulneráveis, na valorização de recursos, na empregabilidade, em atividades intergeracionais, na promoção da cidadania europeia e em projetos de preservação da biodiversidade (nomeadamente na criação de um repositório de sementes).

A produção agrícola, numa área de cerca de 3 hectares, tem permitido a entrega semanal ao domicílio de 30 cabazes, a particulares e restaurantes, bem como a transformação de produtos para mercados de exclusividade (incluindo para exportação) e do excedente da produção em produtos de valor acrescentado, salientou André Freire ao mediotejo.net.

Por outro lado, a constatação, no Diagnóstico Social do concelho de Abrantes de 2013, de problemas como o envelhecimento da população, o isolamento social dos idosos, a falta de acompanhamento e formação parental das famílias, levou a cooperativa a criar o projeto intergeracional “Famílias à Medida”.

Partindo dos valores, atitudes, conhecimentos e habilidades da comunidade, o projeto propõe-se promover competências ao nível da autonomia, resiliência, autoconceito positivo, e relações positivas, acreditando a Verdeperto poder contribuir para uma mudança tanto na sociedade atual como nas gerações vindouras.

Contando para já com uma parceria com duas juntas de freguesia, o projeto, apoiado pela Câmara de Abrantes ao abrigo do programa Finabrantes, inclui a realização de ‘workshops’ para jovens pais, ajudando-os na educação dos seus filhos “como cidadãos de futuro”, e sobre temáticas como a organização da economia doméstica, alimentação saudável e criação de hortas domésticas, além de “ateliers criativos” e atividades ao ar livre intergeracionais.

A cooperativa promove ainda atividades ligadas ao bem-estar, como Yoga do Riso ou massagem Ayurvédica terapêutica, organiza eventos e projetos culturais e de empregabilidade, participando igualmente em projetos internacionais, nomeadamente no Erasmus + e voluntariado europeu.

No próximo ano, a Verdeperto vai dinamizar três hortas pedagógicas, duas em escolas e outra numa universidade sénior, prosseguindo os projetos e estágios com jovens, tanto nacionais como europeus (com dois projetos submetidos para 2016).

Em outubro, a cooperativa participou na Feira de Economia Solidária de Barcelona, integrando a delegação da RPES, e faz parte da comissão organizadora do Fórum de Finanças Éticas, que se vai realizar em fevereiro de 2016  em Faro, com responsabilidades ao nível da orçamentação e planeamento.

MILU5André Freire disse ao mediotejo.net que a questão financeira é central para um setor que não encaixa na economia de mercado dominante mas que se relaciona com ela, com o trabalho assente no voluntariado a necessitar de ser valorizado e reconhecido também do ponto de vista financeiro.

MILU6As finanças éticas, sublinhou, são já uma realidade, nomeadamente com a existência de bancos que funcionam fora do esquema da banca tradicional, como o Triodos Bank, fundado na Holanda em 1980 e atualmente presente em países como Reino Unido, Bélgica e Espanha, e que usam os juros para o financiamento de projetos ambientais e inclusivos.

O modelo que a Verdeperto está a tentar desenvolver passa por captar poupanças de pessoas que queiram investir nos seus projetos, recuperando o seu investimento e revertendo os lucros para a comunidade local.

Por outro lado, está já em preparação o segundo encontro de cooperativas, que este ano mostrou, no castelo de Abrantes, o trabalho que tem vindo a ser realizado por instituições como a rede informal Convergir, a Animar, a Viva ou a Cresaçor.

Previsto para o início de julho de 2016, as cooperativas querem mostrar-se nas ruas da cidade, dando visibilidade ao trabalho que têm desenvolvido e que foi reconhecido pela ONU como inovador na erradicação da pobreza.

Quanto à Rede Portuguesa de Economia Solidária (RPES), embora ainda não constituída formalmente, tem em curso a adesão à Rede Europeia de Economia Solidária, um “braço” da Rede Intercontinental de Promoção da Economia Solidária, surgida em 1997 em Lima, no Perú. Em assembleia realizada a 17 de outubro foi escolhido o logotipo da RPES e apresentado o blogue https://rpespt.wordpress.com/, tendo o último encontro sido destinado a discutir a formalização e a estruturação da rede, bem como o plano de atividades para o próximo ano.

MILU7Da assembleia fundadora saiu um manifesto que justifica o aparecimento da rede “num momento crucial, em que as várias crises (económicas, financeiras, sociais, ambientais, políticas, civilizacionais e de conhecimento) têm provocado inúmeros sofrimentos e indignidades (sociais, ambientais, culturais, económicas e políticas)”.

“As profundas fragilidades e falhas das formas económicas e políticas dominantes estão a tornar-se ameaças e problemas preocupantes para o futuro da Humanidade e da Vida no Planeta e a pôr em causa valores essenciais como a Solidariedade, a Equidade, a Democracia e a Transparência”, afirma o manifesto.

“A Economia Solidária não se envergonha de ser economia, quer ser, mas quer ser alternativa, recuperar valores iniciais da Economia Social que se perderam e deixaram de ser definidores da Economia Social”, como os da democracia participativa e da relação entre iguais, e abarcar outros como a diversidade cultural e outras formas de solidariedade, como com o ambiente, de acordo com uma sociedade não antropocêntrica mas ecocêntrica (que vê o Homem como parte da Natureza), afirmam os seus promotores.

*Ultima atualização a 15 dez 015

Maria de Lurdes Lopes

Sentiu-se pela primeira vez jornalista quando aterrou à noite e sem hotel marcado em Windhoek para cobrir o processo de independência da Namíbia. Era estagiária no semanário África, área que a levou à agência Lusa, a cujos quadros pertence há quase 25 anos. Foi editora adjunta da Editoria África e, mais recentemente, da Editoria Lusofonia/Mundo, com passagem, como redatora, na Editoria Economia. É, contudo, ao distrito de Santarém (que a adotou) que regressa sempre. Gosta da diversidade, da pluralidade, da diferença. Acredita que o mediotejo.net pode mostrar que há mais vida para além da que marca a chamada “atualidade”.

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