Trilho Panorâmico do Tejo. Foto: Fernando Freire

Um trilho com história – GR12 E7 – Trilho Panorâmico do Tejo – Praia do Ribatejo – Almourol – Tancos – Barquinha. Abriu no dia 26 de fevereiro de 2022, o novo trilho panorâmico que liga o Centro Náutico de Constância/ Fluviário Foz do Zêzere – sito na Praia do Ribatejo, GPS: 39.477113, -8.343812 ao Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha, GPS: 39.457788, -8.432549.

O tipo de percurso é linear e feito junto aos rios Zêzere e Tejo. Tem uma distância aproximada de 10,5 Km. O tempo para o palmilhar, dentro de um quadro ímpar e bucólico, é de aproximadamente 2 horas e 30 minutos. Pode visitá-lo todo o ano e tem como  pontos de interesse: o Fluviário Foz do Zêzere; a encosta do castelo de Ozêzere e a vista sobre Constância; a ponte da Praia do Ribatejo (obra de arte de Maison Eiffel); o Cais Pai-Avô; a Fonte da Galiana; o Castelo de Almourol; o Convento de N.ª Sr.ª do Loreto; a Igreja Matriz de Tancos; o Cais d’ El Rei – Tancos – e vista panorâmica sobre o Arripiado; a Oficina do Calafate e o Parque de Escultura Contemporânea Almourol; a Galeria do Parque e o Centro de Interpretação Templário de Almourol.

Uma mais-valia neste troço GR12 é a possibilidade de tornar o percurso circular utilizando o comboio, visto que as estações da CP acompanham todo o traçado. Assim, pode-se escolher a melhor opção para ir e voltar e, para quem vem de longe, está garantida uma variada oferta de restauração e locais para pernoitar. Enfim, todos os ingredientes para passar um excelente dia à beira rio, tanto como desporto (BTT) ou como lazer.

Contemos a sua história.

Miradouro sobre o Zêzere – Logo que entramos no trilho, vislumbramos um miradouro sobre a bela vila de Constância, antiga Punhete. À nossa frente avistamos a ponte de ferro sobre o rio Zêzere que foi aberta ao trânsito de pessoas, animais, diligências, carroças e carros de bois em 1892.

Antes, em 1807, naquele lugar, a 200 metros a norte, conta-nos o tenente-general Thiébault, que acompanhou a 1.ª invasão chefiada por Junot, em novembro de 1807, no seu diário, a história desta invasão que entrou pela Beira Baixa. Nele escreve factos sobre o lado francês com uma imparcialidade impressionante, impensável para um general invasor.

Certo é que as companhias do Exército francês chegaram a Abrantes no dia 24 de novembro de 1807, uma segunda feira. Tinham pressa de chegar a Lisboa, a capital do reino para a conquistar. Mas é aqui, junto deste miradouro, que Junot esbarra com um obstáculo natural que iria tornar possível a fuga da família real para o Brasil. No dia 26 de novembro de 1807, as companhias de elite das duas primeiras divisões francesas, reunidas, organizadas em quatro batalhões e colocadas sob as ordens do coronel de Grandseigne, formaram a vanguarda do exército e foram tomar posição em Constância.

O coronel Vicent, comandante da engenharia, depois de ter reunido os materiais necessários para lançar uma ponte de barcos sobre o Zêzere, reúne-se para fazer a sua construção. Havia já dois dias que trabalhavam em Punhete para construir essa ponte que não existia naquele tempo. O rio Zêzere pela sua largura, pela sua profundidade, pela rapidez e força das correntes, que muitas vezes fazia subir trinta pés em poucas horas, engrossou de onze a doze pés durante a noite de 26 para 27 de novembro e destruiu todo o trabalho da véspera, não permitindo recomeçar a construção da ponte.

Procurando apressar a sua marcha, o general chefe reuniu os barqueiros e todos os barcos que se puderam encontrar, mas a noite tinha chegado e só foi possível retomar na manhã seguinte. A passagem das tropas durou uma grande parte do dia e isto retardou a sua marcha de modo que a vanguarda não chegou nesse dia à Golegã e a primeira divisão à Cardiga.

O zelo com o qual os bateleiros de Punhete trabalharam para passar o exército determinou que o general Junot lhes desse 2,000 fr. de gratificação. Conta-nos o tenente-general Thiébault que se os portugueses tivessem sobre este ponto (monte da Nossa Senhora da Conceição – Castelo do Zêzere) 3.000 homens, os franceses não teriam passado.

Embora as tropas não tivessem qualquer pretexto para cometer novas desordens, alguns soldados pilharam durante o dia nas localidades da Praia, Tancos, Moita, Atalaia e Barquinha. No sentido de manter a disciplina, os acusados foram então presos, julgados, condenados e fuzilados na Golegã.

Miradouro de onde o Zêzere abraça o Tejo – em frente a Punhete – nome derivado da pugna e guerra, que o soberbo Zêzere faz ao caudaloso Tejo com as suas soberbas e impetuosas correntes, e a que os antigos por esta causa chamaram Pugna Tagi, de onde derivou o nome de Punhete – vê-se situada entre estes dois referidos rios a Vila de Paio Pele (Praia do Ribatejo) e o seu Castelo de Ozêzere, que fora edificado na encosta, monte de N.S. Conceição, por Gualdim Pais, em 1151.

Estamos em terras da Ordem do Templo, depois de Cristo. Recordamos que o processo templário em Portugal, ao contrário de outras nações, teve um fim bem curioso. O rei D. Dinis aproveita a oportunidade para manter os cavaleiros e os bens da Ordem do Templo sob o nome de uma nova ordem: a renovada Ordem de Cristo, que absorveu os bens materiais, mas, essencialmente, todo o conhecimento e ciência proveniente da Ordem do Templo. Por aqui passaram as primeiras fustas e galeotas construídas no cais do Cafuz e que fizeram parte da conquista do Norte de África.

Dizem que por aqui passou Luís Vaz de Camões, poeta que teria vivido em Constância, como a tradição diz que viveu, entre 1546-1547, com vinte e poucos anos, antes de partir como soldado para o Norte de África. Junto desta encosta, dentro de um castelo arruinado, de que só resta uma pequena muralha, teve e sua génese a Praia do Ribatejo e, numa segunda fase, quiçá no Séc. XVI ou XVII, deslocalizou-se a população para poente, a que não deve ser alheio o fácil acesso ao rio entre a atual ponte da Praia do Ribatejo e o cais de Pai Avô que podemos visitar. Certo é que em 1862 chegou o caminho de ferro.

Ponte ferroviária Maison Eiffel da Praia – Passamos debaixo da 1.ª ponte ferroviária feita em Portugal por Maison Eiffel. Com um comprimento de 494 metros, era, naquele tempo, uma obra colossal, uma das maiores e melhores em linhas de caminho de ferro de toda a Europa. Com o advento do caminho de ferro, o gelo deixou de descer da serra em carros de bois a caminho de Constância e da Barquinha e o sal de subir de Alcochete e Vila Franca a bordo de embarcações ribeirinhas, com as sua velas ao vento.

Da Praia do Ribatejo, no início no séc. XX, fica-nos a memória das velhas serrações de madeira de Manuel Vieira da Cruz e Filhos e Tomás da Cruz. Fábricas que tiveram grande importância no desenvolvimento do território. Os vapores das chaminés, os apitos das locomotivas e o chiar do ferro dos comboios, eram sinais de esperança, laboro e ganha-pão. Gente dos mais diversos ofícios pululavam pelas suas ruas ao encontro de um trabalho que era parte da sua sobrevivência.

Mais abaixo da ponte, os toros de madeira deslizavam pelo rio até encontrar uma estacaria que lhe travava a marcha. Ali ficavam deitados no areal, à espera que criaturas arregaçadas de gravato em pulso e outros com a sirga ou corda, arrancassem a madeira do areal para a serração. Os toros eram apartados pelo sinal que traziam no topo, depois de percorrer curvas e vales, desde as beiras, arrastados pelas águas do rio Zêzere até à Praia do Ribatejo. E foi o camartelo do progresso, com a construção de grandes barragens, que parou todo um sistema, possivelmente tão primitivo como o homem.

Agora, vislumbramos os gigantes ninhos de cegonha ao longo do trilho que nos saúdam na nossa caminhada. Uma raridade de beleza, enquadrada numa praia imensa, aonde, antigamente, se amontoavam as varinas na captura do tão apreciável sável.

 Cais de Pai Avô e Fonte da Galiana – Debruça-se na vasta encosta a localidade da Praia do Ribatejo espalhando-se pelo planalto, tendo aos pés um vastíssimo areal que em muito permitiu o seu nome de batismo. Terra aonde o branco dos casarios se matiza com o verde e castanho das árvores ribeirinhas, deixando-nos estupefactos com tanta beleza. Os barcos atracados aguardam o anoitecer para a faina. Mais adiante, indiferente ao mundo que a rodeia, tão simples como airosa, ali está a fonte da Galiana. De velhinha, já se ignora a sua identidade, mas já os Frades do Convento do Loreto por ali passavam a fim de se saciarem.

Decerto que não existe viva alma a muitas léguas ao redor, que não conheça ou não tenha ouvido falar na Fonte da Galiana. A sua história, a história do povo simples que ali acorreu em dias de canícula, ou o outro que se identificou com a Fonte, porque ao ver refletir na água a sua imagem viu um pedaço da sua vida. É esse povo, que bem merece um Retrato de Corpo Inteiro, para que os vindouros não venham a esquecer da sua importância. Pensa-se, todavia, que a fonte marca a fixação de um povo e a libertação do homem do Tejo que ali veio a encontrar o precioso líquido, de que tanto carecia.

Romântica e nostálgica, sentiu o trepidar do primeiro comboio, em 1862, que com o fumo negro do carvão deixava no ar a tão propalada cantiga: “Pouca Terra, Pouca Terra”. Mas vale a pena olhá-la com devaneio, lembrar o seu passado e recordar a moira que, em noites luarentas, também a visitava. Moira, que no seu olhar piedoso, olhava o Tejo com toda a sua placitude. São estas coisas simples e tão belas que vão detendo o passado dos nossos avoengos. Histórias que ouvimos contar nos longos serões de Inverno e, dos quais, passados tantos anos, ainda não se perdeu a sua imagem.

Era ali, naquele lago de prata, onde a sombra dos salgueirais se espreguiçava nas areias, que corriam as águas do soberbo Tejo. É dali que vislumbramos grande número de corvos marinhos a secar ao sol, sobre uma singela ilha no meio do tejo. Quase como entoando uma canção, correm docemente ao encontro do Castelo de Almourol, ali em baixo, esperando pelo abraço fraternal, de alguma sentinela mais afoita. Refere a lenda da Fonte da Galiana que um bonito e aperfeiçoada barco, muito ao jeito de um fogoso galeão, tinha o seu ancoradouro abaixo da citada fonte.

Pela pequenez, respeitando o modelo e toda a estrutura do velame, valeu-lhe a criatividade dos pescadores, que lhes chamaram Galiana, por ser mais pequeno e mais airoso do que o célebre galião dos mares. E a fonte que, olhando o cenário, sorria para os homens da campanha, não mais perdeu o nome de Fonte da Galiana.

 

Observatório hidrometeorológico – Convento Loreto – Almourol – A partir da Fonte da Galiana, o trilho permite aos amantes da natureza e da caminhada desfrutar do silêncio, da tranquilidade, do ar puro por túneis de canas e contemplar uma paisagem marcada pela influência de uma agricultura tradicional, socalcos, hortas, oliveiras centenárias, freixos, carvalhos, amieiros, choupos, aromatizadas pelo rosmaninho que embelezam e particularizam a paisagem. Adiante surge o observatório hidrometeorológico, criado em 1960, pela Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos para medir a altura e a corrente do rio tejo. Por dentro de uma abundante e variada vegetação ribeirinha, surge-nos a quietude da massa de água que ali o Tejo detém deste antanho, no pego de Almourol.

Uma vista magnífica onde releva a antiguidade e majestade das muralhas graníticas de Almourol, brotando de entre um colossal bloco. A ilha está coberta de verde vegetação, o rio serpenteia à sua volta, tudo concorrendo para infundir uma impressão de grandeza condimentada ao mesmo tempo de enorme suavidade e contemplação.

Mais adiante, vislumbramos o Convento do Loreto mandado construir em 1572 por D. Álvaro Coutinho, primeiro Conde de Redondo, senhor de Almourol, para os monges de Santo António, vulgarmente conhecidos como Capuchos. Em 1575, a construção de adobe e taipa iniciada 3 anos antes foi substituída por uma construção de alvenaria, sofrendo nos finais do século XVII uma ampla reconstrução. A construção que chegou até nós é uma construção de finais do século XVII, com uma fachada cuja monumentalidade lhe é conferida mais pelos volumosos cunhais de pedra almofadada do que pelos restantes elementos arquitetónicos, como a porta principal de simples arco abatido ou a janela de avental que a encima. Lateralmente, o edifício apresenta uma porta entaipada encimada por um nicho e pelo brasão da família donatária do convento e uma pilastra de pedra almofadada que marca a separação do resto do corpo da igreja, com três fenestrações.

Certamente as invasões francesas, a 1.ª em 1807 que ali passou a caminho de Lisboa, deixaram as suas marcas, bem como a vitória das tropas liberais na Asseiceira, em 1834, com o fim da guerra civil e a ascensão, em 1833, do ministro do Reino e, posteriormente, ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, que ordenou a execução do célebre decreto de 30.05.1834 – que lhe valeu a alcunha de “Mata-Frades” – pelo qual se extinguiram as ordens religiosas em Portugal, integrando os seus bens na Fazenda Nacional, sendo arrolados, também, os bens do Convento do Loreto. A construção da linha do Leste em 1862 afetaria o espaço envolvente ao convento.

O convento englobava outras dependências e sabe-se que o claustro foi demolido em 1894, aquando da construção da estrada de acesso ao rio Tejo. O Convento deixou de ter a função religiosa, tal como a Igreja da Misericórdia de Tancos, e serviu para arrecadação de material para os pontoneiros da Escola Prática de Engenharia. Há uma história inscrita em cada pedra do Convento, cujas invasões francesas, as intempéries e as incúrias dos homens resolveram atacar, resultando em ruínas.

Mas a vida conventual, muito além dos conceitos da própria religião, prendia-se com a agricultura, com os licores e com uma importante doçaria que, apesar de alguns revezes, chegou aos nossos dias. Os votos sagrados, não teriam sido o bastante para que muitas receitas não se tivessem perdido no emaranhado dos escombros. São prova disso os licores de Almourol, os Pirilaus de Padre Ambrósio e as tigeladas, umas relíquias dos frades do Loreto que ainda hoje se perpetuam na região com o mesmo requinte e a mesma qualidade.

Almourol – Tancos – O caminheiro vislumbra ao longe a alba vila de Tancos, entrando num caminho de piteiras, catos silvestres e rochas graníticas. Em baixo, podemos vislumbrar a antiga piscina construída para os soldados de engenharia irem a banhos. Entramos em Tancos. As origens do nome do povoado de Tancos ainda hoje não se encontram integralmente clarificadas. Várias teorias surgiram sobre o nome desta povoação. Segundo Viterbo, Tancos foi fundada por cavaleiros franceses, dos que vieram ajudar D. Afonso Henriques na luta contra os Muçulmanos, à conquista de Lisboa em 1147.

Dos seus primitivos moradores ficaria o nome de Francos, que depois se teria corrompido em Tancos. Outros autores dão-lhe uma fundação mais antiga, derivando esta toponímia dos Tancos ou Tabucos (Tabuci), povos da antiga Lusitânia que se fixaram neste local, pelo que o local teria sido fundado uns 400 ou 500 anos antes da era cristã. Certo é que o território era habitado por romanos. A via romana que ligava Tomar (Sellium) a Mérida (Emerita) passaria pelo Alto da Mariana, onde existe um possível miliário fincado no chão junto do marco divisório, assinalando, seguramente, uma milha ao rio Tejo, seguindo para o local da forca de Tancos, campo de futebol e cais fluvial romano de Tancos, ainda visível.

A paisagem que hoje daqui vislumbramos, do concelho de Vila Nova da Barquinha, para o Arripiado, concelho da Chamusca, e a quietude da grande massa de água que aqui o Tejo detém, desde antanho designado pego de Almourol, tendo por nascente a vista majestosa do Castelo templário de Almourol, reconstruído pelo mestre Gualdim Pais, em 1171, concorreu para a grandeza temporal e intemporal do lugar, numa suavidade incomum em Portugal.  Almourol, ali do lado nascente, sendo um dos monumentos medievais mais emblemáticos e cenográficos da Reconquista é, também, um monumento fértil em património cultural intangível, pois várias lendas correm em romances e livros de cavalaria, ligadas a esta fortaleza.

Assumindo Dom Manuel os comandos da Ordem de Cristo, de imediato manda levantar um imponente cais, em sólida alvenaria de pedra, para facilidade – e aumento, com toda a certeza – das funções navais que até aí se desenrolavam. O cais terá sido edificado já na dimensão presente, capaz de resistir e sobressair de cheias até 7 metros de altura, que às vezes se registavam ao mesmo nível das casas e armazéns da beira-rio e já com todo o comprimento, que ainda apresenta, num total de cerca de 215 metros! Durante as Guerras da Restauração, entre 1641 a 1670, o cais de Tancos adquire funções suplementares no embarque de minérios – com destaque para o salitre, produto integrante da mistura da pólvora – que D. João IV ordenou fosse explorado nas terras a norte deste local, onde era posteriormente carregado em grandes quantidades a caminho dos arsenais de Lisboa. O mesmo sucedia com grandes cargas de minérios de ferro, retirados de Tomar, Figueiró e Pedrogão. Podemos, ainda, vislumbrar os restos dos antigos armazéns. Este cais criou homens marítimos, arrais, artífices, pescadores e comerciantes. 

Tancos – Oficina do Calafate – Parque de Escultura Contemporânea – Saímos do cais de Tancos, passamos pelas areias verdes, local onde foi desviado o rio Tejo. O desvio do curso do rio Tejo foi uma obra próxima do ano 1545, encetada pelo Príncipe D. Luís, irmão do Rei D. João III, obra executada por cerca de 30 mil homens, mudando o curso do rio, um enorme empreendimento para a época. Basta olhar para o volume de pedras que ainda hoje podemos visualizar na margem esquerda do rio a seguir ao Arripiado, para, conhecendo a alteração do leito, somarmos dias e dias para a sua movimentação e para a colocação por mão humana destas rochas em zona alagadiça e argilosa.

É público que o Tejo, na sua corrente milenar, até Tancos, não houvera sofrido nenhuma alteração no seu leito até esta localidade.

A obra realizou-se em submissão aos interesses fundiários do Príncipe D. Luís, irmão do Rei D. João III, e teve a firme e forte proteção do monarca. Mas o desvio do Tejo para as suas novas margens não resistiu aos primeiros testes de cheias e veio, nos anos e séculos seguintes, a ser fonte de conflito entre a Coroa e a Ordem de Cristo, sentindo-se esta última legitimamente desapropriada no seu património e nos seus gordos rendimentos agrícolas. O desvio do rio Tejo antigo (entre o Arripiado e Pinheiro Grande) foi feito para o centro da planície de Martintina (obra da Coroa). Todavia, existiam valas feitas pelos valadores no sentido Oeste. Com as recorrentes cheias, o curso de água veio, naturalmente, a ocupá-las, bem como todas as suas terras confinantes devido à desmesurada violência das sucessivas cheias, trocando o leito artificial então criado por mão humana por um novo leito. E nunca mais deste novo leito voltaram a sair.

Os primeiros documentos que registam o nome da Barquinha, pelo menos descoberto até ao momento, são quatro registos de matrimónio, datados de 1594. O desbravador destas preciosidades foi o historiador barquinhense, António Luís Roldão. Em 1592, Frei Pedro Moniz, sobrinho de Frei António de Lisboa, é nomeado feitor da Cardiga pela primeira vez. Sê-lo-á, ainda, por mais quatro vezes. É nas suas memórias que encontramos vulgarizado e generalizado o nome de Barquinha, isto em 1630. Este fator acidental concorreu, inequivocamente, para o nascimento primeiro da Barca, local onde nos encontramos, e depois de Vila Nova da Barquinha.

Chegamos à oficina do Calafate, onde podemos vislumbrar ainda uma canoa do mestre José Marques, e entramos na Barquinha e no Parque de Escultura Contemporânea, com o melhor da escultura da década de 60 até à atualidade, ao longo de 7 hectares, à beira do Tejo, um espaço que conquistou o Prémio Nacional de Arquitetura Paisagista em 2007. Aqui podemos apreciar 11 peças de arte de grandes dimensões de autores como Joana Vasconcelos ou Rui Chafes (Prémio Pessoa 2015). Ali ao lado, no emblemático edifício dos Paços do Concelho, existe mais um espaço dedicado à arte, a Galeria do Parque, com exposições de arte contemporânea com curadoria da Fundação EDP.

Percam-se nas ruas e apreciem as obras de arte pública de artistas como Vhils ou Manuel João Vieira. São 11 as intervenções executadas no âmbito do ARTEJO, um projeto artístico com a comunidade, promovido em parceria com a Fundação EDP.

Num concelho onde o rio é a principal fonte de sabores da nossa gastronomia, podem apreciar iguarias como o sável frito com açorda, arroz de lampreia e enguias fritas ou de ensopado. Onde comer? 

E, por falar em caminhadas, recordo que pela Barquinha passa o Caminho Português de Santiago ou Caminho Central Português, o segundo itinerário pedestre mais utilizado pelos peregrinos no mundo para chegar a Santiago de Compostela.

Venha estar em comunhão com a natureza, descobrir arte pública, paisagens únicas ribeirinhas, do Zêzere e do Tejo, usufruir e calcorrear algumas das mais belas paisagens de Portugal, tendo por sentinela o Castelo de Almourol, e provar, obviamente, das melhores iguarias destes mesmo dois rios e da gastronomia local. 

Fernando Freire é Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha e investigador da História Local

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2 Comentários

  1. Dizer que é a GR12, com a extensão de 10kms, não é correcto, já que como é sabido a GR12 tem cerca de 44kms e por isso é uma GR.
    O anunciado aqui, é somente 1/4 dessa Rota, nunca a GR por si só.
    É uma zona que recomendo para esta forma de lazer.
    Boas Caminhadas

    1. Suponho onde escreveu GR (Grande Rota > 30 km, ou que seja necessário mais que um dia para percorrer toda a sua extensão) , onde pretendia escrever PR (Pequena Rota < 30km). Dado que 12, só identifica a rota em si dentro do concelho que está inserido. Como por exemplo PR 10 Peninha SNT (Pequena Rota, n 10, Peninha, Sintra).

      Boas caminhadas

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