No auge das vitórias militares francesas na Europa, Napoleão Bonaparte tomou o poder em França (1.º Cônsul, em 1799, depois Imperador, em 1804). Dominada toda a Europa, direta ou indiretamente, faltava derrotar a Inglaterra. Então, os franceses bloquearam, em 1806, os portos da Europa aos navios Ingleses, ato que foi designado como “Bloqueio Continental”, forma encontrada por Napoleão para levar a Inglaterra à rendição.

Portugal tentava ganhar tempo, mas Napoleão estabeleceu um prazo (30 de setembro de 1807) para a adesão portuguesa ao bloqueio, declaração de guerra à Inglaterra e confiscação dos bens dos cidadãos ingleses residentes no nosso país. Portugal não respondeu.

Entretanto, a 27 de outubro de 1807, França e Espanha reafirmaram a sua aliança, assinando o tratado de Fontainebleau, que previa, num acordo secreto, a partilha de Portugal.

Sob o comando do general Junot, um exército francês de ocupação atravessou Espanha e entrou em Portugal a 19 de novembro, tendo como destino prioritário a capital do reino. Todavia, a realidade acabaria por se mostrar bem pior do que era esperado, com caminhos que só muito dificilmente permitiam a passagem de equipamento pesado. Para além disso, o tempo invernoso também não ajudou, pelo que terão demorado um mês a atingir Castelo Branco.

Daí em diante, as dificuldades mantiveram-se, dada a estreiteza das vias, o que foi particularmente sentido na Serra das Talhadas, na zona de Ródão. Daí até Abrantes o percurso contemplou dois trajetos: um pela Portela de Montegordo, Sobreira Formosa, Cortiçada (Proença-a-Nova), Cardigos, Vila de Rei e São Domingos (Souto/Santiago de Montalegre) – foi por esse que veio Junot com o seu quartel general; outro pela Portela de Milheiriça (perto de Perdigão), Venda Nova, Mação, Penhascoso e Mouriscas – por aqui deslocou-se Loison e a vanguarda.

A 23 de novembro de 1807 entrou na vila de Abrantes a vanguarda do exército francês de ocupação. Junot, com a elite da 1.ª Divisão de Infantaria, chegou a 24. O próprio Junot expediu daqui dois mensageiros anunciando ao Governo a sua chegada próxima. Foi a presença francesa em Abrantes que determinou a retirada da família real para o Brasil.

Depois de exigir ao abrantinos alguns milhares de pares de sapatos e outras tantas rações, Junot avançou com as suas tropas em direção à capital. Acabariam por sentir novas dificuldades em Punhete (Constância), onde a reestruturação de uma antiga ponte de barcas se revelou bastante complicada, face ao caudal do Zêzere. Esta demora terá sido decisiva para que os franceses tenham ficado “a ver navios no alto de Santa Catarina”.

Em julho de 1808, chegou a Portugal da primeira força inglesa de libertação, comandada por Sir Arthur Wellesley. Este desembarcou no Porto e reuniu-se com a Junta, combinando então as ações subsequentes com vista à libertação do país. Na sequência do desembarque inglês na foz do Mondego, iniciou-se a progressão para sul. A 12 de agosto, Bernardim Freire de Andrade e o Duque de Wellington continuaram a definir a estratégia de libertação, reunindo-se novamente, desta feita em Leiria.

Entretanto, Loison – o célebre “Maneta” – deixara Évora, por ordem de Junot, logo que este soube do desembarque inglês, dirigindo-se a Abrantes, onde terá permanecido entre 9 e 11 de agosto, após o que se deslocou para Santarém onde se encontrava a 17 de agosto, data do combate da Roliça. Foi neste período que uma força portuguesa improvisada, vinda de Castelo Branco por Vila de Rei e comandada pelo Capitão de Cavalaria 12, Manuel de Castro Correia de Lacerda, se dirigiu a Abrantes para expulsar os franceses.

O Capitão Correia de Lacerda foi enviado pelo General Bacelar a investigar o ponto em que se encontrava Loison. A 13 de agosto chegou à Sobreira Formosa, com um Padre feito chefe militar, comissionado pela Junta de Castelo Branco. Foi ali que tomaram conhecimento que Loison tinha evacuado Tomar. A 14, já em Proença-a-Nova, juntaram-se-lhes as Companhias de Caçadores de Salvaterra e Monsanto (esta chefiada por outro Padre, Manuel Domingos Crespo), também com o apoio de milícias da Sertã.

O ataque-surpresa ao Castelo de Abrantes foi desferido na madrugada do dia 17, com o Pe. Crespo a distribuir os seus Caçadores pelos telhados da igreja de S. Vicente, de onde visavam facilmente as sentinelas adversárias. A estratégia delineada conduziu rapidamente à derrota dos franceses.

Já em 1810, no decurso da 3ª Invasão Francesa, Massena pôs cerco à praça militar de Abrantes, porém, apesar das dificuldades sentidas, a guarnição local defendeu-se com denodo. E ter-se-á escutado pelo reino o célebre “Tudo como dantes, Quartel General em Abrantes”, pois a vila continuava incólume.

Logo, esta afirmação, muitas vezes conotada com imobilidade, fraqueza e passividade, aquilo que representou verdadeiramente foi garra, capacidade de resistência, determinação, sentido de dever cumprido. Urge, pois, desmistificar o significado da frase e cantar aos sete ventos que ela é reveladora da bravura e audácia dos abrantinos de há 200 anos.

José Martinho Gaspar nasceu em Água das Casas (Abrantes), na década de 60 do século XX, e vive em Abrantes. É Professor de História e Mestre em História Contemporânea. Desenvolve a sua ação entre aulas, atividades associativas (Palha de Abrantes e CEHLA/Zahara, mas também CSCRD de Água das Casas), leitura e escrita, tanto de História como de ficção, sendo autor de vários artigos e livros. Apaixonado por desporto, já não vai em futebóis, mas continua a dar as suas voltas de bicicleta. Afinal, diz, "viver é como andar de bicicleta: não se pode deixar de pedalar e quando surge um cruzamento escolhe-se o nosso caminho".

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