Susana Estriga recebeu o Prémio Carreira Desportiva 2018 atribuído ela Associação de Atletismo de Santarém. Foto: DR

Estamos no Estádio Municipal de Abrantes. Susana Estriga chega apressada. Irradia energia e boa disposição. Justifica o ar atarefado, fala dos seus 12 cães, das suas ações de solidariedade e passamos ao relvado com a pista em circunferência onde treina diariamente, excepto à quinta-feira e ao domingo, e transmite ensinamentos aos miúdos do Sporting Club de Abrantes. Natural de Tramagal, Susana é uma campeã. O desporto corre-lhe nas veias e o atletismo é a sua paixão. E Susana corre atrás do sonho sem nunca desistir. Aos 43 anos ainda quer melhorar o recorde regional dos 400 metros barreiras. Em dezembro foi homenageada em Fátima pela Associação de Atletismo de Santarém com o prémio Carreira Desportiva.

Susana Estriga nasceu em Tramagal, Abrantes, há 43 anos. Conta ao mediotejo.net que, na infância, era uma miúda que gostava de correr, andar de bicicleta, brincar ao jogo do prego e andar pendurada nas oliveiras. Destruía todos os sapatos que a mãe lhe comprava a jogar futebol. E enquanto as outras meninas brincavam com bonecas, Susana construía raquetes de madeira para jogar ténis numa parede da sua casa. O desporto corria-lhe nas veias e Susana, tal como a irmã, corria pelo desporto escolar.

Susana Estriga sagrou-se vice-campeã europeia nos 60 metros barreiras este ano 2018. Foto: DR

Tinha 11 anos quando viajou pela primeira vez até ao Algarve para uma prova de corta-mato. Um ano antes iniciava precisamente numa outra prova de corta mato que venceu, vitória que lhe mereceu um convite para integrar a equipa de atletas do Tramagal Sport União. Praticava atletismo e jogava andebol no Clube Desportivo Os Patos, em Rossio ao Sul do Tejo e, aquando da faculdade, ainda integrou a primeira seleção feminina de rugby para jogar na Alemanha.

“Competia ao sábado, andebol, ao domingo tinha provas de atletismo” recorda confirmando a opção pelo atletismo quando entrou para a Faculdade de Desporto na cidade do Porto, apesar do convite ao andebol do Colégio de Gaia onde realizou um treino como júnior. “No dia que entrei para a faculdade ligou-me o treinador do Boavista a convidar-me e como era mais perto da residência acabei por escolher atletismo” deixando para trás o andebol, que aliás foi a escolha da sua irmã quatro anos mais velha.

A atleta Susana Estriga no Estádio Municipal de Abrantes, na Cidade Desportiva. Foto: DR

Na realidade, o investimento a sério no atletismo só ocorreu aos 21 anos quando Susana concluiu o curso e regressou a Tramagal para trabalhar. “Tinha alguma estabilidade e comecei a treinar”. Voltava então para o Tramagal Sport União” onde esteve dois anos até ao convite do Futebol Clube do Porto, onde permaneceu com atleta durante oito anos.

A assinatura pelo Porto coincidiu com a construção da pista em Abrantes e “criaram-se as condições para treinar” explica. Até lá os treinos de Susana passavam pela pista de Tramagal, em deficientes condições.

“No ano que fui ao campeonato da Europa na Lituânia tinha um horário na escola de 22 horas e ainda dava mais horas suplementares. Muitas vezes chegava da Escola de Chamusca, ia treinar à pista de Tramagal e estava ali a treinar ao calor, e à noite como não tinha luz tinha focos no chão para saber de onde partia e onde chegava, em silêncio sozinha no meio do pinhal”.

Por causa das provas combinadas, treinava também na Chamusca lançamento de dardo e lançamento do peso.

Susana Estriga conquistou este ano 2018 a medalha de bronze no Mundial de veteranos em Málaga nos 400 metros barreiras. Foto: DR

De 15 em 15 dias viajava até ao Porto para treinar onde teve durante duas ou três épocas treinadores que a acompanhavam nesses dias, mas Susana sempre foi a sua própria treinadora, e ainda hoje é assim.

“Não é o ideal! Claro que gostava de ter o meu grupo de treino com atletas que me acompanhassem e um treinador que me pudesse corrigir, mas infelizmente a realidade de Abrantes não permite isso”, refere, explicando que a opção de regressar a Tramagal prendeu-se com “uma questão profissional. No Porto não iria ficar logo colocada. Seria muito difícil”. Por Abrantes, outras dificuldades surgiram acabando minimizadas pelas muitas medalhas conquistadas ao longo da sua carreira.

Contudo, confessa o “choque” do regresso à sua terra natal depois de cinco anos no Porto deixando para trás colegas e amigos, mas não se arrepende, embora reconheça “que optando por ficar no Porto poderia ter outras oportunidades para trabalhar e em termos de atletismo ter feito coisas mais interessantes” porque gosta mesmo daquilo que faz, afirma.

A atleta Susana Estriga é detentora de um percurso notável ao nível do atletismo. Foto: mediotejo.net

Relativamente a este Prémio Carreira atribuído por parte da Associação de Atletismo de Santarém, Susana Estriga sente-o como “o reconhecimento”, embora observe resistência na Associação escalabitana “no reconhecimento do valor e do papel dos veteranos no atletismo” apesar de também a Federação Portuguesa de Atletismo ter “de aprender a valorizar os veteranos, porque somos muitos, mais nas provas de estrada e de fundo, e muitas vezes superam os mais novos”.

Orgulha-se de chegar aos 43 anos e conseguir bater o recorde regional absoluto de 400 metros barreiras. “Era o meu objetivo da época”, garantiu, lembrando que o seu percurso enquanto sénior fez-se na Associação de Atletismo do Porto e na Associação de Atletismo de Lisboa. Quando aos 40 anos decidiu sair da JOMA onde permaneceu sete anos, disse ao presidente: “vou para a Associação de Santarém, o meu objetivo é bater o recorde na regional dos 400 metros em pista coberta e bater os 400 metros barreiras ao ar livre. E consegui!”.

Susana Estriga destaca-se como veterana, tendo alcançado resultados notáveis. Em 2011, esteve em Gent, Bélgica, no Campeonato da Europa de Veteranos em Pista Coberta. Sagrou-se campeã europeia nos 200 metros e nos 60 metros. Conquistou o título de vice-campeã europeia nos 60 metros barreiras e também conseguiu a quarta posição nos 4×200 metros. Em 2014, esteve no Campeonato do Mundo de Pista Coberta disputado em Budapest e sagrou-se vice-campeã mundial nos 60 metros barreiras.

No ano seguinte, obteve o título de vice-campeã mundial nos 80 metros barreiras e 400 metros barreiras (W40), no Campeonato do Mundo de Veteranos, em Lyon, França. Em 2016, sagrou-se campeã da Europa na modalidade de Pentatlo W40. Conquistou também a medalha de ouro no Europeu de Masters em Pista Coberta, em Ancona, Itália.

Já este ano, a atleta tramagalense sagrou-se vice-campeã da Europa dos 60 metros barreiras (escalão W40) de pista coberta, escalão de veteranos, na final que decorreu em março, em Madrid, Espanha. Em julho venceu os 100 e 200m no 6º Torneio Internacional de Atletismo Master “Cidade de Coimbra/SABSEG”.

A marca de 26’ e 46’’ realizada nos 200 metros constitui novo recorde nacional no escalão W40. E conquistou em setembro o 3º lugar (medalha de bronze) na final dos 400 metros barreiras no Campeonato do Mundo de Veteranos, em Málaga, Espanha.

A atleta Susana Estriga no Estádio Municipal de Abrantes, na Cidade Desportiva

Até ao 12º ano Susana “brincava, não tinha muita noção do que era o atletismo. Treinávamos durante a semana e depois nos fins-de-semana fazíamos aquelas provas populares de estrada. No regresso era o convívio. Não era nada a sério nem havia grandes condições na época”, mas recorda que no Desporto Escolar, mesmo sem treino, saltava quase cinco metros em comprimento, o que indiciava vocação de campeã.

Com a evolução enquanto atleta, para as provas combinadas chegava a treinar três horas por dia. “Entrava na pista às seis da tarde e acabava às nove da noite”, conta. Até que começou a ter algumas dores e decidiu mudar de modalidade. Durante um estágio a conversar com colegas “por brincadeira” a aposta foi para as barreiras. A primeira prova decorreu em Alcanena, onde Susana logo conseguiu os mínimos para o campeonato nacional.

Atualmente, a professora de Educação Física na Escola Secundária Otávio Duarte Ferreira, em Tramagal, treina as horas que consegue, tentando que esse tempo de treino nunca seja inferior a uma hora e meia e duas horas. Poderia treinar mais ao final do dia, mas em “benefício dos miúdos” acaba por prejudicar o seu.

Apesar da noção das dificuldades, o sonho da conquista ainda mora nela. “Gostava de ter capacidade para melhor o recorde regional dos 400 metros barreiras. Vai ser muito difícil!”, diz, consciente que a partir dos 40 anos o atleta começa a perder algumas capacidades, nomeadamente anaeróbia, láctica e de força explosiva. A esperança reside no melhoramento técnico.

“Melhorando alguns aspetos técnicos que correram menos bem no campeonato do Mundo poderei ainda melhorar o recorde. Agarro-me a estas pequeninas coisas, que me fazem vir à pista” diariamente, assegura. Reconhece ainda maiores dificuldades nas pistas portuguesas por serem “muito ventosas”.

No estrangeiro “conseguimos sempre muito melhores marcas nos 400 metros barreiras”. O campeonato da Europa de ar livre em 2019 será em setembro. “Vamos ver se consigo ir”. Outro objetivo era participar no campeonato do Mundo de pista coberta e conseguir um bom resultado. Dos anos que tem como treinadora orgulha-se de ter construído atletas de sucesso. “Haja condições extra clube que lhes permitam continuar no atletismo”, afirma, dando conta do “decisivo” acompanhamento familiar.

Já Susana, familiarmente, explica não ter sido necessário “desbastar muito terreno”. Os pais permitiram [também à irmã] ir a todo o lado e sempre sozinhas. “Nunca foram umas pessoas com muita sensibilidade para valorizar nem para penalizar ou proibir. Nos últimos anos é que, perante os prémios recebidos e das vitórias alcançadas, se aperceberam verdadeiramente que aquilo era reconhecido”, refere.

Susana Estriga corre o Mundo em representação do seu clube, o SCA, e de Portugal. Foto: DR

Desde os 32 anos que Susana afirma que abandona o atletismo, mas já em modo veterano, quando foi a Gent ficou “maravilhada”.

“Tínhamos aquela ideia que a partir dos 30 anos os atletas já são velhos e não competem, não correm, não saltam. Cheguei lá vi senhoras de 60, 70, 90 anos com aquela força e alegria de saltar. Depois dos 40, não mudou nada, começo a ter uma dor aqui e ali mas ainda sinto a mesma vontade de correr e saltar como quando tinha 10 ou 20 anos. Uma mulher depois dos 40 ainda tem charme, não são só os homens”, ri.

Aliada a esta prática saudável do Desporto, Susana acrescenta a confeção de bolachas saudáveis “cheias de fibras e sem açúcar” que leva para o Estádio Municipal. E saborosas, como o mediotejo.net pôde comprovar.

A atleta Susana Estriga no Estádio Municipal de Abrantes, na Cidade Desportiva

Paula Mourato

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

Entre na conversa

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *