Quando nasci o Tramagal era uma aldeia. Contam os meus pais que se viviam tempos de crise. Dois anos depois, Tramagal foi elevado à categoria de Vila, que mantém até hoje.
Vivi e cresci em Tramagal. É para mim um local de eleição e de referência. Estudei ali até terminar o secundário e relembro uma infância feliz. Por ser uma terra tranquila e onde todos se conheciam, brincávamos na rua e não tínhamos telemóvel nem redes sociais. Quando era hora de ir para casa as nossas mães chamavam por nós à porta, ou mandavam recado pelos vizinhos. Fizemos muitas asneiras (típicas da idade), mas andávamos sempre debaixo de olho.
O Tramagal tem a característica fantástica de toda a gente conhecer toda a gente e de as pessoas se cumprimentarem na rua. Por esse motivo, andávamos sempre vigiados. Não valia a pena colocar o pé fora da linha, porque toda a gente sabia que aqui a cachopa era filha da Zézita (filha do Tonho “catarro”) e do Zé Grácio (filho da Teresa “saloa” (que ela não veja isto escrito). Portanto, se metesse o pé em “ramo verde” era “sermão e missa cantada” quando chegasse a casa.
Na adolescência tínhamos sempre animação ao fim de semana, ou não estivéssemos na Vila Convívio. Havia sempre onde ir com os amigos. Uma terra rica em movimentos cívicos/ associativos, que sempre se mobilizou e que está atenta às mudanças sociais. Mais crise, menos crise associativa, mas lá se vai mantendo.

Somos apelidados de bairristas, e somo-lo de facto. Mas o bairrismo também tem coisas boas. Viver e crescer numa terra que nos conhece e com que nos identificamos, não é um privilégio para todos. O sentimento de pertença à minha terra é motivo de orgulho. Quando estudava em Coimbra, dizia com alguma vaidade que era de Tramagal. Hoje continuo a dizê-lo.
O Tramagal não está muito diferente daquilo que era há cinco ou dez anos. Perdeu algumas coisas, ganhou outras. Lembro os tempos em que tínhamos de ir às compras a Abrantes porque não havia um hipermercado. Hoje temos uma estrutura comercial em Tramagal. Quando tínhamos uma consulta médica, havia que tomar o comprimido para o enjoo para fazer as curvas de autocarro. Hoje há menos autocarros, mas também quase toda a gente tem carro. Temos menos médicos, menos respostas educativas mas não é um problema da Vila, é um problema nacional. Temos equipamentos desportivos com baixa utilização, mas reclamamos por mais e, apesar da conjuntura atual, temos algumas empresas que vão crescendo e se vão mantendo.
O balanço não é assim tão negativo quanto por vezes queremos fazer crer. Podíamos ter mais, podíamos. Mas também depende de nós. Não podemos ser reféns do passado, nem parar no presente. Há que ter mente aberta. Reivindicar os serviços mínimos, mas ter a capacidade de perceber que hoje não podemos ter tudo à nossa porta. Há que potencializar os recursos e rentabilizar ao máximo a sua utilização pela comunidade onde nos inserimos. O futuro precisa disso.
Julgo que o Tramagal continua a ter a força, o sentido crítico, a capacidade e a potencialidade que tinha então. O Tramagal são as pessoas. Haja vontade de fazer, de mudar, de crescer. Para mim é um orgulho ser Tramagalense. Não queria ser de outra terra. O Tramagal vive-se. O Tramagal sente-se.