Monumento de Keil do Amaral a Eduardo Duarte Ferreira à entrada de Tramagal. Foto: Luiz Horta

O Tramagal foi elevado a Vila em 3 de Julho de 1986, numa época em que a Metalúrgica Duarte Ferreira se encontrava bastante debilitada, após um período de intervenção estatal que se revelou extremamente negativo e perverso para a vida da empresa, com convulsões sociais no seu seio, depois de não terem sido cumpridas as promessas anunciadas e os apoios prometidos à sua reconversão terem sido sistematicamente adiados. A apresentação do novo camião militar Tramagal TT13/160 6X6 Turbo em finais de 1981 para fornecimento do exército português, constituiu uma última esperança no futuro da empresa, que viria a ser defraudada num concurso de contornos pouco claros, que privilegiou uma empresa holandesa em desfavor da indústria nacional, foi como que uma espécie de “canto do cisne” nas aspirações da MDF, que viria a ser extinta em 1995.

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Plenário na MDF – Portugal Séc. XX, Crónicas em imagens – Diário de Notícias

Antes de 1986, enquanto aldeia, a história do Tramagal não pode ser dissociada da figura de Eduardo Duarte Ferreira (1856-1948) que criou uma sociedade em 1880 que se tornou uma das principais empresas industriais portuguesas no séc. XX, que esteve na vanguarda da revolução industrial e agrícola em Portugal. Nas décadas de 40 a 60 chegou a ter um efectivo de 2100 trabalhadores e conheceu uma próspera e diversificada actividade nas áreas da fundição, mecânica e Metalomecânica, do fabrico e montagem de viaturas militares e civis (Berliet), máquinas agrícolas, aparelhos de mudança de via e electrodomésticos (fogões e loiça esmaltada).

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Marca TRAMAGAL difundida por todo o país, marcou uma época áurea no Tramagal e em Portugal

Enquanto Vila, algumas melhorias de infraestruturas  beneficiaram o Tramagal, contudo, uma reflexão mais atenta leva-nos a concluir que hoje, na Vila de Tramagal, vive-se pior do que quando tinha o estatuto de aldeia, situação que está directamente relacionada com o fim da MDF.

Fazendo um análise comparativa nos diversos domínios, reforça-se a ideia da perda de valências e qualidade de vida outrora já disfrutada pelos tramagalenses:

Indústria

A MDF foi “substituída” em parte pela Mitsubishi e algumas PME’s que contribuem para o emprego local, no entanto, o número de empregos criados está muito longe de atingir os níveis das décadas de 50, 60 e 70, facto que levou muitos tramagalenses a procurar trabalho noutras paragens, com influência direta do decréscimo da população e do número de nascimentos.

Mitsubishi Fuso Truck Europe SA
Mitsubishi Fuso Truck Euro, S.A.

Comércio

Na década de 60, a moderna Cooperativa Operária Tramagalense constituía um comércio com oferta diversificada e condições privilegiadas para todos os trabalhadores da Metalúrgica, complementada por pequenos comércios (Casa Azul), “casa de pasto” e restauração que satisfaziam as necessidades da então aldeia. As muitas tascas ou tabernas constituíam locais de convívio dos trabalhadores nas suas horas de lazer.

Por outro lado, enquanto a Vila, o comércio no Tramagal sofreu as consequências da crise e hoje, embora a oferta seja mais diversificada, a maioria dos comerciantes, incluindo restauração e lazer, debatem-se com enormes dificuldades em virtude da falta de poder de compra e da drástica diminuição da população.

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Saúde

A aldeia de Tramagal teve na MDF, uma das empresas pioneiras em Portugal de um sistema de Previdência próprio para os seus trabalhadores criado em 1927. A partir dos anos 40, existia um Posto Médico privativo devidamente equipado, apetrechado com Raios X, aparelhos modernos de fisioterapia, raios ultravioletas e um pronto-socorro. A Caixa de Previdência tinha ao serviço permanente para os seus beneficiários e familiares, dois médicos de clínica geral e uma enfermeira-parteira, e o seu raio de ação estendia-se, além da Sede em Tramagal, à Filial da MDF em Lisboa e Fábrica de Esmaltagem no Porto.

Em Tramagal, Lisboa e Porto contava em 31 de Dezembro de 1950, 1.350 beneficiários e possuía 5.350 contos em reservas matemáticas. Entre 1944 e 1950 pagou 569 contos de subsídios de doença, 19 contos de pensões de reforma, 113 contos de subsídios extraordinários; num total de 44.067 dias de doença fez, só na sede em Tramagal, 22.227 consultas, 7.868 visitas domiciliárias, 60.577 injeções e 7.514 tratamentos.

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Aviso nº 49 da Caixa de Previdência do Pessoal da Duarte Ferreira & Filhos de 1/11/1946

A Vila de Tramagal possui atualmente um moderno Centro de Saúde, bem equipado, com enfermagem excelente mas muito deficitário ao nível da classe médica pois não existem médicos de família e a população do Tramagal passa muitas horas em filas para conseguir uma consulta e, não é raro ficarem sem consulta, pois os médicos não aparecem ou são insuficientes. Esta é uma realidade que diversos políticos e representantes do povo, têm chamado a atenção, quer do governo, quer da autarquia, mas continua sem solução à vista, obrigando as populações a deslocarem-se muitos km para obter a devida assistência médica. Outro aspecto que está relacionado com as políticas de contenção de custos mais recentes, refere-se ao facto de não existirem nascimentos em Tramagal há mais de 30 anos e, consequentemente a naturalidade “Tramagal” só existe no tempo em que era aldeia, onde existiram todas as condições para se efectuarem partos com toda a segurança.

– Habitabilidade / Construção de casas para habitação

Na aldeia de Tramagal havia habitação para todos até ao início da década de 70, se no presente muitas pessoas como os meus pais têm casa própria construída na década de 60, devem-no à existência da Caixa de Previdência que aprovou e financiou diversos projectos de bairros e casas de habitação para os trabalhadores da MDF, com créditos muito favoráveis e rendas fixas ao longo do tempo do empréstimo, o que permitiu que o Tramagal crescesse e satisfizesse as necessidades de habitação dos trabalhadores que procuraram no Tramagal um projeto de vida.

Na Vila de Tramagal a construção está praticamente parada há muitos anos, não existem soluções para a juventude que pretende constituir família e, por isso, são obrigados a procurar fora do Tramagal uma solução para as suas vidas.

Os projetos de iniciativa camarária que existiram nos anos 80 não eram satisfatórios para as pretensões da população do Tramagal e, por isso, nunca se concretizaram, esse facto constitui mais um fator de desertificação da Vila de Tramagal que tem vindo a perder população ano após ano. Atualmente os jovens que ainda resistem e querem viver na sua terra, resta-lhes apenas recuperar casa antigas por falta de oferta, esta é uma realidade que deveria ser alterada rapidamente através de um PDM que servisse os interesses da população do Tramagal, porque terrenos para construção não faltam.

– Centro Social e Paroquial de Tramagal e Quartel da GNR e ETAR

Em 19 de Maio de 1999 é inaugurado o Centro Social e Paroquial de Tramagal – Centro de Dia, que veio suprir as necessidades de acompanhamento da população mais idosa e mais frágil da nossa Vila.

No mesmo ano 8 de Setembro, foi inaugurado o Quartel da GNR em Tramagal, que veio substituir o antigo Posto que já não tinha condições mínimas para cumprir a sua Missão, neste momento vai funcionando com as condições possíveis e as limitações impostas pelos governos que foram cortando nos orçamentos da Defesa nos últimos anos, consequência da crise que vivemos.

Entretanto, em Junho tinha sido inaugurada a ETAR de Tramagal.

Desporto

Em 1996 entrou em funcionamento o Pavilhão Municipal de Tramagal, uma infraestrutura que há muito vinha sendo reclamada e que permitiu a prática de diversas modalidades de pavilhão, como Basket, Futsal, Andebol, entre outras, tendo o Basket atingido alguma notoriedade ao conseguir chegar ao 3º escalão do basket nacional. Presentementeo pavilhão está em sub-utilização e com aspeto exterior algo degradado por falta de apoios da autarquia, entidade responsável pela manutenção do mesmo, também a crise do TSU veio contribuir para o não aproveitamento de todo o potencial que infraestrutura oferece.

O histórico Tramagal Sport União, depois de 1974 não mais conheceu a glória de outros tempos da aldeia industrial e próspera, quando no futebol o clube militava na 2ª divisão nacional, pois dependia do financiamento e apoio da MDF. A sua secção de atletismo era igualmente muito ativa com uma pista de atletismo que na década de 60, à data da sua inauguração, era considerada das melhores do país.

Margarida Correia Pires
Margarida Correia Pires no salto em comprimento no início da década de 70 na pista de atletismo do Tramagal

Hoje o que resta da pista de atletismo são recordações e muita vegetação que vai tornando os seus contornos quase imperceptíveis. Apesar da falta de condições para a prática do atletismo, nos anos 90 e 2000, surgiram no Tramagal atletas de grande nível e, em particular, Ricardo Alves, como júnior, representou Portugal no Campeonato do Mundo de Atletismo (6º na final) e, enquanto atleta do TSU, foi campeão de Portugal dos 100 e 200 m,  batendo os recordes nacionais absolutos por mais do que uma vez.

Ricardo Alves no TSU
Ricardo Alves, atleta revelação do Ano 2000 pela Revista “Atletismo”

Atualmente o TSU possui uma Sede moderna e aposta no investimento e na modernização das infraestruturas em desfavor da competitividade nos campeonatos distritais, o Presidente Luis Lopes e a sua direcção estão empenhados em conseguir finalmente um relvado sintético para o Campo Comendador Eduardo Duarte Ferreira, algo que a concretizar-se, já vem com muitos anos de atraso.

– Coletividades e Associações / Cultura e Lazer

Neste domínio, o Tramagal será, porventura, um bom exemplo, pois existem mais de 20 coletividades e associações nas mais diversas áreas, no entanto, tem sido crescente a indisponibilidade das pessoas da comunidade para estar à frente dos destinos de algumas coletividades com história, demonstrando falta de interesse, como é o caso da SAT e do TSU, que durante alguns anos mantiveram as mesmas pessoas por não existirem candidatos à gestão das mesmas.

Exceção à regra aconteceu em Agosto de 2002 com o “Tramagal Inter Cultural – TIC, iniciativa de grande êxito e visibilidade, que juntou mais de 20 coletividades e associações por iniciativa da Associação Juvenil Cistus em colaboração com a Junta de Freguesia e as mais diversas associações.

A aldeia do Tramagal foi também um exemplo de associativismo, quase sempre com a MDF a tomar as iniciativas e as rédeas na gestão das colectividades e associações. Exemplos ilustrativos são o Teatro Tramagalense, Lda. (antes Tuna Tramagalense) e a Sociedade Artística Tramagalense, que festejou o seu 115º aniversário no dia 1 de Julho. É com muita nostalgia que muitos tramagalense recordam os bailes do TTL e da SAT, a orquestra do TTL, os conjuntos musicais das duas coletividades e as peças de Teatro com elencos que deixaram saudades.

Orquestra TTL_anos 60
Orquestra do Teatro Tramagalense, Lda. em finais da década de 50 / início de 60
Cartaz_Amor de Cigana_1979
Cartaz da Peça de Teatro na SAT “Amor de Cigana” em Junho/Julho de 1979

Na aldeia de Tramagal existiu uma Biblioteca da Gulbenkian, móvel (no início) e Fixa (a partir da década de 60) que permitiu a muitas gerações dar os primeiros passos na leitura. Hoje, a Vila de Tramagal não tem uma Biblioteca, o que é sintomático da desvalorização a que tem sido sujeita a cultura no Tramagal.

Natália Manana na Biblioteca do Tramagal_Out-1988
Biblioteca Fixa nº 135 da Gulbenkian com Natália Manana Penas

Todavia, nem tudo é mau, a Universidade da Terceira Idade(UTIT), a Associação de Reformados do Tramagal(ARTRAM), a Associação de Melhoramentos(AMFT), a Associação Humanitária de Dadores de Sangue(AHDSFT), a Cistus, entre outros, têm multiplicado iniciativas e deixado obra visível no Tramagal, trabalho que tem sido reconhecido a nível autárquico e nacional, ainda assim acredito ser é possível fazer mais e melhor.

Vila de Tramagal – Que futuro ?

Tendo em conta que o Tramagal tem vindo a perder população desde 1981, ano em que atingiu um pico de 5.167 habitantes, situando-se atualmente abaixo dos 3.500, é preciso estancar o declínio demográfico da freguesia de Tramagal, para tal é necessário encetar políticas e iniciativas que tornem de novo o Tramagal uma terra atrativa para se viver.

A diáspora tramagalense possui uma massa crítica de enorme potencial e poderá no futuro ajudar a fomentar projectos inovadores que retirem o Tramagal do marasmo em que tem vivido nos últimos anos.

O Tramagal precisa de mais e melhor urbanismo, espaços verdes e equipamentos desportivos condignos, ao nível dos que já existem no concelho.

Acima de tudo precisa de uma estratégia de desenvolvimento bem definida.

O projecto no novo Museu Industrial que vai ser apresentado no dia 3 de Julho, dia do 30º aniversário de elevação a Vila, pode ser o arranque para uma nova estratégia e o início da esperança num futuro melhor.

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