Manuel e Mircia saem todos os dias do Estabelecimento Prisional de Torres Novas para trabalhar. Foto: mediotejo.net

O Estabelecimento Prisional de Torres Novas tem atualmente 28 reclusos, dos quais 24 estão em regime aberto no exterior, ou seja, saem diariamente saem da prisão para ir trabalhar, graças a um protocolo estabelecido com cinco autarquias. Este programa de reinserção começou há cerca de 20 anos em Vila Nova da Barquinha e tem sido um exemplo de sucesso pela integração social e fornecimento de competências aos reclusos de forma a melhor poderem preparar o seu regresso à liberdade e ao mundo laboral.

Mircia e Manuel estão detidos há mais de 10 anos no Estabelecimento Prisional de Torres Novas e preparam-se para alcançar, num horizonte temporal de poucos meses, a liberdade que tanto ambicionam. Ambos têm noção do mal que fizeram e interiorizaram que estão a pagar pelos erros que cometeram.

A poucos meses de saírem do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, onde cumprem a etapa final das suas penas de prisão, Mircia e Manuel são colegas de trabalho de segunda a sexta feira na Câmara Municipal da Chamusca.

Não escondem o ar de felicidade com que desempenham as suas tarefas num ambiente de liberdade seja nas oficinas da autarquia, seja nos jardins, nas estradas ou nas ruas.

Manuel e Mircia saem todos os dias do Estabelecimento Prisional de Torres Novas para trabalhar. Foto: mediotejo.net

A rotina diária já está interiorizada para os seis reclusos que trabalham na Câmara da Chamusca. De manhã, uma carrinha do Município vai buscar os reclusos ao Estabelecimento Prisional e deslocam-se para trabalhar onde for preciso, de acordo com as necessidades. Têm direito ao almoço e, ao fim do dia, regressam à prisão, como quem regressa a casa no final de uma jornada de trabalho. Enquanto isso, contam os dias que faltam para alcançar a liberdade e encetar uma nova etapa da sua vida.

O mediotejo.net falou com dois reclusos integrados neste programa, que funciona com base num protocolo entre a autarquia da Chamusca e a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

Nas oficinas da autarquia chamusquense, o ucraniano Mircia, de 36 anos, põe em prática os seus conhecimentos e competências na área da serralharia.

Mircia, 36 anos, recluso de nacionalidade ucraniana, é serralheiro. Foto: mediotejo.net

“Está a ser uma muito boa experiência. Estão a dar uma grande oportunidade para a gente sair deste mundo onde entramos”, reconhece, com a perspetiva de “uma nova vida”. “É preciso coragem e levantar a cabeça para cima”, reforça.

Mircia tem consciência de que está a pagar pelo erro que cometeu e garante que “abriu os olhos”. Desde 2006 trabalha como serralheiro e desde 2011 exerce a atividade nas prisões, tendo vindo do Linhó para Torres Novas.  

Há sete anos conquistou a possibilidade de trabalhar no exterior. “Sair da prisão para trabalhar é muito bom, ficas livre, é totalmente diferente”.  

Tem-se empenhado para conquistar a confiança dos responsáveis das prisões, o que tem conseguido. “Depositaram confiança em mim e gostam do meu trabalho”, orgulha-se, destacando o “bom ambiente” tanto na prisão como na Câmara da Chamusca onde diz que foi bem acolhido.

Em junho cumpre dois terços da pena e pode sair em liberdade. Logo a seguir tem planos para casar com a sua namorada e reiniciar a vida em sociedade.

No caminho para a liberdade ao fim de 11 anos de prisão está também Manuel Pinto, 45 anos, do Cadaval. Em maio atinge os 2/3 da pena e é com um sorriso rasgado que antevê a sua saída para junto da sua família.

Manuel Pinto, 45 anos, recluso, diz que aprendeu a trabalhar, Foto: mediotejo.net

Reconhece que estes anos têm sido muito complicados sobretudo para quem tem filhos e netos. Mas nem tudo é mau: “graças a Deus, apesar de estar preso consegui arranjar alguma coisinha e consegui ajudar a minha mulher e os meus filhos”.

Confessa que antes de entrar na prisão, não sabia trabalhar. O consumo de droga levou-o para o mundo do crime e, passados estes anos, reconhece o seu erro. “Tenho noção do mal que fiz às outras pessoas, que não devia ter feito”. Hoje em dia nem álcool consome.

“Tem sido muito boa experiência, aqui já ganho 700 eurinhos, já posso ajudar a minha mulher. As pessoas da Câmara tratam-me bem, respeitam-me, evolui muito. Não sabia trabalhar e agora já sei, e quando sair já consigo arranjar trabalho. Aqui faço de tudo um pouco, trabalho com as máquinas todas e aprendi muito com os colegas”, afirma, com entusiasmo.

A perspetiva de ir trabalhar para a Câmara do Bombarral, onde a sua família reside, dá-lhe alento e esperança numa vida nova.

Ao centro o Presidente da Câmara e a Diretora do Estabelecimento Prisional. Foto: mediotejo.net

“Uma experiência extremamente positiva”

Desde há 12 anos Paula Quadros dirige o Estabelecimento Prisional de Torres Novas, que recebe reclusos de todo o país. Com uma lotação de 38, são atualmente 28 os detidos, dos quais 24 estão em regime aberto no exterior e quatro em regime aberto no interior.

Em declarações ao mediotejo.net, falou dos 24 reclusos que diariamente saem da prisão para trabalhar. Encontram-se distribuídos por sete brigadas em cinco autarquias: Vila Nova da Barquinha, Almeirim, Chamusca, Golegã e Torres Novas, com as quais são estabelecidos protocolos.

Mas em breve o número de reclusos em Regime Aberto no Exterior vai aumentar para 33. Nesta altura aguarda-se autorização superior para preencher as 11 vagas disponíveis.

Aquela responsável, em articulação com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, está a contactar com empresas para integração de novos reclusos.

Quer nas autarquias, quer nas empresas, há a perspetiva à posteriori de que sejam assinados contratos de trabalho. Até lá, os reclusos neste regime aberto, têm direito a transporte, refeição e o ordenado mínimo, além de seguro.

Este programa de reinserção começou há cerca de 20 anos com a Câmara em Vila Nova da Barquinha, Município que acolheu de início quatro reclusos e atualmente já são oito.

Para Paula Quadros esse primeiro protocolo traduziu-se numa “experiência extremamente positiva”. A partir daí, ao longo dos anos, foram sendo estabelecidos protocolos com as autarquias, indo ao encontro das suas necessidades de mão de obra e, ao mesmo tempo, com o objetivo de arranjar colocações de trabalho para os reclusos de forma a poder preparar a sua saída para a liberdade.

A responsável explica que o objetivo é “proporcionar oportunidades de adquirir competências laborais e também de poderem adquirir experiência para quando saírem em liberdade terem mais hipóteses de integração social e profissional bem sucedida”.

“O balanço é extremamente positivo e temos tido um feedback muito positivo das autarquias”. Paula Quadros realça ainda o “trabalho meritório” dos reclusos que muitas vezes trabalham tanto ou mais do que os trabalhadores das autarquias.

Desenvolvendo atividades diversas, que variam de autarquia para autarquia, os reclusos tratam de manutenção geral do espaço público, limpeza urbana, pintura, desmatação, e alcatroamento de estradas, entre outros serviços.

É a oportunidade que estes homens têm “não só de adquirirem competências, como terem trabalho e juntarem algum dinheiro para, em alguns casos, poderem ajudar a família”.  “Tem sido uma mais valia para eles”, reforça Paula Quadros.

Depois das autarquias, o próximo passo é estabelecer protocolos com empresas para acolherem reclusos em fim de pena, havendo já vários contactos nesse sentido.

Antes, porém, “há todo um trabalho prévio de lhes proporcionar e consolidar competências profissionais e pessoais que é depois conciliado com a atividade laboral”.

Nesse sentido, os reclusos frequentam ações de formação (inglês, informática, gestão de conflitos, por exemplo), têm apoio psicológico e religioso e alguns conseguem tirar a carta de condução.

Aliás, quando os reclusos são transferidos para o EPTN, “já vêm com muita vontade de aproveitar esta mudança”, sublinha a responsável.

Paula Quadros, Diretora do Estabelecimento Prisional de Torres Novas. Foto: mediotejo.net

“Uma experiência enriquecedora para toda a gente”

Para o presidente da Câmara da Chamusca, o programa de reinserção laboral e social dos reclusos “tem sido uma experiência muito boa e enriquecedora para toda a gente”.

Paulo Queimado destaca a “partilha de conhecimento e de experiências”, entre reclusos e os restantes trabalhadores, que classifica de “muito interessante”. Há até casos de reclusos que ensinam os funcionários.

Dentro do papel social das autarquias na reintegração dos reclusos na comunidade, há um acompanhamento contínuo e todos são tratados por igual. Outra das vantagens é “colmatar a falta de recursos humanos nas autarquias”.

José Gaio

Ganhou o “bichinho” do jornalismo quando, no início dos anos 80, começou a trabalhar como compositor numa tipografia em Tomar. Caractere a caractere, manualmente ou na velha Linotype, alinhavava palavras que davam corpo a jornais e livros. Desde então e em vários projetos esteve sempre ligado ao jornalismo, paixão que lhe corre nas veias.

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1 Comentário

  1. Parabéns Dra.Paula Quadros por este grande profissionalismo inigualável no mercado das prisões portuguesas. Ainda bem que podemos engrandecer com profissionais e com esta gategoria. O seu Ministério não vê que seu trabalho deveria ser aproveitado para novos horizontes a nivel governamental. O que estão a espera!!!! Meus PARABÉNS por este feito extraordinário para engrandecer os presidiários que corrrigiram com esta obra orientada somente pela Dra.Paula Quadro e seus escolhidos colaboradores. Um bem haja.

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