José Pacheco, reconhecido professor e pedagogo portuense, luta há mais de meio século por uma Escola que rompa com o modelo de aprendizagem vigente em Portugal, que remonta ao século XVIII, “completamente ultrapassado” e que, a seu ver, “deixa muitos alunos para trás”, desrespeitando o direito constitucional de uma “educação para todos”.
“Este é um modelo assassino. A sala de aula é um cemitério de talentos”, afirmou José Pacheco durante o debate que presidiu na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas, a convite do Núcleo de Capacitação Pessoal e Comunitária – Sementes. Opondo-se ao conceito de uma escola fechada, em que os alunos são separados por turmas e distribuídos por salas de aula, “sem que haja um fundamento cientifico para que isso aconteça”, sugerindo um enviesamento claro à própria Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor desde 1986.
“A Lei de Bases do Sistema Educativo, diz que o professor deve de residir na área em que trabalha. E os professores andam por aí com a casa às costas. Diz que a Escola deve de ser gerida por princípios democráticos e a escola não é. O parágrafo 3º do artigo 48º diz que todas as decisões de política educacional devem basear-se, não em critérios de natureza administrativa, mas em critérios de natureza científica. Não vejo que haja critérios de natureza científica quando se inventa o semestre ou se inventa a turma, porque não há qualquer fundamentação científica para haver semestre, turma ou sala de aula. Não há!”, fundamentou José Pacheco em declarações ao mediotejo.net.
O professor lamenta assistir de ano para ano, sempre que vem a Portugal, ao crescimento exponencial de centros de estudo e de explicações no país, a par de uma realidade cada vez mais visível, como é “o aumento de jovens reprovados, do abandono escolar, dos analfabetos funcionais, de um maior sofrimento dos professores com as doenças profissionais, e do suicídio juvenil”. Prova de que “está tudo errado”.
Por isso, vinca, “não podemos continuar a querer curar uma ferida profunda com pensos rápidos”.



Créditos: mediotejo.net
“Aquilo que, infelizmente, os ministérios têm feito, tanto em Portugal como em outros países, é aplicar no modelo velho, pequenos paliativos, como são os cursos de ensino híbrido, por exemplo. Inventam modas, pensando que isso vai resolver. Uma das modas surge a partir da produção teórica de Ramón Flecha, o chamado projeto das Comunidades de Aprendizagem. Porém, aquilo que está na teoria, e muito bem, não está na prática. Quando vou a uma escola que está inscrita nesse projeto do Governo, eu não vejo comunidade. Vejo sala de aula, turma… tudo aquilo que é do século XIX. Vejo crianças do século XXI, com professores do século XX, a trabalhar como no século XIX. Isso não é comunidade”, sustenta.
“A Escola tem de entender que um projeto educativo que foi aprovado tem de ser cumprido. E se eu disser, que a maioria dos professores, nem sequer sabe o que está escrito no projeto educativo da escola? Infelizmente é assim”, desabafa.
José Pacheco diz que “o Ministério é um monstro burocrático”, que facilita a continuidade de um modelo educacional “que é excludente, com falta de inclusão social, com discriminação social, com tudo aquilo que não deve ser uma escola pública”.
Pais, professores e alunos, juntos, por uma nova construção social de aprendizagem na comunidade

Romper com o modelo educativo tradicional “só é possível com uma nova construção social de aprendizagem”, defende José Pacheco.
Ou seja, partindo para um paradigma educacional em que “o centro não é o professor, nem é o aluno”, mas sim “a relação, a ligação, entre o professor, como mediador, e a criança ou o jovem, enquanto sujeito de aprendizagem”, porque “sem vínculo não há aprendizagem”: “Nenhum aluno aprende se não estabelecer uma relação de empatia, de afeto e de respeito com o professor”, nota.
Pacheco defende uma “escola aberta”, sem divisão por ciclos de ensino, sem turmas, sem salas de aulas e sem testes. Uma escola que fomente a vontade de aprender. Em que o professor estimule a curiosidade e as aprendizagens e não se limite a debitar matéria para os alunos decorarem. “O professor não deve planear aulas. O professor deve ajudar os alunos a construir um projeto de vida. E o aluno, perante um objeto que é significativo, vai pesquisar, vai construir conhecimento e partilhá-lo, produzindo avaliações.”, defende.
Fomentando laços entre a comunidade e a Escola, entre pais, professores e alunos, José Pacheco acredita que é possível construir um modelo educacional baseado em círculos de aprendizagem, de vizinhança e de proximidade, que se cruzam e complementam, dando origem às comunidades de aprendizagem, que “ajudam o aluno, a partir das suas necessidades, dos seus talentos individuais e dos seus sonhos, para a construção de um projeto de vida.”
Esta é uma luta que José Pacheco trava há muito tempo e da qual não desiste, depositando as suas esperanças no corpo docente.
“Eu sou professor da escola pública há mais de 50 anos. Eu acredito nos professores. Acredito que entre os professores, pode haver quem desperte para a necessidade de reelaborar a sua cultura pessoal e profissional. Se nós partirmos daqui, temos uma vasta produção teórica, passando por Agostinho da Silva, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Bento Jesus Caraça, António Sérgio. Toda essa gente, produziu teoria que está disponível, que pode e deve ser aproveitada”.
O professor reconhece que “não vai ser tarefa fácil construir um novo modelo social de aprendizagem”, e que o paradigma que defende vai demorar tempo a ganhar força e a disseminar-se. Mas, sabe que é possível. E prova disso, é o sucesso do modelo educacional que desenvolveu na “Escola da Ponte” na década de 70 e que já replicou no Brasil em projetos como a Escola Projeto Âncora e a Escola Aberta de São Paulo. E, mais recentemente, novamente em Portugal, com a “Open Learning School”.
“A Escola da Ponte foi a primeira escola no mundo, a passar do ‘centro do professor’ para o ‘centro do aluno’ na Educação Básica. Mas, para mim foi uma maldição. A história da Escola da Ponte é uma história feita de resiliência e de sofrimento. Não chegou lá a fada madrinha, não. Nós tivemos uma permanente oposição do Ministério, foram muito raros os ministros que apoiaram. Tivemos ataques terríveis de outras escolas e de outros professores. E isso desgastou a tal ponto a Escola da Ponte, que, hoje, ela está numa situação bem difícil. Mas, continua a ser uma excelente escola. Se não há mais, é porque, efetivamente, a Escola da Ponte é conhecida, apreciada e imitada no estrangeiro. A pergunta é, porque é que não há mais escolas da Ponte em Portugal?… e eu deixo essa pergunta a todos como tarefa de casa!”.
Desde o início do ano, a percorrer Portugal, de Norte a Sul, o professor José Pacheco, diz que está “em conspiração”, por “uma nova construção social de aprendizagem que escape aos burocratas” e que seja capaz de difundir “a aprendizagem em comunidade”.
E deixou uma mensagem em Torres Novas: “As escolas não são prédios. As escolas são pessoas. Então, o foco tem de ser a relação entre as pessoas, que são seres humanos, com emoções. Não são máquinas. Essa relação é importantíssima para que o aluno aprenda a aprender e a construir conhecimento. E para que seja feliz nesse processo de aprendizagem, mediado por um professor.”
Eu amo José Pacheco e toda a sua linhagem pedagoga!
Tanto queria ter a sua força, a sua garra, enquanto lecionei. Não consegui!
Vive em mim a esperança de, um dia, em Portugal e no Mundo, as crianças poderem aprender prazerosa e humanamente!
Sou professora há 38 anos e tenho plena consciência dessa mais valia relacional. É pelos sorrisos, pelo calor com que recebemos os alunos que os conquistamos para as aprendizagens, mas tem de ser pelo esforço e resiliência dos alunos que elas se tornam significativas. Eu amo os meus alunos e acredito que qualquer professor pode fazer a diferença. Basta que se disponibilize para tal e se empenhe na construção de qq ser humano. A minha profissão é muito mais que isso. É uma missão! Mudar é preciso.
Coloco o dedo no ar para ajudar no que for possível neste projeto de escola. Um ensino com sentido de crescimento e conhecimento pessoal de um ser humano, de forma a encontrar o seu elemento e ser feliz na sociedade.
Grande desafio, verdade! Mas claramente, o que temos agora são pequenas caixas, que nos limitam o pensamento e as esperanças, sobre algo que nem conseguimos ter a capacidade de imaginar. Obrigada professor José Pacheco pela sua luta!
A senhora que coloca o dedo no ar nem escrever sabe. Compreende-se: é um produto de escolas que não são comunidades. Ainda assim, é espantoso como a humanidade chegou aqui, com uma escola tão retrógrada.
Excelente matéria jornalística sobre assunto de tamanha relevância social. As relações na escola, assim como na família condicionam em grande parte o funcionamento dos adulstos na sociedade. Se hoje temos sociedades desiguais, violentas, preconceituosas, injustas, fracamente democráticas, alienantes e competitivamente predatórias é porque nossas escolas tambem carregam e perpetuam práticas de ensino e de aprendizagem nesta linha, embora no discurso quase sempre defendam a liberdade, democracia, participação, autonomia e outros valores – opostos a suas práticas cotidianas.
Que tenhamos a coragem, como tem José Pacheco e outros, de desenhar experiências de aprendizagem ativas, colaborativas, criativas, significativas para a vida e felicidade de nossos filhos e netos. Não nos faltam caminhos, falta caminhar.
Já ouvi falar da escola da Ponte e vi na televisão uma reportagem sobre a mesma. É verdade que os alunos têm sucesso, e mais do que na escola do século XIX, que é a que temos hoje, mas também ouvi na rádio o testemunho de uma mãe que tirou de lá a filha, porque ela não conseguiu aprender a ler: a aprendizagem é feita por grupos, com colegas, e eles embirraram com ela, ou ela não conseguiu entender-se com o método e só aprendeu na escola dita normal. Obviamente é muito melhor o método da escola da Ponte, mas nenhum é cem por cento infalível.
Como professor, pedagogo, formador e cidadão comprometido, partilho das mesmas preocupações e da maior parte das opiniões e convicções apresentadas pelo colega José Pacheco.
Subscrevo todas as críticas ao atual sistema de ensino, às modas que, em geral, apenas acrescentam burocracia e trabalho, horas sem fim na escola e em casa, para professores e alunos, enorme carga curricular, programas extensos e frequentemente desajustados (nomeadamente do desenvolvimento cognitivo dos jovens) e acabam por deixar em roda livre aqueles que deveriam ser melhor preparados pela escola, sendo agora alunos responsáveis e empenhados, bem comportados, e que serão os líderes daqui a poucos anos.
É, efetivamente, uma escola injusta e exclusiva.
É verdade que nenhum modelo é isento de problemas e se adequa a todos, mas o modelo em vigor (assente no velhinho liceu) já deu provas de que não serve e demonstrou à saciedade o seu desajustamento.
A letra da lei é frequentemente divergente da”filosofia” do discurso, limitando assim a evolução da escola.
Também é verdade, infelizmente, que ha aqueles que, dentro da escola e das escolas, contribuem para a manutenção do status quo, o justiceirismo das classificações e a inflexibilidade.
A burocracia é imensa, a carga horária brutal e a maior parte dos professores e muitos alunos, principalmente do secundário, andam esgotados, em burnout, desanimados e sem tempo para viverem.
Porque não “pega” a mudança?