Maria Lamas é uma figura feminista incontornável do nosso tempo. Lutou pelas mulheres, que considerava “irmãs”, assim como pela liberdade e a paz do resto da família global. Acreditava ser possível ir “sempre mais alto” e dar voz a quem não tinha. Neste Dia Internacional da Mulher fomos recordar o percurso da escritora e jornalista torrejana de olhos postos na exposição “Mulheres, Paz, Liberdade”, patente no Convento do Carmo e no Museu Municipal Carlos Reis até dia 1 de maio.
O dia dedicado às mulheres não nasceu internacional. Começou nos finais do século XIX nos Estados Unidos e chegou depois à Europa, acabando por ganhar uma dimensão global só na primeira década do século XX. A data tornou-se oficial quando as Nações Unidas designaram 1975 como o Ano Internacional da Mulher e o dia 8 de março foi estabelecido para assinalar as batalhas femininas a nível social, laboral e político que Maria Lamas travava há décadas.
É por isso que falar sobre Maria Lamas no Dia Internacional da Mulher faz sentido. Não só por ser uma figura feminina ímpar, mas porque conquistou a singularidade através da luta que travou ao longo da vida para fazer ouvir outras mulheres cuja voz era abafada pelo ruído das mentalidades e o silêncio da indiferença. Os valores da Paz e Liberdade também a fizeram mover fora de portas e na clausura, acompanhando a torrejana para quem o céu não era o limite – ela acreditava que era possível ir “sempre mais alto”.

“Mulheres, Paz, Liberdade” é a tríade que dá nome à exposição patente no Convento do Carmo a partir desta quinta-feira, dia 8, e que será complementada por uma segunda parte a partir do próximo dia 13 no Museu Municipal Carlos Reis, com fotografias da obra “As Mulheres do Meu País” (1948). Os objetos e as palavras de Maria Lamas que a compõem estiveram na Assembleia da República entre 19 de outubro e 6 de dezembro de 2017 e chegam agora à terra natal da escritora, jornalista e tradutora.
Estivemos no antigo hospital de Torres Novas pouco depois de abrir portas para conhecer alguns episódios da vida de Maria Lamas, nascida Maria da Conceição Vassalo e Silva a 6 de outubro de 1893, que viria a obter o apelido pelo qual é conhecida no segundo casamento. O primeiro estreou a lista do Registo Civil de Torres Novas, assinada por ela aos 17 anos e o tenente Teófilo Ribeiro da Fonseca, com quem viajou até Angola (Luanda/Capelongo) e teve as filhas Maria Emília e Manuela.
A terceira filha, Maria Cândida, nasceu mais tarde em Lisboa, fruto da união com o jornalista Alfredo da Cunha Lamas, em 1921, e um ano depois de ver legalmente reconhecido o fim do primeiro casamento. Foi também na capital que as suas palavras começaram a falar mais alto através dos artigos da Agência Americana de Notícias, d’A Capital, da Civilização e d’O Século, tal como as das obras literárias de poesia, romance, contos infantis e mitologia.

“Humildes”, “O Caminho Luminoso”, “Para Além do Amor”, “Brincos de Cereja”, “A Ilha Verde”, “O Vale dos Encantos”, “Estrela do Norte”, “A Mulher no Mundo” ou “O Mundo dos Deuses e dos Heróis – Mitologia Geral” são alguns dos livros que também assinou como Maria da Fonseca, Serrana d’Ayre e Rosa Silvestre. Quem acompanhava o correio sentimental da revista Modas & Bordados, no jornal O Século, também não encontrava Maria Lamas, mas a “Tia Filomena”.
Palavras ligadas à ficção e à realidade que foram saindo da máquina de escrever exposta no Convento do Carmo, junto da radiotelefonia, pastas de congressos internacionais em que participou, a ficha de inscrição para o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas – que presidiu e na qual é referida a união de “todas as mulheres para uma ampla colaboração no estudo e solução dos seus problemas” – e a carteira profissional datada do ano de 1934 e com o número 239.
Tecladas foram, igualmente, as cartas escritas a Eugénio Ferreira, à filha Maria Cândida ou a Ferreira de Castro, que podem ser consultadas durante a visita e levadas para casa, assim como os 15 fascículos mensais intitulados “As Mulheres do Meu País”, publicados entre 1948 e 1950. Mais tarde, foram compilados em quase 500 páginas que traçam o perfil feminino português na década de 40 com base em informação recolhida na primeira pessoa durante as viagens que fez pelo país.

Na introdução da primeira edição, em 1948, pode ler-se: “Fui ao encontro das minhas irmãs portuguesas, procurei conhecer e sentir as suas vidas humildes ou desafogadas, as suas aspirações ou a sua falta de aspirações, sintoma alarmante de ignorância, desinteresse e derrota”, acrescentando “assim foi escrito este livro, que é uma expressão de fraternal solidariedade com as mulheres do meu País”.
No ano seguinte foi presa pela PIDE, a primeira de três vezes, e na carta escrita no Forte de Caxias a 25 de novembro de 1950 assegurava a Maria Cândida que “Mesmo quando os meus nervos reagem, o espírito mantém-se lúcido e calmo – cada vez mais calmo!”. Terá sido com esse espírito que integrou o Movimento de Unidade Democrática, participou em congressos mundiais, seguiu para o exílio em Paris – onde se manteve até 1969 – ou se inscreveu no Partido Comunista Português depois do 25 de Abril de 1974.
A mesma calma que se sente na sua voz enquanto visitamos a exposição pois na sala em frente são exibidos excertos de “Nome de Mulher: Maria Lamas”, o documentário realizado para a RTP em 1974 por Antónia de Sousa e Maria Antónia Palla. Numa terceira sala, ao fundo do corredor, Maria Lamas volta a surgir nas fotografias e frases impressas nos painéis expositivos que partilham o espaço com o icónico xaile branco da fotografia tirada em Moscovo no ano de 1953.

Aqui e ali, percebe-se que a serenidade de Maria Lamas foi alimentada até ao último dia de vida, 06 de dezembro de 1983, pela forte convicção com que lutou pelas suas “irmãs”, a Paz e a Liberdade. Acreditava ser possível resolver os problemas, mesmo à distância, e assumia-o em Paris (1965) quando afirmou estar disposta a “dar tudo, quanto em mim caiba, para a renovação do mundo. O máximo que tenho para dar é a vida…”.
A exposição “Maria Lamas – Mulheres, Paz, Liberdade” pode ser visitada no Convento do Carmo e no Museu Municipal Carlos Reis até ao dia 1 de maio. O primeiro local abre portas excecionalmente no sábado à tarde durante todo o período em que a mostra fica patente ao público.