Há 30 anos que equipas arqueológicas fazem investigação em Torres Novas, havendo um Centro destinado a acolher as equipas de arqueólogos Foto: DR

Este é o maior achado de sempre em 30 anos de escavações arqueológicas em Torres Novas, um marco para o país e inclusive a nível mundial. Na gruta da Aroeira, na rede cársica da nascente do Almonda, foi encontrado em 2014 um crânio humano com cerca de 400 mil anos, o mais antigo alguma vez identificado no país e um dos poucos da Europa. A descoberta foi publicada na revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences USA” e divulgada em 2017. A descoberta é de tal forma importante no meio arqueológico e para a História do Homem que, no dia 14 de março, Torres Novas esteve nas bocas do mundo.

A descoberta foi realizada por uma equipa da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa). Desde 1987 que esta instituição investiga as cavidades subterrâneas da nascente do rio Almonda, em associação com a STEA (Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia). A direção do projeto esteve desde início a cargo de João Zilhão, que na época era docente na Faculdade de Letras de Lisboa, mas desde 2011 é investigador na Universidade de Barcelona.

A informação histórica e científica fornecida pelo município torrejano destaca que “os resultados obtidos têm permitido obter informação muito valiosa sobre a Pré-História da fachada atlântica da Península Ibérica desde há meio milhão de anos. Graças à privilegiada janela de observação representada pelas jazidas do Almonda (Galeria da Cisterna, Lapa dos Coelhos, Gruta da Oliveira, Gruta da Aroeira, e Gruta do Pinheiro), temos hoje uma visão completamente renovada da cultura e vida dos primeiros povoadores do nosso território, dos Neandertais, dos nossos antepassados diretos que viveram a última Idade do Gelo, contemporâneos dos artistas do Vale do Côa, e das primeiras sociedades de economia agro-pastoril e suas origens”.

Nestes 30 anos as escavações foram patrocinadas por várias instituições, tendo-se impulsionado no entretanto a construção do Centro de Interpretação da Gruta do Almonda (CIGA), vulgarmente conhecido por “Cabeço das Pias”.

A estrutura, na possa da Câmara Municipal, albergou várias expedições ao longo dos anos, mas nos últimos tempos tem sido alvo de várias vandalizações, devido ao seu isolamento e progressivo abandono.

Entre 2013 e 2016 o financiamento dos trabalhos de escavação nas grutas foi assegurado pela Câmara de Torres Novas, refere a mesma nota municipal. “Anteriormente, o projeto Almonda beneficiou também de apoios da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e dos extintos Instituto Português de Arqueologia e Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico.

A fábrica de papel A Renova, proprietária dos terrenos, forneceu energia elétrica e apoio logístico diverso. A empresa Crivarque Lda. contribuiu, ao abrigo da Lei do Mecenato, com equipamento, mão-de-obra e trabalhos especializados de diversa natureza, nomeadamente de topografia e exploração”.

O fóssil do crânio recebeu o nome de “Aroira 3”, uma vez que já tinham sido encontrados dois dentes, cada um com a sua catalogação. “No dia 14 de julho de 2014, quando a equipa avançava em direção ao objetivo de alcançar o calcário de base para obter uma visão completa da sequência estratigráfica, o crânio foi acidentalmente atingido, criando o buraco circular que nele se observa”, refere a informação municipal.

“Sabendo-se já, através de trabalhos de datação anteriormente realizados, que o depósito em escavação datava de há cerca de 400 000 anos, a importância do achado foi imediatamente reconhecida”.

Seguiu-se o tratamento do achado, “utilizando maquinaria apropriada, a brecha que embalava o crânio foi cortada em bloco e transportada para laboratório, onde se procedeu ao laborioso trabalho de restauro e estudo que culmina no artigo que agora se publica. Verificou-se então que a preservação do crânio era parcial, mas aplicando técnicas de espelhamento às imagens obtidas por TAC (Tomografia Axial Computorizada) foi possível realizar uma reconstrução virtual que corresponde a dois terços da morfologia original e de que apenas a zona occipital se encontra ausente”.

A informação frisa que “o período de tempo entre 700 000 e 125 000 anos antes do presente (o chamado Plistocénico Médio) é de importância crucial para o estudo da evolução humana. É nesta época que, a partir das primeiras formas humanas aparecidas em África há 2.5 milhões de anos (os chamados Homo erectus), se dá a emergência de populações com capacidades cranianas que entram dentro da margem de variação do Homo sapiens e entre as quais se contam os antepassados de toda a Humanidade actual”.

“Na Europa, porém, o número de fósseis deste período é reduzido, e a sua datação bastante imprecisa, o que explica em grande medida a existência de diversas escolas de pensamento sobre a maneira de os classificar e sobre a natureza do parentesco evolutivo com os seus sucederes, os Neandertais e os homens ditos ‘anatomicamente modernos'”, explica.

É neste contexto que o crânio revela a sua extrema importância.

“Em primeiro lugar, porque a sua datação é muito mais precisa que a de todos os outros fósseis desta época, o que o transforma num padrão de referência. Em segundo lugar, porque a combinação de traços morfológicos que nele se observa é única — alguns evocam os fósseis espanhóis da Sima de los Huesos (Atapuerca), outros os Neandertais, outros ainda encontram paralelo em restos de França (Tautavel), Itália (Ceprano), ou Alemanha (Bizingsleben)”.

Daqui conclui-se que “as populações europeias do Plistocénico Médio eram de uma diversidade morfológica muito grande; e que a evolução humana foi, neste período, um processo bastante mais complexo do que até aqui se pensava”.

Na reunião camarária de 14 de março a satisfação era grande entre todo o executivo, incluindo os partidos da oposição, manifestando-se o gáudio pela descoberta.

Em declarações ao mediotejo.net, o presidente Pedro Ferreira referiu que o crânio deverá vir a Torres Novas e que o município irá “explorar o mais possível como promoção do nosso concelho este património riquíssimo”.

Nesta linha reconheceu poderem-se abrir novas possibilidades para tornar a potenciar o Cabeço das Pias.

Cláudia Gameiro

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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