O espetáculo “How to Become Nothing” contraria a ideia comum de The Legendary Tigerman como one-man band. No dia 1 de abril, sábado, Paulo Furtado vai estar no palco do Teatro Virgínia com o live-road-movie projetado em conjunto com Rita Lino e Pedro Maia. Um filme-concerto baseado no diário do músico que perpetua os blues do delta do Mississipi e, mais tarde, resultará no filme “Fade Into Nothing” e num livro de fotografias.
A poucos dias da sua passagem por Torres Novas, falámos com Paulo Furtado sobre a road-trip de 12 dias que fez pelo deserto da Califórnia, e que juntou um músico, uma fotógrafa e um realizador com perspetivas próprias.
Contrariamente ao que muitos pensam, mais do que um concerto de The Legendary Tigerman, “How to Become Nothing” trata-se de um projeto idealizado por si, Rita lino e Pedro Maia que, mais tarde, se transformará num livro de fotografias com uma banda sonora editada e no filme “Fade Into Nothing”, com presença em salas e festivais de cinema.
Fomos habituados a vê-lo sozinho em palco, munido de voz e instrumentos, mas o conceito do espetáculo não se trata de “algo tão novo” na sua carreira e relembra o trabalho conjunto com Rita Red Shoes no western português “Estrada de Palha”, a primeira longa-metragem de Rodrigo Areias, que percorreu o país em 2012 com o mesmo formato.
Uma das novidades deste live-road-movie é a manipulação das imagens ao vivo por Pedro Maia, transformando cada palco numa road-trip única pelo deserto da Califórnia, dependente da forma como corre o encontro entre a música e as imagens naquele momento. A paisagem e a banda sonora podem variar, mas The Legendary Tigerman assegura que a viagem “começa e termina sempre da mesma maneira”.
Outra novidade (para alguns) é que os temas conhecidos de The Legendary Tigerman não estão incluídos na bagagem, antes pelo contrário. O que segue viagem são temas criados para a banda sonora do filme e que serviram de “ponto de arranque” para o novo trabalho discográfico, gravado em dezembro de 2016 no Rancho de La Luna, o estúdio de gravação fundado em Joshua Tree (Califórnia) por Fred Drake e Dave Catching no ano de 1993. A edição do álbum está prevista para o segundo semestre deste ano.
Os dias ficaram registados em super 8, fotografia e no falso diário que o músico foi rabiscando durante a viagem. Falso, não porque a road-trip não tenha acontecido ou o itinerário se afaste muito do que foi feito entre Los Angeles e DeathValley, mas por ser uma mistura entre a realidade e factos oníricos e ficcionais transformados numa obra marcada por uma “narrativa paralela” e “uma música um bocadinho hipnótica que nos embala”.
A inspiração para a história do homem que procura refúgio no deserto surgiu das paisagens “dos Estados Unidos e do centro da América” e das imagens de “Paris, Texas”, filme realizado por Wim Wenders em 1984. Ambas evocam “desaparecimento”. São locais onde Paulo Furtado diz ser “relativamente fácil desaparecer pela sua vastidão” num mundo em que isso é “virtualmente impossível” e as páginas das redes sociais sobrevivem à morte dos seus utilizadores.
As palavras de Doug Richmond no livro “How to Disappear Completely and Never Be Found”, lançado em 1985, também ajudaram a construir esta fuga pensada. Um “guia prático” com dicas sobre o que se deve e não deve fazer (nada de passar pelos locais do costume) ou objetos a usar e a evitar (esqueçam os cartões multibanco).
A premissa do espetáculo, que estreou a dia 28 de janeiro no Teatro José Lúcio da Silva (Leiria), é simples: “Como seria desaparecer completamente”, ficar afastado da exposição (tantas vezes voluntária) que, segundo The Legendary Tigeman, acaba por ter efeitos “sobre o nosso raciocínio, a nossa memória e o nosso modo de ver o mundo”. Curiosamente, o ponto de partida do raciocínio (e da viagem) acaba por contrariar a própria noção de espetáculo enquanto algo apresentado ao público e que expõe os artistas a olhares alheios.
O primeiro conselho deixado por Paulo Furtado para quem se sentir inspirado na noite em que começa a nova temporada do Teatro Virgínia e decidir partir numa road-trip marcada pelo pó do deserto é levar “o mapa”. Perguntou de seguida se lhe podia acrescentar o “carro 4×4”. Por nós não há problema, desde que entre os cds ou os ficheiros de audio sigam alguns dos seus temas, para tornar a experiência mais genuína.