No momento em que celebra 40 anos, a Reserva Natural do Paul do Boquilobo faz uma exame de consciência e percebe que tem que se valorizar enquanto património. A estratégia de criação de um “selo Reserva Biosfera” para produtos locais dá os primeiros passos, após um processo que passou pela estruturação do território, consciencialização agrícola das necessidades de sustentabilidade e combate à poluição. A vandalização de equipamentos e as espécies invasoras, que ameaçam a rica biodiversidade do território, são alguns dos problemas que a gestão desta reserva enfrenta. Mas há hoje uma grande vontade, desde as autarquias aos empresários, de dar a conhecer e potenciar o melhor deste espaço escondido entre os campos agrícolas do Ribatejo.
A Reserva Natural do Paul do Boquilobo é Reserva da Biosfera da UNESCO desde 1981, título que foi revalidado em 2016 com uma ampliação do território. Com um total de cerca de 800 hectares, a Reserva Natural situa-se entre os concelhos de Torres Novas e Golegã, sendo o coração de uma área mais extensa, “do Pombalinho ao TorreShopping”, de 6900 hectares de Reserva Biosfera.
A Reserva da Biosfera, uma certificação específica da UNESCO, tem um órgão de gestão próprio, sem entidade jurídica, que é composto pelas Câmaras de Torres Novas e Golegã, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) – Reserva Natural do Paul do Boquilobo e pela ONGATEJO. A ONGATEJO é uma organização não governamental ambientalista ligada à Agrotejo que, em termos gerais, representa os agricultores que circundam a Reserva Natural.
No âmbito da celebração recente dos 40 anos da Reserva Natural, o mediotejo.net quis saber qual o ponto de situação deste equipamento, que há alguns anos nos motivou uma reportagem pelo seu trilho pedestre, à época a necessitar de reabilitação.

As mudanças começaram precisamente em 2017, conforme adianta o vereador da Câmara Municipal da Golegã, Carlos Godinho, através de um investimento na reabilitação do trilho de seis quilómetros na ordem dos 149 mil euros, financiado maioritariamente por fundos europeus. “Realmente foi uma mais valia para quem quer conhecer esta área única”, constata o vereador, lembrando que o montante permitiu também a instalação de dois observatórios, novos, assim como passadiços e um parque de merendas.

Neste âmbito, também a Câmara de Torres Novas está a levar a efeito um projeto de valorização deste património, que pretende ver concluído ainda este ano. “Em 2017 o município de Torres Novas apresentou uma candidatura a fundos comunitários, de cerca de 100 mil euros, que visava ligar a área protegida do Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros aqui a esta área do Paul do Boquilobo”, adianta Joaquim Cabral, vereador do município torrejano.
O projeto foi aprovado e contempla a marcação da Rota Pedestre do Almonda (desde a nascente, junto à fábrica da RENOVA, ao Paul, passando por Lapas, Torres Novas e Villa Cardilium), sinalética, marcação de zonas limítrofes da Reserva da Biosfera, duas estações de monitorização da qualidade da água do rio Almonda, requalificação do troço junto ao Centro de Interpretação da Reserva Natural e uma nova exposição interpretativa.
A todo este investimento o órgão de gestão da Reserva da Biosfera quer também juntar um “selo Biosfera”, uma espécie de certificação que valorize a atividade económica sustentável envolvente. A ideia encontra-se ainda numa fase emergente, mas já existem algumas iniciativas, com umas pipocas de marca local. A estas atividades juntam-se outras, como os festivais gastronómicos locais que já se realizam, os trilhos pedestres pelo Boquilobo, aos quais se associa o selo Biosfera.
“Estamos a dar os primeiros passos quanto a isso”, constata Joaquim Cabral, sendo neste momento o próprio órgão a desafiar negócios locais, como alojamento, restauração ou atividades ligadas a produtos endógenos a promoveram práticas sustentáveis a fim de integrar esta iniciativa.

Para Fernando Faria Pereira, interlocutor do ICNF – Reserva Natural do Paul do Boquilobo, a importância subjacente à celebração dos 40 anos de Reserva Natural foi o facto de ter levado o Estado Português a comprar cerca de 22% dos terrenos do equipamento, o que permitiu ao longo dos anos proteger as áreas mais sensíveis e as diversas espécies que ali afluem, como as garças ou algumas espécies de peixes. A implementação de medidas de proteção têm permitido também melhorar as águas do rio Almonda, que ali atravessa.
A este respeito, Mário Antunes, da ONGATEJO, frisa a consciencialização dos agricultores para a necessidade de atuar de forma sustentável e proteger a biodiversidade deste território. “Foi feito um trabalho extraordinário” no que diz respeito à proteção dos recursos naturais, defende, nomeadamente com a promoção de formações para utilização de produtos agro-químicos, formação aos utilizadores da água com instalação de sondas de monitorização de humidade, utilização de agricultura de precisão e imagens de satélite. “Daí resultou uma diminuição significativa naquilo que era o impacto da atividade agrícola nos recursos naturais”, explica.
A poluição mais ligada ao setor industrial teve também algumas melhorias, nomeadamente com a requalificação da ETAR de Riachos. “Penso que há ainda algumas situações por resolver”, constata, nomeadamente em redor da cidade de Torres Novas, mas o responsável acredita que com a sensibilização ou a penalização os fenómenos ligados à poluição possam desaparecer.
Neste sentido, apesar da marca Paul do Boquilo – Biosfera ter 30 anos, só há poucos anos começou a surgir um logótipo associada a alguns produtos. “Acho que a marca faz todo o sentido, é um trabalho que está a ser desenvolvido pelos parceiros. Acreditamos que duma ou doutra forma tem vindo a ser implementada, mas também acreditamos que se calhar é preciso fazer mais e é um desafio que não está esquecido e não está, de todo, de parte”, reflete.
Para Mário Antunes, há espaço para que também os privados possam investir no território e não apenas os municípios. “Há espaço para todos e queremos que toda a gente participe”, comenta, constatando as possibilidades do turismo natureza ou gastronómico. Uma das limitações, porém, reside no facto da maioria dos terrenos do Paul Boquilobo pertencer a privados, nomeadamente à Quinta do Paul.

Outro problema que se tem verificado é a tendência para a vandalização dos equipamentos novos instalados. Em dois anos, os novos observatórios e demais estruturas requalificadas pela Câmara da Golegã já foram vandalizadas três vezes, roubando-se portas e mesas e estragando o material instalado com dinheiro europeu e municipal. “Acho que temos que criar aqui um espírito próprio para que os agentes da região também valorizem este espaço que é seu. Só valorizando é que o vamos conseguir proteger”, constata Mário Antunes.
Fernando Faria Pereira fá-la-nos ainda de situações pontuais de pesca furtiva e caça, mas sobretudo dos perigos que trazem as espécies invasoras, como o lagostim, para as espécies locais.
A Reserva Natural contabiliza uma média de 5 mil visitantes ao ano, incluindo estrangeiros, tendo-se registado um aumento de visitação com o confinamento devido à pandemia. Pelo território passam 24% das espécies europeias e uma larga percentagem das espécies nacionais. É possível observar no Boquilobo 260 espécies diferentes de aves.
O CARÍSSIMO VEREADOR DA CÂMARA MUNICIPAL DA GOLEGÃ NÃO SABE O QUE DIZ, NÃO SABE O QUE FAZ.