Está nos cinemas, incluindo na nossa região, o filme “Sufragistas”. Conta a história de um grupo de mulheres trabalhadoras na sua luta pelo direito ao voto. Trata-se de um filme intenso, bem feito, que nos mostra como foi dura e prolongada a caminhada das mulheres por todo o mundo para alcançarem o direito ao voto.
De forma particular seguimos o percurso de uma lavadeira na sua tomada de consciência. Como se envolve com as sufragistas, as prisões a que é sujeita, a dimensão da sua exploração enquanto trabalhadora e enquanto mulher. As incompreensões de que é alvo e mesmo a chacota dos seus iguais – os homens trabalhadores. Um percurso onde perde tudo.
Hoje, quando votamos, quando frente à urna temos o mesmo poder que qualquer outra pessoa, seja homem, seja rico, tenha poder, nem sempre nos apercebemos que esse direito básico fundamental nos foi negado e foi preciso uma luta dura, violenta, onde muitas foram presas e mesmo perderam a vida. E não foi assim há tanto tempo.
Hoje, muitas vezes é dado como adquirida a igualdade entre mulheres e homens. Mas, bem sabemos, que ainda estamos longe da verdadeira e plena igualdade. Veja-se o caso dos salários, as mulheres ganham, em média menos 20% que os homens, desempenhando as mesmas funções. As mulheres trabalham mais que os homens, continuam com a maioria das tarefas domésticas e com as responsabilidades no cuidar dos mais novos e dos mais velhos. Hoje, continua a existir discriminação porque as mulheres engravidam e amamentam. Há poucos meses assistimos à humilhante situação em que enfermeiras foram obrigadas a espremer as mamas para provar que estavam a amamentar.
Hoje, 25 de novembro, assinala-se o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres. Este ano, em Portugal, “país de brandos costumes”, foram até agora assassinadas pelos maridos e companheiros 40 mulheres!
No passado dia 20 de novembro, a Assembleia da República revogou as leis que alteraram a Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, que a maioria PSD e CDS fizeram aprovar, mesmo no último dia da anterior Legislatura. Alguns dirão: não era assim tão importante, não se criminalizava o aborto outra vez. Será que as alterações que a direita aprovou eram inócuas?
O aborto só foi despenalizado em Portugal em 2007, sete anos adentro do século 21, 33 anos depois do 25 de Abril e por força da decisão popular expressa em referendo. Até essa data as mulheres eram perseguidas, humilhadas, julgadas e até podiam ir para a prisão por terem feito um aborto. Os números das mulheres cuja saúde ficou arruinada e que morreram devido a aborto clandestino eram a nossa vergonha, mas eram também a força para manter viva durante tantos anos a luta pela despenalização do aborto.
A Lei de 2007 estava a ser aplicada, sem sobressaltos, no Serviço Nacional de Saúde e, atente-se bem, os números das interrupções de gravidez baixavam todos os anos.
Mas a direita mais conservadora nunca se conformou com o resultado do referendo e introduziu na Lei a obrigatoriedade, repito, obrigatoriedade de acompanhamento psicológico e social às mulheres que decidirem abortar. Ora a Lei já previa esse acompanhamento para as mulheres que o solicitassem.
O facto de ser obrigatório tinha como base o pressuposto de que as mulheres não podem ser livres na sua decisão. Não podem ser elas a assumir a sua decisão. Menorizava-as e colocavas num papel subalterno. Criando aliás um caso único na prestação de cuidados de saúde, obrigando a procedimentos, mesmo que sejam contra a vontade das próprias pessoas. Bastaria isto, para suscitar a inconstitucionalidade de tal norma, mas Cavaco Silva, não hesitou e promulgou a Lei.
Terá agora que promulgar a sua alteração e caso não o faça, estou convicta que a maioria na AR a reconfirmará sem pestanejar. Mas as alterações iam mais longe ao permitir que profissionais de saúde objetores de consciência tivessem intervenção no processo da interrupção da gravidez. Tudo conjugado tinha um objetivo – tutelar as mulheres. Elas não podem decidir, era a mensagem.
Recentemente o novo primeiro-ministro do Canadá quando questionado sobre o porquê do seu governo ser paritário, respondeu simplesmente – porque estamos em 2015.
Foi em 2015 que a Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez foi alterada, é bom não esquecer. Felizmente, foi também em 2015 que foi reposta a dignidade das mulheres, de todas as mulheres, mesmo daquelas que nunca vão interromper uma gravidez.
As sufragistas lutaram pelo direito ao voto para todas. Hoje, as feministas lutam pela igualdade e direitos iguais para todas e para todos.