O jardim interior do Seminário das Missões, em Cernarche de Bonjardim, Sertã, encheu-se de livros, poemas e palavras graças à Maratona da Leitura – 24 Horas a Ler, um certame cultural de promoção da leitura que decorre este sábado e domingo, 1 e 2 de julho. Foi no berço de Nuno Álvares Pereira – figura principal desta maratona – que a iniciativa arrancou, tendo sido dada a palavra ao presidente da Câmara da Sertã, José Farinha Nunes e ainda a outros convidados tais como os escritores Alves A. Nascimento, José Eduardo Franco ou Fernando Pinto do Amaral.

Ana Sofia Marçal, da Biblioteca Municipal, emocionou os presentes ao ler o poema “na hora de pôr a mesa, éramos cinco”, de José Luís Peixoto, pedindo em seguida um minuto de silêncio em memória das vítimas dos incêndios.
“Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
(José Luís Peixoto, in ‘A Criança em Ruínas’ )

No exterior estavam estacionadas mais de uma dezena e meia de Bibliotecas Móveis, vindas de norte a sul do país, e que dali partiram, cerca das 11h00, para algumas das aldeias da Sertã, levando livros a localidades como Outeiro da Lagoa, Troviscal, Várzea dos Cavaleiros, Pampilhal, Castelo ou à recém-fustigada pelos incêndios Várzea de Pedro Mouro. Cada uma foi acompanhada por um Contador de Histórias profissional que, à chegada a cada local realizará uma sessão de contos para a comunidade, num ambiente festivo preparado para o efeito.
Cláudia André, vereadora da Cultura, explicou ao mediotejo.net que os objectivos da iniciativa passam por promover a leitura, por todo o concelho a ler e sensibilizar para a importância da leitura. “É importante que, nestas 24 horas, se perceba que no concelho da Sertã há dinamismo, há cultura e que a actividade do concelho também se pode movimentar ao redor da cultura e, neste caso, da cultura literária”, disse.

Ali perto, no Atelier Túllio Victorino, dezenas de crianças assistiram ao espectáculo “O incontestável Nuno” por Elvira e C&ª, que abordou figuras da nossa história tal como Nuno Álvares Pereira e Brites de Almeida, a padeira de Aljubarrota.

A maratona de 24 horas engloba ainda várias tertúlias literárias , um espectáculo de leitura de leitura encenada e a exibição de diversos filmes alusivos a Nuno Álvares Pereira. Tem lugar ainda a inauguração de uma exposição de banda desenhada sobre Nuno Álvares Pereira e decorrerá uma feira do livro e existirão diversos quiosques de leitura espalhados por todo o concelho.

Na tarde de sábado, decorre o lançamento do livro “Nuno Álvares Pereira: uma antologia” com chancela da editora Caleidoscópio que reúne textos dos vários escritores presentes e tem ilustração de capa de João Miguel. “São vários contributos de um conjunto de autores/escritores que vão participar na maratona e também de alguns investigadores como é o caso do professor Aires Nascimento. É um livro que acho interessante porque traz um conjunto de visões, desde logo as da literatura, para uma nova visão do Dom Nuno Álvares Pereira que é uma figura notável e que merece o nosso reconhecimento”, disse ao mediotejo.net, Jorge Ferreira da editora Caleidoscópio.

O evento, que conta com um investimento global na ordem dos 20 mil euros, “gera retorno muito maior do que o investimento efetuado”, destacou Cláudia André, vereadora responsável pela Cultura na Sertã, tendo referido uma “grande logística, com centenas de pessoas a participar, a organizar e a promover” um evento que vai “tocar dezenas de aldeias e vilas” de um território com 16 mil habitantes e mais de 300 pequenas localidades.
O evento é o “ponto alto” de iniciativas que decorrem ao longo de todo o ano naquele município com “réplicas de minimaratonas de promoção da leitura nas escolas, casas de cultura e bibliotecas”, sendo dirigidas a todas as faixas etárias e estratos sociais.

“Um verdadeiro acontecimento cultural que devia ser fomentado em outros pontos do país”
No Seminário das Missões, os participantes com quem o mediotejo.net falou estavam bastante agradados com o desenrolar desta iniciativa na Sertã. José Eduardo Franco referiu que esta iniciativa é louvável, a todos os títulos “e um verdadeiro acontecimento cultural” que devia ser fomentado não só na Sertã como em outros pontos do país. “É uma forma de recuperarmos o exercício da leitura oral dos nossos poetas, dos nossos clássicos que, infelizmente, está a perder-se. E é também uma forma diferente de nos relacionarmos com os textos e de lidar com uma experiência comunitária diferente. A partir do Séc. XX desenvolvemos um tipo de leitura muito individualista – deixamos de nos encontrar nos saloons para ler – e essa perda também constitui uma perda cultural pelo que esta iniciativa também recupera isso mesmo”, considera, acrescentando que a Sertã está de parabéns por esta atitude de resistência cultural.