Paulo Jorge de Sousa leva ‘Paixão e Luz’ ao Centro Cultural Gil Vicente em Sardoal. Créditos: mediotejo.net

Trata-se de um conjunto de fotografias sobre os preparativos e a Procissão do Senhor da Misericórdia ou dos ‘Fogaréus’, em Sardoal, que integram o arquivo pessoal do fotógrafo sardoalense Paulo Jorge de Sousa e que são referentes aos finais dos anos 80 e anos 90 do século passado, num período em que já integrava o GETAS (Grupo Experimental de Teatro Amador do Sardoal).

Perante um multidão presente na sessão de inauguração, Paulo Sousa explicou que aquelas fotos “constituem uma pequena mostra de imagens inéditas desta manifestação religiosa onde aparecem algumas pessoas que já não estão entre nós, mas que ainda permanecem na memória de muitos sardoalenses”.

ÁUDIO | DECLARAÇÕES DE PAULO SOUSA AO JORNAL MEDIOTEJO.NET

Paulo Jorge de Sousa começou a fotografar em 1986 e sem as preocupações documentais que afirma ter agora. Na altura interessava-se por explorar a técnica e a estética e encontrar um caminho que o pudesse ajudar a encontrar uma linguagem fotográfica própria. Ao mesmo tempo também o movia algum experimentalismo à volta do uso das películas em condições de baixa luminosidade.

Na Procissão do Senhor da Misericórdia – que decorre sempre na quinta-feira santa à noite – “era muito difícil fotografar sem flash”, refere, desafio que o obrigava a usar películas a preto e branco de alta sensibilidade e muitas vezes “puxadas”, ou seja, usadas como se fossem mais sensíveis, compensando essa falta de luz na revelação em laboratório.

“Claro que este processo aumentava significativamente a visibilidade do ‘grão’, mas isso, para mim, era um mal menor”, afirmou.

Paulo Jorge de Sousa leva ‘Paixão e Luz’ ao Centro Cultural Gil Vicente em Sardoal. Créditos: mediotejo.net

Acrescenta que “nesse período, era tudo mais calmo, não existia a ferocidade e a pressão das redes sociais, não havia o reboliço atual e o mau uso da tecnologia, ora de ecrãs a brilhar para a ‘selfie’, ora os ‘flashes’ inadvertidos próprios de quem não sabe usar as ferramentas. Era tudo feito em ambiente silencioso, de respeito pelo que movia aquelas pessoas de fazer parte desta cerimónia, em sinal de fé”.

Neste primeiros anos Paulo Sousa era a única pessoa a fotografar esta procissão em ambiente natural, sem ‘flash’, logo as 18 fotografias agora expostas “também são o início de todo um processo de registo fotográfico que se repetiu ano após ano até à atualidade”.

Um conjunto de 18 fotografias integram a mostra “Paixão e Luz”, que vai estar patente em Sardoal. Foto: Paulo Jorge de Sousa

Hoje, “estas fotografias, podem ter um valor histórico acrescido e constituir verdadeiros retratos da história do Sardoal e das suas gentes naquele período. Podem ser as primeiras imagens de que há memória, desta manifestação religiosa (…)”, considera.

Após 37 anos, Paulo Jorge de Sousa garante ainda haver “um novo olhar” sobre o sentimento religioso dos sardoalenses. “Acho que há. Não sei o que vou fotografar na quinta-feira quando for a Procissão [dos Fogaréus]. Sei que vou andar por aí e vou ver o que se passa à minha volta. Vou entrando por um caminho ou por outro. Não tenho nada definido quando começo o trabalho, é o próprio acontecimento que me leva explorar determinado tipo de ângulos e tento sempre não repetir os ângulos dos anos anteriores. Às vezes é muito difícil, mas tento sempre fazer alguma inovação com ângulos que nunca foram explorados ou com ângulos que explorei e que não resultaram e que agora tenho a certeza que podem resultar. É um desafio constante”, assegura ao nosso jornal.

A mostra é composta, então, por fotografias a preto e branco também porque “na altura era mais barato. A revelação a cores era altamente cara. Estas fotografias funcionaram para mim como uma fase experimentalista, explorar a fotografia, eu não sabia muito, não havia Internet, tinha de explorar eu próprio as coisas. A preto e branco porque era mais barato comprar bobines com 30 metros e depois em casa enrolar nas bobines e fazer rolos de 30, 36. Portanto, uma bobine custava quase o preço de dois rolos. Então tinha muito material para poder gastar, por isso fazia muita fotografia a preto e branco”, explica.

Além disso “podia em casa interferir no processo da própria revelação. Isto é, o rolo tinha uma determinada sensibilidade, eu enganava a máquina e depois na revelação compensava com aquilo que eu achava que devia compensar, para ter o contraste que temos aqui nas fotografias”.

Paulo Jorge de Sousa leva ‘Paixão e Luz’ ao Centro Cultural Gil Vicente em Sardoal. Créditos: mediotejo.net

Quanto à exposição Paulo Sousa “não queria”, não fosse a insistência de João Soares, técnico da Câmara Municipal de Sardoal, ainda não era desta que mostrava estas fotografias. Contudo, uma vez convencido foi este o momento “para mostrar as fotos aos sardoalenses porque há pessoas nas fotografias que ainda estão vivas. Senti como uma homenagem por manterem a tradição”, disse notando que “as fotos existem porque as pessoas foram às procissões, porque as pessoas mantiveram a tradição. Eu fui um mero comunicador, fui registando e mostrando. Os verdadeiros heróis são as pessoas fotografadas”.

A seleção das fotografias para a exposição “é o pior”, confessa, tendo Paulo Sousa de se socorrer de ajuda nessa tarefa hercúlea. “Fui selecionando uma quantas, depois fiquei com 30, depois tirei uma e outra e por fim num ato de decisão pura” decidiu-se por um percurso: “retratos, a procissão a subir a rua e a procissão a descer”.

ÁUDIO | PAULO SOUSA DURANTE A INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO
Paulo Jorge de Sousa leva ‘Paixão e Luz’ ao Centro Cultural Gil Vicente em Sardoal. Créditos: mediotejo.net

Na inauguração, o presidente da Câmara de Sardoal, lembrando ser o início de mais uma Semana Santa, começou por dizer “não ser fácil falar de Paulo Sousa” porque “é um amigo”, observando que “poucas foram as vezes em que tivemos a inauguração de uma exposição com tanta gente, com tantos amigos”.

Para Miguel Borges, Paulo Sousa “não é só um fotógrafo que aponta a máquina e dispara, tem ética na fotografia, tem respeito por aquilo que está a fotografar, e isso pode ser um bom ensinamento para muita gente”, disse o autarca, deixando um apelo para que “aprendam com as fotografias do Paulo” que segundo o presidente consegue “fazer um registo, com ética, sem se intrometer naquilo que está a acontecer, sem acrescentar ruído ao acontecimento”.

ÁUDIO | PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SARDOAL, MIGUEL BORGES

Paulo Jorge de Sousa nasceu no Sardoal em 1964. É licenciado em Fotografia e Técnico Superior de Fotografia na Câmara Municipal de Sardoal, local onde trabalha desde 1986. Desenvolve todo o trabalho fotográfico da Autarquia e é editor fotográfico e fotógrafo do boletim “O Sardoal”. Fotografa desde 1986. Fez o Curso de Fotojornalismo com Luíz Carvalho do jornal “Expresso” (Observatório de Imprensa).

Em 2009, foi distinguido pela rádio Antena Livre de Abrantes com o galardão “Cultura”, pelo seu percurso fotográfico. Assina uma crónica fotográfica semanal no jornal mediotejo.net desde janeiro de 2016. Venceu o Prémio Literário da MédioTejo Edições, na categoria de não ficção, com o projeto fotográfico “O Arneiro” e que lhe valeu a publicação do trabalho em livro, em 2018.

É formador de fotografia com Certificado de Aptidão Profissional e conta com mais de meia centena de distinções nacionais e internacionais. Já participou em dezenas de exposições individuais e coletivas.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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